ANA vai sugerir implementação faseada de tarifa social e reequilíbrios por gatilhos

Amanda Pupo, da Agência iNFRA

A ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento) vai propor que as empresas de saneamento possam fazer uma adoção faseada da tarifa social dos serviços de água e esgoto. A estratégia é gerar um prazo de adaptação mais compassado dos contratos, que precisarão ser reequilibrados a fim de amortecer o custo da provável ampliação de famílias subsidiadas em todo o país.

Essa proposta estará na minuta da NR (Norma de Referência) sobre a estrutura tarifária do setor, que só se tornará pública em 23 maio, quando vai a consulta pública. A expectativa é de que a resolução esteja aprovada entre setembro e outubro.

Se esse for o modelo adotado, a NR deve sugerir que, ao implementar a tarifa social por fases, o contrato dos prestadores seja reequilibrado pelo acionamento de gatilhos, com tal previsão firmada entre a agência reguladora infranacional e a empresa previamente.

Ou seja, cumprida uma espécie de meta parcial de usuários cadastrados para a tarifa social, o contrato é ajustado pela reguladora local. E assim sucessivamente até que todas as unidades consumidoras que têm direito sejam contempladas. Esse ciclo deverá estar completo até junho de 2026, prazo dado pela lei da tarifa social sancionada no ano passado.

Pela NR da ANA, esse prazo valerá tanto para quem precisa implementar o benefício do zero como para as empresas que deverão adaptar seu modelo à nova legislação.

Diluição do impacto
Os detalhes foram explicados à Agência iNFRA pelo coordenador de Regulação Tarifária na Superintendência de Regulação de Saneamento Básico da ANA, Renê Gontijo. Segundo ele, a possibilidade de implementação faseada busca diluir no tempo o impacto da recomposição dos contratos, que poderá ser feito, por exemplo, por reajuste tarifário. Já o reequilíbrio acionado por gatilhos visa adequar a mudança do contrato à aplicação efetiva da tarifa social – e não apenas estimada.

“Você firmou o reequilíbrio e, por exemplo, o impacto tarifário será 15% em três etapas. Aí o gatilho de cada 5% vai sendo efetivado à medida que você cumpre a meta de cadastramento”, exemplificou o técnico.

Em contribuições à ANA, a Abcon Sindcon (Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto) pediu que a NR defina que a tarifa social somente seja instituída após a disponibilização dos dados do CadÚnico e do prévio reequilíbrio.

Já na avaliação da ANA, pelo modelo que virá na minuta, as empresas vão se beneficiar pela possibilidade da implementação paulatina. A ideia é que, ao adotar o formato faseado, a tarifa social atenda num primeiro momento regiões com maior vulnerabilidade socioeconômica. “Você não necessariamente precisa implementar de uma única vez a modalidade para todos os elegíveis”, pontuou Gontijo.

Desconto de 50%
A tarifa social é um desconto de 50% concedido a usuários com renda per capita de até meio salário mínimo que se enquadram em critérios como pertencer a família inscrita no CadÚnico. O detalhamento está na lei sancionada em junho do ano passado.

Já a atribuição da ANA para produzir diretrizes regulatórias ao setor foi dada pelo Marco do Saneamento de 2020. A adoção das normas não é obrigatória, já que o serviço é subnacional, mas há um arcabouço de incentivos para as reguladoras e as empresas seguirem as NRs. Além disso, no caso da tarifa social, a lei de 2024 deu um endosso importante à agência federal ao prever que o benefício observará as diretrizes da ANA.

A NR da estrutura tarifária e tarifa social é uma das mais aguardadas pelo setor, o que gerou um intenso debate durante a elaboração da minuta que irá para consulta. A apreensão está relacionada ao impacto que a ampliação da tarifa social pode produzir nos contratos, já que há regiões em que o potencial de elegíveis pode chegar a 50% da população. O índice não necessariamente se traduz em casas que terão desconto, mas sinaliza um percentual relevante.

A NR também vai contar com uma seção específica para esclarecer a responsabilidade de cada ator quanto aos dados do CadÚnico, organização demandada pelo mercado.

Parcela fixa e excedente
Outro direcionamento importante que será dado diz respeito à forma de aplicação do desconto de 50%. A lei é clara em prevê-lo na parcela de cobrança volumétrica dos primeiros 15 m³ usados, mas deixa margem para a redução ou não no que excede esse volume e sobre a parcela fixa.

Por isso, a NR vai sugerir que a agência local decida sobre esses descontos adicionais com base em critérios como a realidade socioeconômica da região e o impacto tarifário gerado. Gontijo cita casas de baixa renda com núcleos muito numerosos, que em função do maior uso da água podem ser prejudicadas se a tarifa social incidir apenas em 15 m³.

Mais em ponto de atenção é a estrutura tarifária geral que será sugerida pela ANA. Embora a agência já tenha explicitado que prefere o modelo binômio de parcela fixa mais parcela volumétrica, não deve haver vedação para o uso da parcela de cobrança mínima no lugar da fixa – com adição, sempre, do componente volumétrico.

No método de consumo mínimo, hoje mais usado no Brasil, uma tarifa mínima é cobrada do usuário ainda que seu uso efetivo tenha se mostrado inferior ao limite estabelecido para o piso de consumo, em geral equivalente a 10 m³. Já o modelo de tarifa fixa prevê cobrança que não depende do volume consumido, somada a parcela variável por uso efetivo.

“Esse modelo é amplamente considerado mais equitativo, pois cada usuário paga pelo que consome”, disse a ANA em nota técnica de dezembro. Na apresentação do voto sobre a minuta da NR no último dia 13, a diretora Ana Carolina Argolo citou proposta para que as empresas tenham um plano de transição ao modelo onde a parcela fixa não tenha consumo mínimo.

Disponibilidade
A NR ainda deve abordar outro ponto importante para o setor: a tarifa de disponibilidade. Segundo o coordenador na ANA, a resolução detalha critérios e condições para essa cobrança, devida em edificações permanentes com rede disponível e conexão factível e cuja unidade consumidora não esteja conectada.

A referência de valores será a da parcela fixa, podendo ser maior para incentivar a conexão pelos usuários. A ANA vai recomendar que o valor que exceder seja usado para custear a gratuidade da conexão ou até subsidiar a tarifa social.

Tags: