Nestor Rabello, da Agência iNFRA
Os dois principais candidatos à presidência da Câmara dos Deputados apoiam uma agenda reformista na economia, mas contam com perfis diferentes, que farão a diferença a partir de fevereiro. Enquanto Arthur Lira (PP-AL) – que conta com suporte do governo – é líder da ala mais fisiológica do Parlamento, Baleia Rossi (MDB-SP) é considerado um liberal por convicção, mas que conta com o apoio da esquerda para se eleger.
A eleição para o comando da Câmara é fundamental para a agenda de interesse do governo, uma vez que o comandante da Casa possui o poder de determinar o que será pautado e votado pelos deputados.
A Agência iNFRA conversou com deputados e cientistas políticos para saber como os projetos de infraestrutura, sobretudo do setor elétrico, devem ser afetados com a eleição de cada um desses candidatos.
Rossi: liberal convicto
Presidente nacional do MDB, Baleia Rossi conta com o apoio do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para a sua sucessão. Tem uma visão econômica liberal, segundo seus pares, e mais alinhada às ideias da equipe econômica que seu adversário alagoano. Isso não quer dizer que o governo terá facilidade em aprovar seus projetos de interesse caso Baleia Rossi seja eleito o presidente da Casa.
Para o cientista político da Vector Relações Governamentais, Leonardo Barreto, Rossi deve adotar uma relação de independência em relação ao governo, além de fazer eventuais acenos à esquerda, o que se traduziria em negociações mais complicadas em torno da agenda prioritária.
“Se o Baleia vencer [as eleições], você até tem uma convergência na agenda econômica, mas será necessário fazer mais negociações e concessões”, aponta o cientista político. “A agenda de Rossi não necessariamente será divergente [do governo], tem tudo para convergir, mas ela terá que ser mais negociada e terá de contemplar algo da esquerda”, aponta.
Nesse sentido, o especialista aponta que marcos regulatórios – como a Nova Lei do Gás (PL 4.476/2020) e o Código Brasileiro de Energia – terão destaque em uma gestão de Rossi, mas a pauta de privatizações, como os projetos que tratam da Eletrobras (PLs 5.877/2019 e 9.463/2018), deverá ficar em segundo plano.
“Rossi vai tentar atender às esquerdas em algumas coisas. Não será em relação ao impeachment, por exemplo, mas manter as privatizações fora do radar e, talvez, ser favorável a uma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] ou outra”, diz.
Avaliação similar tem o líder do Novo, Paulo Ganime (RJ): “É difícil avaliar. O candidato [Baleia Rossi] é do grupo do Rodrigo Maia. Tem uma visão um pouco mais liberal e pautada de infraestrutura, como a Lei do Gás, mas tem o compromisso com a esquerda de não pautar as privatizações. É um pouco dúbio”, aponta o deputado.
Exemplo da convicção de Baleia Rossi no campo econômico, de acordo com atores da política, é seu esforço em relação à reforma tributária. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 45/2019, que trata do tema, é de sua autoria.
Lira é incógnita
Em seu terceiro mandato como deputado federal, o alagoano Arthur Lira conquistou o comando do bloco conhecido como Centrão – que inclui legendas como o PSD, Republicanos, Avante, entre outras – e é considerado o candidato que deve melhor acomodar a tramitação de projetos econômicos do governo.
É esse pragmatismo que coloca em dúvida a fidelidade do deputado à pauta liberal. Diferente de seu adversário, há dúvidas sobre até onde vai o seu apoio à pauta idealizada pela equipe econômica do governo, de viés liberal e favorável ao mercado.
“Há políticos que têm um país na cabeça, convicções econômicas e uma ideia de como o país deve funcionar, como o próprio Baleia Rossi, e políticos ‘bons de jogo’, como o Lira – é um expert no jogo [político], mas não é necessariamente um político com convicções liberais”, aponta o cientista Leonardo Barreto.
Visão similar tem o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP). Ele acredita que a fidelidade do deputado é centrada na figura do presidente Jair Bolsonaro, e não ao que defende ao time de economia do governo.
“O vínculo do Lira é mais centrado no presidente Jair Bolsonaro. O Baleia tem mais identidade com a equipe econômica que o Lira”, diz o deputado paulista.
“O próprio candidato [Lira] não é tão liberal. Ele joga de acordo com o jogo e não sei até quando vai haver esse compromisso dele com o governo. Uma coisa é o candidato hoje, outra coisa é quando ele estiver com a caneta na mão e na cadeira [de presidente]”, complementa Ganime.
Diferente de Rossi, o deputado alagoano não tem uma bandeira na agenda econômica para chamar de sua. Projetos de lei de sua autoria – sem contar aqueles em que assina junto de outros deputados – abrangem temas como direito do consumidor, denunciação caluniosa e de gratuidade de transportes coletivos.
Perfil mudará negociações
A avaliação geral é que a tramitação dos marcos regulatórios do setor não sofra dificuldades ligadas ao próximo presidente da Câmara, seja ele qual for, como aponta o deputado Jardim.
“Os dois candidatos se comprometeram com reformas – acho que isso virá – e com a pauta de infraestrutura. Pelo menos, formalmente, já declararam vínculo com relação a isso”, ressalta.
No entanto, as negociações a depender de quem sair vitorioso nas eleições será muito diferente para o governo. Será mais fácil para o governo negociar com Lira, mas também a um custo político alto, caso seja necessário votar medidas econômicas mais duras, aponta Leonardo Barreto.
“Eu acho que no caso do Lira, ele fará um trade offnegociando algum nível de retomada do auxílio emergencial, por uma agenda fiscal conduzida pelo Ministério da Economia […]. Para deixar o Congresso confortável para votar uma agenda dura, muitas vezes é preciso dar um agrado para a base [aliada]”, aponta.
Já o deputado da oposição Júlio Delgado (PSB-MG) considera que os dois candidatos terão atuação similar em relação à agenda econômica do governo, apesar de representarem blocos parlamentares diferentes.
“Nenhum dos dois vai deixar de colocar a pauta. Arthur Lira e Baleia Rossi são do governo, de certa forma – um mais, outro menos. Mas têm a mesma origem, não vão querer abandonar o governo”, disse o deputado.