Crise na ANEEL leva a temor de empresas e reguladores de interferência em agências

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

A crise entre a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e o Ministério de Minas e Energia está criando temor a representantes de empresas e reguladores de que governo e Congresso possam fazer interferências nas agências reguladoras que reduzam a autonomia desses órgãos, o que vai ameaçar o aumento dos investimentos em infraestrutura nos próximos anos.

A avaliação entre agentes ouvidos pela Agência iNFRA é que a crise ganhou contornos políticos por causa do período eleitoral. Mas que, se houver uma escalada nas próximas semanas, propostas avaliadas como prejudiciais ao modelo de regulação podem ganhar força, entre elas mudanças no modelo de nomeação dos diretores, criação de órgãos para se sobrepor às agências, entre outros.

As crises com as agências vêm se repetindo a cada nova eleição. A última tinha sido em 2023, desta vez com o Congresso Nacional, que tentou aprovar uma legislação que tirava o poder das agências (emenda apresentada pelo deputado Danilo Forte, do União Brasil, à MP 1.154). Houve forte reação do setor privado ligado à infraestrutura, indicando claramente que o modelo de agências com independência é, na avaliação deles, mais adequado para atrair os investimentos privados em contratos de longo prazo.

Para Forte, o movimento para alteração na Lei Geral das Agências Reguladoras (Lei 13.848/2019) será forte, já que agora os governos federais, estaduais e municipais se juntaram ao Congresso Nacional na defesa de mudanças nas autarquias. O deputado está articulando um projeto de lei para aplicar mudanças na lei das agências. A tendência é que a matéria seja apresentada ainda na próxima semana, disseram fontes à Agência iNFRA. Leia reportagem sobre o tema na edição de hoje (18) do iNFRAEnergia.

A proposta do parlamentar em 2023 não avançou, mas os problemas entre governo e agência continuaram, especialmente em relação aos orçamentos, que vêm sendo seguidamente reduzidos, e com a remuneração dos servidores, que teve crescimento menor que o de outras carreiras de Estado, resultando em êxodo de pessoal. Com menos recursos e menos pessoal, mas com crescimento das obrigações com o mercado regulado, esses agentes apontam que as chances de problemas ocorrerem aumentam.

Venilton Tadini, presidente-executivo da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), que reúne empresas de diferentes setores, diz que a ANEEL é um dos exemplos em que tem havido enfraquecimento da agência com redução de pessoal e de orçamento e ampliação das atribuições. Segundo ele, sem os investimentos, não adianta reclamar depois que os problemas ocorrerem.

“Você deixa a agência em fragilidade e depois vem dizer que ela tem que sofrer intervenção? Isso joga o programa de investimentos por terra, gera crise de confiança e insegurança jurídica”, afirmou o presidente-executivo.

Tadini também rebate os argumentos de que as agências precisariam de alguma espécie de supervisão, o que segundo ele já é feito por diferentes órgãos de Estado, citando o Ministério Público, o TCU (Tribunal de Contas da União) e a CGU (Controladoria Geral da União), que impõem limites de atuação e controles rigorosos sobre todos os atos das diretorias e dos servidores.

“É uma questão que não se coloca. A agência está ligada a todo tipo de controle. A não ser que esses órgãos não funcionem, não tem que ter outro para as agências”, aponta Tadini. “Se em qualquer dúvida o governo pode, à sua conveniência, mudar a diretoria, que vai mudar o que está pactuado, aí nós vamos para o faroeste e fica difícil ter um programa de investimentos privados para o país.”

Marco Aurélio Barcelos, diretor-presidente da Melhores Rodovias do Brasil – ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), diz que os governos têm instrumentos para cobrar e fiscalizar atos de alguma agência que possam estar levando a problemas para um setor. Mas que um problema pontual em uma agência não pode justificar medidas que interfiram em todas.

“Estamos preocupados com os rumos que essas conversas estão tomando. Não dá para retroceder na agenda regulatória e achar que as agências viraram a grande vilã. Não dá para achar que está tudo ruim, porque não está”, disse o representante das concessionárias de rodovias.

“Tragédia” com mandatos coincidentes
Barcelos lembrou ainda que o TCU faz medições sobre a evolução do nível de governança de todas as agências e indica quais as que estão evoluindo e quais chegaram a estágios mais avançados para a gestão dos contratos. Ele cita que a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), que regula o setor, evoluiu muito nessas avaliações ao longo do tempo, mostrando que o modelo precisa ser incentivado.

“A agência não está do lado do governo, do concessionário. E nem sempre vai tomar decisões bem quistas pelos usuários. Ela está do lado de quem? Ela está do lado da segurança jurídica e isso é fundamental”, defendeu Barcelos.

Entre agentes reguladores e empresas que falaram sob a condição de anonimato, a ideia apresentada em reunião na Presidência da República de fazer mandatos de diretores coincidentes com os dos governantes é considerada uma tragédia em termos de regulação para os setores.

O modelo aprovado na lei de 2019 que alterou a antiga lei das agências foi em caminho oposto, criando os mandatos não coincidentes entre diretores com a intenção de que com trocas de diretores não levassem a mudanças bruscas na regulação setorial.

Mudanças com regras
A confiança do setor privado de que a regulação dos contratos de parceria para prestação de serviços públicos será estável e que mudanças vão ser feitas a partir de processos pré-estabelecidos, precedidos de instrumentos como AIR (Análise de Impacto Regulatório) e consultas públicas, é elemento crucial para a tomada de decisão de investimentos, na avaliação de Fábio Rogério Carvalho, diretor-presidente da ABR (Aeroportos Brasil), que reúne os concessionários privados de aeroportos do país.

“Qualquer retrocesso da independência das agências reguladoras e não reconhecimento de que os contratos de concessão são melhor geridos por entes de estado, e não por entes de governo, sempre preocupa muito qualquer setor de infraestrutura”, disse Carvalho.

Para ele, os investidores em contratos de longo prazo vão sempre preferir lidar com agências na regulação a ter a supervisão diretamente ligada aos ministérios, que terão naturalmente maior volatilidade na ocupação dos cargos e maior tendência a tomar decisões que resultem em impactos de curto prazo nos contratos.

“O setor regulado prefere ser fiscalizado, regulado e acompanhado pelas agências reguladoras, porque a interferência política sempre vai ser menor. A necessidade de manter o contrato, de olhar para segurança jurídica, ganha uma tônica muito diferente de quando isso é realizado por órgãos de governo”, disse Carvalho, que foi servidor e diretor da ANTT.

Novos diretores
Outra preocupação dos agentes é que a crise atual impacte nas nomeações dos cargos em diretoria que estão ou serão abertos nos próximos meses. Barcelos, da ABCR, diz que é essencial que as novas nomeações não possam ser impactadas por decisões políticas e que sejam mantidos os critérios previstos para nomeação no novo marco das agências.

“O mercado vai estar atentíssimo às pessoas que serão apontadas como novos diretores. Elas têm que preencher os requisitos técnicos, ter capacidade de regulação, que estão previstos na lei. E não atender a esse ou aquele setor, essa ou aquela pessoa. Isso não funciona”, disse Barcelos.

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