Amanda Pupo e Dimmi Amora, da Agência iNFRA
O aumento da tributação das debêntures incentivadas gerou um temor nas empresas de que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) fique mais pressionado para financiar o mercado de infraestrutura e não tenha recurso suficiente para suportar a crescente demanda dos setores. A preocupação surgiu com o entendimento de que a captação via debêntures não terá mais uma vantagem relevante frente a linhas tradicionais de financiamento, como é o caso da Finem, do BNDES, que atende projetos voltados à geração e aumento de capacidade produtiva.
As mudanças na tributação desses papéis que hoje são o principal modelo de financiar investimentos de concessionárias de serviços públicos chegaram com a MP (Medida Provisória) 1.303/2025, que aumentou o imposto das debêntures incentivadas e de outros títulos. A partir do próximo ano, o investidor pessoa física perderá a isenção do imposto de renda na compra da debênture e passará a pagar uma alíquota de 5% sobre os rendimentos. Para além disso, a MP tem potencial de elevar de 15% para 25% a alíquota paga pelas empresas que compram esses títulos.
“O aumento do imposto sobre as debêntures incentivadas (de 15% para 25%) praticamente as equipara a linhas tradicionais de financiamento, como o FINEM do BNDES”, disse o diretor-presidente da ABCR (Melhores Rodovias do Brasil), Marco Aurélio Barcelos, para quem a situação pode levar a uma frustração de novas emissões e, por consequência, da arrecadação projetada pela Fazenda com o imposto maior sobre as debêntures.
“Acaba-se criando um cenário de maior dependência do mercado de infraestrutura junto ao BNDES. É claro que o banco tem sido crucial para a agenda de investimento em infraestrutura atualmente. Mas é imprescindível poder contar com múltiplas fontes para dar conta do financiamento da infraestrutura nacional”, avalia o diretor da entidade, uma das que têm apontado os impactos negativos da nova tributação.
No primeiro trimestre, praticamente 40% do crédito aprovado pelo BNDES já foi direcionado a projetos de infraestrutura. O volume de empréstimos avalizados ao setor nos primeiros três meses do ano avançou 100% ante o mesmo período de 2024, tendo sido aprovadas operações de R$ 13,2 bilhões no período.
No caso das debêntures, em 2024, cerca de R$ 20 bilhões foram levantados para financiar as obrigações de investimentos das concessionárias de rodovias. A ABCR lembra ainda que o volume seguirá “elevadíssimo” nos próximos anos para novos leilões, não só no setor rodoviário. A estimativa do mercado é que o volume de investimentos em infraestrutura neste ano seja recorde e chegue próximo dos R$ 300 bilhões.
“Debêntures desincentivadas”
Como já mostrou a Agência iNFRA, áreas do Executivo ligadas à infraestrutura ficaram insatisfeitas com a MP especialmente por se tratar de um momento em que o financiamento está mais desafiador pelo alto patamar dos juros, de 15% ao ano. No BNDES, o receio com os efeitos da MP é igualmente grande. Além de ficar com o funding mais pressionado, o banco é impactado porque atua fortemente na coordenação de ofertas públicas de debêntures.
Na quarta-feira (2), o CEO da Motiva (antiga CCR), Miguel Setas, disse que a mudança preocupa “muito” a empresa, que tem R$ 55 bilhões em investimentos projetados para os próximos anos, além da perspectiva de continuar crescendo com futuros leilões. O grupo hoje tem 37 ativos na carteira, localizados em 13 estados. Em evento com a presença de parlamentares, Setas afirmou que o setor irá “aplaudir” se houver uma reconsideração da medida. “As debêntures passarão a ser desincentivadas na prática”, afirmou.
Representantes do setor de infraestrutura estão se mobilizando em Brasília para tentar convencer o governo e o Congresso a mudarem a MP. A expectativa é de levar argumentos diretamente para o secretário especial da Receita, Robinson Barreirinhas, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, e o relator da medida, o deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
Os representantes do setor tentam mostrar que a MP gera incertezas para a agenda de infraestrutura e afetará a atratividade dos novos leilões, gerando propostas com menores descontos e tarifas maiores. Avaliam que as medidas podem afetar um dos poucos setores onde o governo pode apresentar bons resultados, para um volume de arrecadação que é estimado como de baixo impacto para a solução dos problemas fiscais.
Risco para futuros lançamentos
Recentemente, o superintendente jurídico da Abcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto), Felipe Cascaes, disse que a situação gerada pela MP deve diminuir o apetite das empresas nos próximos leilões, especialmente no valor de outorga ofertado. Já o CEO da MoveInfra, Ronei Glanzmann, afirmou que a medida é um “equívoco retumbante” e prejudica “bastante” a reputação do programa de concessões de infraestrutura do país.
Em carta elaborada pela ABCR, a entidade pontua que o problema não se restringe aos projetos futuros, mas às concessões em andamento, gerando insegurança para esses contratos, precificados com o modelo antigo de financiamento.
Como na infraestrutura os contratos são de longo prazo, as empresas podem ter um cronograma de emissão de debêntures diluído no tempo. Uma empresa pode ter autorização para emitir R$ 10 bilhões para um projeto, mas ter lançado até agora R$ 2 bilhões. O restante será levado ao mercado à medida que as obras precisarem de recursos.
Num caso assim, a estruturação do financiamento foi feita sob um cenário de tributação que vai mudar a partir do próximo ano, afetando as emissões futuras. Com isso, já se projeta que haverá questionamento judicial. A avaliação da entidade é que “serão criados passivos em contratos novos, num contexto em que governo e TCU têm se unido para limpar, de forma bem-sucedida, o histórico de ativos estressados”.