Alexandre Facciolla, da Agência iNFRA
Ao analisar 14 projetos de concessão de transportes terrestres – ferrovias e rodovias – do governo federal para a região da Amazônia Legal, pesquisadores do CPI (Climate Policy Initiative) encontraram três grandes lacunas: falta de transparência dos dados, indefinição das etapas dos projetos na fase de viabilidade e ausência de lei que obrigue a produção do EVTEA (Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental) antes do EIA (Estudo de Impacto Ambiental), o que impede a antecipação da análise de questões socioambientais para fases anteriores ao licenciamento ambiental.
O estudo “Viabilidade Ambiental de Infraestruturas de Transportes Terrestres na Amazônia”, realizado pelo CPI em conjunto com a PUC-Rio, examinou a regulamentação aplicável às concessões federais de ferrovias e de rodovias ao setor privado, especificamente as concessões de serviços públicos precedidas de obras. Os estudos estão disponíveis neste link. O resumo dos estudos, neste link.
Em nota, ao fim do texto, o Ministério da Infraestrutura informou que EVTEA e EIA são institutos diferentes e, portanto, podem ser feitos em paralelo, sem a necessidade que um anteceda o outro.
Ciclo de vida dos projetos
Um dos primeiros problemas reconhecidos pelos pesquisadores do CPI/PUC-Rio Joana Chiavari e Gabriel Cozendey ao analisarem a regulamentação aplicável às concessões federais de ferrovias e de rodovias escolhidas para o estudo foi a falta de clareza da sequência das etapas do ciclo de vida das concessões.
“O nosso ponto de partida foi olhar o que está regulamentado. Uma vez que olhamos todas as normas, ficaram muitas dúvidas”, afirmou Joana Chiavari à Agência iNFRA.
Segundo ela, a primeira surpresa foi identificar que a sequência das etapas não estava tão clara e os próprios pesquisadores delinearam um ciclo. A partir disso, a dupla montou um modelo de ciclo de vida dessas concessões, estruturado em três fases maiores – Planejamento, Viabilidade e Implementação.
Elas foram divididas, por sua vez, em 18 etapas menores. Foi principalmente na sequência da fase de viabilidade do ciclo das concessões desenhado pelos pesquisadores que ficaram patentes as principais lacunas ou falta de clareza na sequência dos 14 projetos analisados.
Riscos desnecessários
Para os pesquisadores, a falta de definição clara do ciclo de vida das operações e a escassez de informações, inclusive dos próprios documentos solicitados, trazem riscos, por exemplo, de que uma obra se mostre inviável ou com mais adaptações e gastos do que deveria ter antes do início das obras.
“Risco a gente sabe que não é bom para o financiador que tem que apoiar um projeto, por exemplo. Não é só do ponto de vista socioambiental, apesar de a gente estar olhando mais nessa perspectiva, mas o fato de não se conseguir quantificar tão bem esses riscos ou de não entendê-los tão bem, de não seguir o passo a passo, acaba gerando atrasos, dificuldade de financiamento, obras abandonadas”, analisou Joana.
Mesmo que 10 entre os 14 projetos mapeados pelo CPI tenham apresentado o EVTEA, nenhum deles teve o documento aprovado – ou têm disponível essa informação – pelas instituições responsáveis, de acordo com o trabalho. Joana reforça que essa falta de clareza representa um problema grave.
“A gente não consegue saber se não foi produzido, o que seria grave. Na maior parte dos casos não conseguimos responder essa informação”, apontou.
A implementação de uma obrigatoriedade de sequência de fases para as concessões de transporte terrestre, portanto, é uma das recomendações a que o estudo do CPI/PUC-Rio chega.
Qualidade da informação
A falta de transparência e de acessibilidade dos dados foi verificada em todas as três fases do ciclo de vida das concessões delineadas pelos pesquisadores. Mais da metade (57%) dos principais documentos e informações sobre concessões federais rodoviárias e ferroviárias na Amazônia não puderam ser encontrados, mesmo com o uso intensivo de LAI (Lei de Acesso à Informação) e outros dispositivos.
A falta de dados disponíveis sobre as três principais etapas – Planejamento, Viabilidade e Implementação – revela também outros problemas, como a qualidade dos dados.
No caso do EVTEA, por exemplo, a pesquisa mostra que nenhum dos 14 projetos avaliados têm ou disponibiliza um documento de aprovação para esses estudos – sendo que parte deles têm etapas mais avançadas já superadas, alguns até com a licença de operação (última fase) já concedida.
“A gente achou alguns EVTEAs. O que não encontramos foi atos de motivação desses EVTEAs”, detalhou Gabriel Cozendey.
E mesmo nos casos em que foi possível saber se o EVTEA foi feito, os órgãos procurados pelos cientistas responderam apenas se esses dados existiam ou não.
Projeto básico
Além do EVTEA, os pesquisadores não conseguiram ter acesso a nenhum dos estudos de engenharia – ou projeto básico/executivo. Para eles, é outro dos documentos que precisam ser entregues após o cumprimento da etapa do EVTEA, estabelecendo uma sequência lógica e de relação entre as etapas.
Cozendey explicou que o estudo demorou aproximadamente um ano e meio para ser produzido, devido a todas as dificuldades apontadas. Durante a fase de coleta e checagem de dados, os pesquisadores do CPI/PUC-Rio enfrentaram várias situações com informações contraditórias, repetidas ou mesmo inexistentes, dependendo da fonte em que procuravam os documentos e informações dos projetos na Amazônia Legal.
De acordo com a pesquisadora Chiavari, o estudo aponta também para uma desarticulação dos atores na área de concessões de transporte terrestre, com sobreposições de competências entre entes e páginas de internet de entes diferentes que falavam do mesmo projeto, mas com informações contraditórias. No entanto, eles avaliam que a própria pesquisa fez com que os órgãos passassem a se atentar mais a essas questões.
“Vimos esforços para melhorar isso. Desde que a gente começou a análise, vimos alterações no site do Ministério da Infraestrutura, que promoveu uma centralização das informações sobre as concessões [uma das sugestões do estudo]. Vimos um movimento de tentar, de alguma maneira, melhorar, incorporar”, afirmou Joana.
Posicionamento do ministério
Em nota, o Ministério da Infraestrutura informou ser importante esclarecer as diferenças entre EVTEA e EIA.
“O EVTEA consiste em um conjunto de estudos desenvolvidos para avaliação dos benefícios diretos e indiretos decorrentes dos investimentos em implantação de novas infraestruturas de transportes ou melhoramentos das já existentes. Já EIA são todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentado como subsídio para a análise da licença requerida e exigida para empreendimentos que causem impacto ambiental significativo”, informou a pasta.
A nota defende que EVTEA e EIA são institutos diferentes, “com objetivos e enfoques diferentes”, e que o “nível de detalhamento de certas informações é maior em um dos estudos do que no outro e vice-versa, de modo que os dois podem ser feitos em paralelo, sem necessidade de um anteceder o outro obrigatoriamente”.
Por isso, de acordo com a pasta, “Não é possível afirmar qual estudo deveria preceder o outro porque as informações que os compõem não são as mesmas”, lembrando que o EIA só seria aplicável a estudos que causem significativo impacto, enquanto o EVTEA é feito em todas as grandes obras.