Dimmi Amora, da Agência iNFRA
A aprovação do relatório do projeto do BR do Mar (PL 4.199/2020) na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado na quarta-feira (21) ocorreu sob críticas à proposta do governo, lideradas pela senadora Kátia Abreu (PP-TO), que disse que seguirá tentando alterar a proposta que foi aprovada na comissão.
O relator, senador Nelsinho Trad (PSD-MS), acatou várias emendas que alteraram o projeto aprovado no fim do ano passado pela Câmara dos Deputados para conseguir levar a proposta adiante na comissão, ressaltando mais uma vez não ter sido uma tarefa simples.
Conforme a Agência iNFRA antecipou na última sexta-feira (17), Trad acatou, após o relatório apresentado na terça-feira da semana passada, emenda da senadora Abreu para restringir a possibilidade de uso de navios estrangeiros afretados no programa para bloquear o aluguel de outros navios estrangeiros e modificações nas regras do Adicional de Frete da Marinha Mercante.
A intenção do governo é levar a proposta agora ao plenário, e o líder, senador Fernando Bezerra (MDB-PE), já encaminhou requerimento para isso. No entanto, após a aprovação na CAE, o projeto seguiu sua tramitação prevista e agora está na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado. A previsão oficial é que ele ainda passe por outras duas comissões.
É nessas comissões que a senadora Abreu, que já fez outras críticas ao projeto, disse que vai continuar tentando mudar a proposta que ela considera que vai “concentrar e piorar ainda mais” a cabotagem brasileira. Um dos objetivos declarados da proposta do governo é ampliar a cabotagem, informando números de que se poderia dobrar a quantidade de carga transportada por esse modo.
Abreu fez em seu discurso uma pormenorizada interpretação do BR do Mar que, em síntese, informa que a proposta tenta recuperar regras que a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) tentou impor ao mercado de cabotagem com a Resolução Normativa 1/2015. Nessa resolução, a agência criava regras para restringir o uso de navios estrangeiros afretados a tempo (sem bandeira nacional).
A RN 1/2015 acabou tendo essas regras suspensas pelo TCU (Tribunal de Contas da União), que disse no Acórdão 1.630/2020 que elas extrapolavam o papel de regulador da ANTAQ e eram ilegais. Abreu também citou notas técnicas do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), com o BR do Mar já apresentado, que indicavam que as regras da proposta eram concentradoras de mercado.
“[A proposta] favorece as empresa de grande porte e contribui para acentuar a concentração de mercado”, disse Abreu, citando que sete companhias controladas por estrangeiros concentram 95% da cabotagem nacional, enquanto outras 40 têm apenas 5%. “Se a gente não cuidar, em breve não vão ter nem 1%.”
“Uberização”
Abreu elogiou o trabalho de Trad, dizendo que ele tornou a proposta menos concentradora ao aceitar suas emendas que alteram a proposta do governo de ampliar as possibilidades de empresas impedirem o frete de mercadorias nos navios estrangeiros afretados a tempo.
A senadora denunciou, sem apresentar casos específicos, uma prática anticoncorrencial, informando que empresas de grande porte bloqueiam os fretes de empresas menores e, posteriormente, vão aos clientes das pequenas para oferecer o frete por preço mais baixo.
O discurso da senadora foi escutado com atenção por vários senadores que concordaram com as posições dela. Esperidião Amin (PP-SC) questionou por que é necessário ter navios nacionais de propriedade para fazer cabotagem, citando a tendência de “uberização” dos serviços em todo o mundo, classificando a prática de patrimonialismo.
Respeitar o mandato
Trad lembrou ao fim da sessão que é necessário respeitar as posições da senadora, lembrando que ela fez quatro propostas anteriores sobre o tema e “sabe como poucos” debater com conteúdo a questão, mas que seu relatório será um grande avanço, garantindo que vai defender as emendas que acatou.
“Todas as emendas acatadas terão defesa intransigente minha. Fiz isso com convicção. O jogo da composição de um projeto complexo é esse aí. Ninguém é dono da verdade sozinho. Há que se respeitar aquele que tem instituído pelo voto democrático popular o mandato e que estudou o assunto. E há que se considerar as questões inerentes de cada região”, afirmou Trad.
Solução estruturante
O diretor do Departamento de Navegação e Hidrovias do Ministério da Infraestrutura, Dino Antunes, afirmou à Agência iNFRA que a nota técnica do Cade é afirmativa em dizer que o BR do Mar, analisado de forma geral, é um projeto que amplia a concorrência e não reduz.
Segundo ele, os críticos da proposta tentam reduzir a um tema um projeto que foi pensado para ampliar a concorrência, mas também garantir estabilidade no mercado de frete no longo prazo, com incentivos para que as empresas possam formar frota com embarcações próprias, lembrando que países como EUA, Japão e China e a União Europeia têm sistemas mais fechados na cabotagem.
Defesa do debate
Em nota, André de Seixas, presidente da Logística Brasil, entidade que defende visão semelhante à da senadora Kátia Abreu sobre a proposta, disse que a associação defende que o projeto tramite pelas comissões conforme a atual deliberação da mesa para se evitar que as emendas aprovadas na CAE possam ser “tratoradas” na votação dos destaques, se ele for levado diretamente ao plenário, como propôs o líder do governo.