Dimmi Amora, da Agência iNFRA
Uma concertação entre agentes públicos locais e uma empresa privada, aliada a experiências locais no desenvolvimento do saneamento básico na região Norte, vai proporcionar um investimento em tempo recorde para levar a primeira cidade na região a cumprir as metas de universalização do setor em 2025, oito anos antes do que determina a lei.
Essa é a proposta que a prefeitura de Barcarena, cidade de 130 mil habitantes na região metropolitana de Belém (PA), e a Aegea, que detém a concessão do saneamento da cidade desde 2010, estão apresentando para fazer com que a cidade saia dos atuais 82% de atendimento de água para os 99% e dos 33% de atendimento de esgoto para 90% antes da realização da COP30, evento que ocorre em 2025 na capital do estado.
A Agência iNFRA conversou com o vice-presidente da Aegea, Renato Medicis, para entender como será possível cumprir uma promessa ambiciosa de, em pouco mais de um ano, levar esgotamento a toda uma cidade de porte médio para uma região onde o saneamento encontra dificuldades inerentes, seja pela baixa renda da população, seja pelas dificuldades em chegar com rede de água e esgoto a todas as habitações, muitas isoladas e em regiões de difícil acesso.
“A gente já mostrou que é possível. Quando assumimos Barcarena em 2014, a cidade mal tinha 30% de água e chegamos a 80%. Esgotamento tinham poucas redes sem tratamento”, lembrou Medicis que foi presidente da concessionária local, a Águas de São Francisco, antes de assumir o posto na diretoria da empresa que atualmente é a maior concessionária privada do Brasil, com atendimento a 500 municípios e 31 milhões de pessoas.
Segundo ele, uma aceleração tão grande nos investimentos só é possível devido a um desejo coletivo da comunidade local, que trabalhou numa concertação para chegar ao modelo que viabiliza a antecipação das obras sem novos aportes de recursos para os investimentos de R$ 150 milhões que precisarão ser executados.
De acordo com Medicis, o projeto começou com uma consulta do prefeito da cidade, Renato Ogawa, que perguntou se seria possível antecipar as metas de universalização para antes da COP30. A empresa pediu algumas semanas para estudar e voltou com uma proposta.
Contou a favor de elaborar essa proposta o fato do contrato ter uma agência reguladora local que até hoje vem cumprindo o contrato e mantendo-o em equilíbrio, com o que Medicis chama de “estrutura sólida de regulação”. A participação de outros membros do poder local, como o Ministério Público, avaliando as propostas também deram força para que a negociação continuasse.
Equilíbrio econômico-financeiro
Para manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato sem aportes e sem onerar uma população que não teria condições de pagar mais pelo serviço, o vice-presidente conta que valeu a experiência prévia em concessões de saneamento da Aegea em várias cidades do país para apresentar as soluções.
A quantidade de residências com direito à Tarifa Social foi ampliada para quase 20% dos clientes, o que tira esses moradores do pagamento da tarifa normal (recebem 50% de desconto no valor). A outra inovação veio de uma ideia implantada em Manaus (AM), onde a Aegea tem a chamada Tarifa 10, que consiste no pagamento de R$ 10 por mês para famílias em alto grau de vulnerabilidade, o que atingirá quase duas mil famílias em Barcarena.
Com isso, foi possível um reajuste de R$ 0,33 por metro cúbico para as contas das faixas de consumo dos mais vulneráveis e de R$ 1,09 para as outras faixas, escalonada em dois anos, segundo dados da empresa.
“Se o saneamento fosse só levar obra para a população, talvez ele já tivesse resolvido. Não é só isso. A gente precisa ter um olhar além. Precisa fazer a população dar valor por algo que ela nunca teve para pagar por isso, numa tarifa que seja adequada àquela população”, disse Medicis.
Desafio de engenharia
A experiência regional também vai contar para outra etapa desafiadora do que o próprio Medicis chama de “projeto ousado” de executar as obras em um ano: encontrar empresas parceiras de engenharia. Segundo ele, os 10 anos de investimento na região fizeram a concessionária ter parceiros já prontos, mas será necessário chamar empresas de outras cidades que já trabalharam para a Aegea para complementar.
“Esse é um desafio que o setor como um todo vai viver nos próximos anos com toda essa massa de investimentos que tem que ser feita”, avaliou o vice-presidente.
As obras de expansão dos serviços de água compreendem a implantação de 100 quilômetros de novas redes de água tratada, dois novos poços profundos de captação de água e a ampliação das atuais estações de captação e tratamento.
Em relação ao serviço de esgoto, serão mais de 260 quilômetros de novas tubulações implantadas, além da construção de seis novas ETEs (Estações de Tratamento de Esgoto) e 33 estações elevatórias. A expectativa é que as obras gerem 500 empregos diretos e indiretos na região, que terão como prioridade a mão de obra local formada por uma academia da própria empresa.
“É possível”
Na região Norte, segundo dados do Trata Brasil, a média de tratamento de esgoto é a mais baixa do país. Apenas 12% da população tem acesso à coleta de esgoto. Quase metade da água potável produzida é desperdiçada. Se o projeto for bem sucedido, a empresa avalia que será a primeira cidade a cumprir com as metas de universalização nessa região.
“É desafiador a universalização até 2033. Na atual velocidade, a gente chega em 2070. Mas é possível fazer. [O projeto de Barcarena] tem um pouquinho do que a gente vem demonstrando que é possível”, disse. “Somando esforços, com planejamento correto e tendo empresa com capacidade financeira e técnica para executar, e de entender a cidade, a gente consegue encontrar uma solução”.