Roberto Rockmann*
A Medida Provisória 1.031, que provavelmente será aprovada na Câmara e sancionada sem vetos pela Presidência, poderá provocar efeitos de curto, médio e longo prazos no setor elétrico, de forma semelhante aos que a MP 579 criou quando transformada na Lei 12.783, em janeiro de 2013. O contexto da crise hídrica cria desafios para que a nova regulação não amplie riscos sistêmicos que já começam a surgir.
Estimativas de diversas entidades apontam que a tarifa deverá ficar mais cara com os jabutis inseridos no texto final. Há estimativas que variam de 5% a 20%. Isso coincide com a crise hídrica, que já tende a encarecer a fatura. O acionamento de todas as térmicas até o fim do ano, podendo se estender até o fim de abril de 2022, pressiona o sistema de bandeiras e os ESS (Encargos de Serviços do Sistema), que poderão chegar a R$ 20 bilhões neste ano.
Para fugir do cenário atual, grandes consumidores devem continuar buscando autoprodução, enquanto empresas menores e consumidores pessoas físicas deverão ir atrás da geração distribuída solar. A discussão sobre o novo marco regulatório da GD solar deverá se tornar mais acirrada. Os lobbies, no entanto, não focam o principal: o desenho tarifário não funciona mais, por estar baseado em um padrão de consumo constante, com tarifas por reais a MWh. Hoje os perfis de consumo são muito mais variáveis.
Poucas horas após a MP 1.031 apontar a chegada do mercado livre para a baixa tensão em 2026, a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) abriu uma consulta pública de análise regulatória das medidas necessárias para abertura total do mercado de energia. As contribuições deverão ser dadas até 17 de agosto. Deverá ser mais uma queda de braço no setor. Quando o bolso está curto, as forças se acirram.
A liberdade é o trunfo que o governo acena para a redução das contas de luz. Mas muitos especialistas têm dúvidas diante de um cenário bastante complexo. O avanço da GD solar e a ampliação do ambiente de livre negociação podem pressionar no médio prazo o caixa das distribuidoras, que desde 2020 recebem recursos da Conta-Covid. A crise hídrica traz a ameaça de desabastecimento, o que poderá implicar campanhas de racionalização do consumo. Isso pode pressionar mais o caixa das distribuidoras, a ponta coletora do sistema.
O cenário se agrava por um bilionário detalhe: desde o racionamento de 2001, as garantias físicas das hidrelétricas estão superdimensionadas. Se as hidrelétricas geram menos e as térmicas mais, independentemente de crise hídrica, a novela do GSF, o chamado risco hidrológico, volta a sair dos bastidores. “Mesmo se a dona Maria puder ir para o mercado livre, vai ainda sobrar uma conta para todo mundo pagar no final. Pode ser o projeto de liberação de mercado mais caro da história”, diz um empresário que acompanha o setor há mais de 20 anos.