Lais Carregosa e Geraldo Campos Jr., da Agência iNFRA
A distribuidora Amazonas Energia e três geradores de sistemas isolados podem ter que devolver mais de R$ 1 bilhão aos consumidores devido ao recolhimento a mais de ICMS nas contas de energia no estado, disseram fontes à Agência iNFRA. O assunto é tratado em um processo na ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), que chegou a ser pautado na reunião de diretoria em 5 de agosto, mas não foi deliberado.
A discussão gira em torno dos contratos do leilão de sistemas isolados de 2016, quando as empresas Aggreko, Powertech e Flexgen arremataram os lotes para geração no Amazonas, atendendo a comunidades não interligadas ao sistema nacional. Na época, segundo a ANEEL, o preço da energia vendida considerava o custo com o recolhimento do ICMS na geração.
Contudo, em 2017 e 2018, dois decretos estaduais do Amazonas isentaram a cobrança nessa etapa, mas não houve repasse dessa redução para as tarifas – algo que está previsto no contrato dos geradores. Ou seja, o imposto sobre a geração continuou sendo cobrado dos consumidores, estando embutido no preço da energia.
Debate na ANEEL
Uma das cláusulas dos contratos de geração define que a redução do custo da energia deve ser repassada ao consumidor. É a aplicação dessa regra que está em debate na ANEEL.
O relator do processo, o diretor Fernando Mosna, chegou a apresentar voto determinando a redução do preço da energia nos contratos, refletindo a não incidência do ICMS, e a devolução do valor recolhido a mais à CCC (Conta de Consumo de Combustíveis), que subsidia a geração nos sistemas isolados. O valor seria calculado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia). O voto, no entanto, não chegou a ser apreciado porque o processo foi retirado de pauta.
Como o processo corre em sigilo, fontes do setor estimam que o valor gira em torno de R$ 2 bilhões a R$ 3,5 bilhões. Contudo, o cálculo da área técnica da ANEEL é menor: cerca de R$ 1 bilhão. O montante, conforme recomendação dos técnicos da reguladora, deveria ser devolvido de forma parcelada aos consumidores durante 60 meses.
O diretor de Energia Elétrica da Abrace (associação que representa os consumidores industriais), Victor Iocca, aponta que os “geradores, depois que entraram em operação comercial já com uma nova regra, não tinham a necessidade de pagar o ICMS, mas continuaram recebendo dos consumidores o preço cheio dos seus contratos”, o que levou ao valor a ser ressarcido.
Leilão de dezembro
Fontes do setor afirmam que a falta de decisão da reguladora sobre a interpretação da cláusula contratual pode afetar a realização do leilão de sistemas isolados de 2025, marcado para dezembro, afastando players mais tradicionais e abrindo espaço para novos agentes. O certame tem dois lotes no Amazonas, destinados ao atendimento de dez localidades.
“Com o julgamento da ANEEL, os interessados nesse leilão vão saber exatamente como se posicionar em relação a essa questão do ICMS. Sem julgamento, fica a dúvida sobre o que vale”, disse uma fonte do mercado a par do assunto.
Contudo, essa avaliação não é consenso. Para Iocca, da Abrace, já há manifestação da área técnica da ANEEL recomendando a devolução, inclusive da Procuradoria Federal junto à agência. Desta forma, mesmo que não haja definição da diretoria, haveria segurança jurídica.
“Na nossa avaliação, não existe esse risco da ocorrência do leilão, dos empreendedores terem esse receio de alguma alteração de regra. Mas, se os empreendedores que queiram participar dessa contratação entenderem que existe algum risco, o ideal é a ANEEL finalizar esse processo, que já corre há muitos anos”, afirmou.
Outra fonte do setor termelétrico admitiu a possibilidade de o leilão ser afetado, mas disse acreditar que o certame ocorrerá “dentro da normalidade”. A aprovação do edital do leilão de sistemas isolados está na pauta da reunião de diretoria da ANEEL da próxima terça-feira (26).
Argumentos das empresas
Em documentos enviados à ANEEL, as geradoras Aggreko, Powertech e Flexgen, além do grupo Oliveira, controlador da Amazonas Energia, afirmaram que os lances apresentados no leilão de 2016 não incorporaram o custo com o ICMS sobre a aquisição de combustível e na venda da energia gerada, ou seja, sustentam que o imposto não está embutido no preço de referência ofertado.
O argumento em comum é que, embora fosse instituída a vedação da cobrança dos geradores no Amazonas em 2017, os PIEs (Produtores Independentes de Energia) não estão sujeitos ao recolhimento do ICMS por força da Lei Complementar 19/1997 e que uma lei estadual de 2005 também concedia isenção do ICMS aos consumidores de energia de sistemas isolados do interior do Amazonas.
No entanto, no voto que chegou a ser publicizado no início do mês, o diretor Fernando Mosna disse não ver razão nos argumentos trazidos pelos produtores uma vez que as duas etapas do leilão em questão tinham clara em suas regras que os contratos “deveriam considerar a incidência do ICMS no preço da energia negociada com a distribuidora”.
Um parecer da Procuradoria Federal junto a ANEEL emitido ainda em 2023 também concluiu que “os participantes do certame tinham plena ciência de que o ICMS deveria compor o preço ofertado, de modo que a alteração do regime tributário do imposto deve ser refletida no preço final dos contratos”, sendo necessário um reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos a favor do consumidor.
A Amazonas Energia foi procurada pela Agência iNFRA, mas não respondeu até a conclusão da reportagem.








