13/06/2025 | 15h00  •  Atualização: 16/06/2025 | 11h19

Empresas reagem a fim de isenção em debêntures e preveem crédito mais caro

Amanda Pupo, da Agência iNFRA

A medida provisória do governo que põe fim à isenção de IR (Imposto de Renda) no investimento feito por pessoa física em debêntures incentivadas gerou uma nova onda de preocupação sobre o encarecimento do financiamento do setor de infraestrutura. Nos últimos anos, o título ganhou espaço na capitalização desse mercado, devido ao aumento de projetos com participação da iniciativa privada e ao patamar alto dos juros –situação mais recente agravada pelo ciclo de aperto da Selic, hoje em 14,75% ao ano. 

A reação do setor e de parlamentares, após a edição da MP (Medida Provisória) 1.303 na noite de quarta-feira (11), já projeta que o governo pode ter dificuldades para aprovar a medida conforme foi enviada. No caso das debêntures incentivadas, a isenção ao investidor pessoa física, mecanismo que visa incentivar esse tipo de funding, só será válida para títulos emitidos e integralizados até o final deste ano. A partir de 2026, haverá tributação de 5%. A mesma alíquota valerá para outros instrumentos que são isentos atualmente, como a LCA (Letra de Crédito do Agronegócio) e a LCI (Letra de Crédito Imobiliário). 

No saneamento, a avaliação das concessionárias é de que a mudança retrai a atratividade dos projetos e pode afetar os próximos leilões. Dados levantados pela Abcon (Associação das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto) para a Agência iNFRA mostram que, em 45% dos certames realizados desde 2020, as concessionárias acessaram o mercado de capitais por meio de debêntures incentivadas. Isso representa 26 dos 58 leilões já concluídos. 

O saneamento tem uma das maiores demandas de investimento no curto prazo pelas obrigações previstas no marco legal de 2020, que prevê a universalização dos serviços até 2033. Desde a aprovação da lei, o setor emitiu debêntures para 52 projetos, totalizando R$ 60,2 bilhões, um crescimento de 1.444% na comparação entre o que foi emitido entre 2015 e 2020. Estima-se que sejam necessários aproximadamente R$ 900 bilhões em recursos para o país atingir a universalização. 

“Do total de R$ 60,2 bilhões emitidos em debêntures no período, R$ 50,4 bilhões – ou 84% – foram destinados a novos projetos estruturados após o novo marco legal, consolidando esse instrumento como eixo do financiamento da nova fase do setor”, informou a Abcon à Agência iNFRA. Ainda segundo a entidade, nas operações que contaram com debêntures, a emissão representou 32,4% do total de investimentos ou outorgas contratadas. 

A importância das debêntures incentivadas ganhou mais peso ainda depois que o governo flexibilizou a regra que limitava o uso desses recursos para pagamento de outorgas – agora permitido em até 70% do valor total. “A medida pode comprometer os próximos leilões de saneamento, na medida em que as debêntures têm sido uma das principais fontes de financiamento do setor”, afirmou a diretora-executiva da Abcon, Christianne Dias. 

O leilão de saneamento marcado para a próxima terça-feira (17) pode ser um termômetro inicial de como a mudança afetará ou não a agressividade na disputa por ativos. O certame é de duas PPPs (Parcerias Público-Privadas) de esgoto da Cesan (Companhia Espírito-Santense de Saneamento) e vence quem oferecer o maior desconto sobre os pagamentos da estatal às concessionárias. 

Distorção x crédito caro
No Ministério da Fazenda, a avaliação é de que o ajuste na tributação não terá um impacto relevante no financiamento do setor porque a vantagem competitiva do título continuará forte em relação a outros instrumentos. Se nas letras incentivadas a alíquota do IR passará a ser de 5%, o tributo que será pago em aplicações financeiras vai subir a 17,5% com a MP. 

Um integrante da equipe econômica ouvido reservadamente pela Agência iNFRA argumentou que, para o investidor, o que interessa é essa diferença, e não a isenção em si. Além disso, para além da necessidade de arrecadação, a Fazenda ainda argumenta que as elevações nas alíquotas servem para corrigir uma distorção apontada por parte do próprio mercado financeiro. O volume de emissão de títulos isentos é tão grande atualmente que compete fortemente com os títulos do Tesouro e afetam a curva de juros por desincentivar a aquisição de papéis do governo, apontou essa fonte. 

“Função estrutural”
A argumentação da equipe econômica, contudo, pode não ser suficiente para segurar a alteração no Congresso, que já indica contrariedade com várias das medidas propostas. À Agência iNFRA, o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) disse ser a favor da revisão de alguns benefícios tributários, especialmente de setores que já se emanciparam, mas apontou ser um “erro estratégico” onerar o custo do capital ao rever o incentivo desses títulos.

“Isso tem uma função estrutural dentro da economia. É um custo gradativo, ele vai crescendo cumulativo e acabará se refletindo nos preços e, por consequência, gerando uma pressão inflacionária”, disse Jardim, que relatou o marco legal de PPPs e concessões na Câmara, tema que aguarda aval do Senado, e a lei que criou as debêntures de infraestrutura – a qual, diferentemente das incentivadas, dão isenção de IR ao emissor, não ao investidor. 

Reclamação de associações
A movimentação dos setores afetados também deve ser intensa no Congresso. Ontem, a Aliança para a Infraestrutura, que reúne sete entidades representantes de concessionárias, afirmou em carta aberta que a imposição dos novos tributos vai encarecer o crédito, reduzir a atratividade dos investimentos produtivos e inibir os projetos estruturantes necessários para o país. 

A ABDIB (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base) foi na mesma linha. Em nota, disse esperar que o Legislativo reveja as medidas para não interromper a trajetória crescente de investimentos privados em infraestrutura observada nos últimos anos. 

Dificuldade no futuro
A reclamação do setor se soma, ainda, a outra dificuldade já mapeada para investimentos em infraestrutura, além da elevada taxa de juros atual. Com o volume crescente de projetos que transferem ativos públicos à iniciativa privada, as concessionárias ampliaram muito o volume de recursos que precisam captar e têm cada vez menos margem para apresentar seu balanço como garantia em novos financiamentos. 

Embora o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tenha ampliado expressivamente os empréstimos na área, as operações ocorrem majoritariamente a taxas de mercado, ponto diretamente impactado pelo atual patamar da Selic. Antes da MP, já havia preocupação sobre se seria possível financiar todo o volume previsto para investimentos nos próximos anos nas regras existentes. 

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