Eric Brasil*, André Paiva** e Fábio Tieppo***
Em um país com claro déficit de infraestrutura, a assunção de um novo presidente sempre traz expectativas sobre possíveis avanços nesta área. Está previsto para o fim deste mês, por exemplo, o lançamento de um “novo PAC” que terá a missão de corrigir os problemas do programa original, destravar obras paralisadas, equacionar conflitos com a agenda verde, garantir investimento público de modo responsável e avançar no modelo de parcerias com a iniciativa privada por meio de mecanismos bem desenhados de compartilhamento de riscos.
O Governo Lula completa 100 dias e, para além do lançamento desse novo PAC, já é possível fazer um balanço das novidades e expectativas sobre o modelo de gestão do novo governo nos principais segmentos de infraestrutura.
Saneamento e resíduos
Em linha com o sinalizado no relatório da equipe de transição, o presidente assinou recentemente dois decretos que flexibilizam regras estabelecidas no Marco Legal do Saneamento de 2020.
O texto possibilita aos municípios e estatais regularizarem, até 2025, os contratos que já estavam irregulares, vencidos ou inexistentes e que, consequentemente, não poderiam contar com verbas federais para buscar a universalização.
Também no sentido de beneficiar a continuidade da operação por empresas públicas, foi determinado o fim do limite de 25% para a realização de PPPs (parcerias público-privadas) pelas estatais, o que lhes possibilita firmar uma PPP para viabilizar os investimentos necessários, enquanto mantêm o contrato com as prefeituras. Por sua vez, a permissão para que empresas estatais operem em microrregiões, regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas mediante autorização, portanto, sem licitação, reduz as oportunidades para o investimento privado.
As novas regras também trazem parâmetros para que a ANA (Agência Nacional de Águas) estabeleça normas de referência ao setor, limitando sua atuação ao papel de definir medidas mínimas para a padronização da prestação dos serviços sem distanciar-se das diretrizes apontadas pelo Governo Federal. Na prática, haverá uma restrição em sua autonomia e aumentará o risco de eventuais interferências políticas.
Por fim, prorrogou-se o prazo para a comprovação da capacidade econômico-financeira das prestadoras do serviço de saneamento até dezembro de 2023, inclusive com a possibilidade de substituição dos indicadores verificados nos últimos cinco anos por um plano de atendimento futuro. Essa mudança em critérios objetivos por um plano sem parâmetros claros preocupa, pois tem potencial impacto sobre a real capacidade de atingimento das metas de universalização.
Sem dúvidas, as alterações no setor de saneamento são as mais significativas até agora e possuem elevado potencial de impacto nas decisões dos stakeholders públicos e privados do setor.
Transporte e logística
Com a reorganização dos ministérios, a antiga pasta do Ministério da Infraestrutura foi dividida em Ministério dos Transportes – responsável por transportes terrestres, incluindo rodovias e ferrovias – e Ministério de Portos e Aeroportos.
As equipes de transição já haviam diagnosticado a grave falta de recursos no DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), não apenas para assumir novos gastos, mas também para cumprir obrigações já assumidas. Constantemente avaliada como precária e insuficiente, a manutenção das rodovias federais é vista como um fator de grande risco pelo mercado, trazendo desafios importantes para o novo programa de investimentos.
Diante desse cenário, o Ministério dos Transportes indicou reforço significativo no orçamento atual do DNIT, com um plano de ataque priorizando corredores de escoamento de grãos. No entanto, restrições na oferta de mão de obra e de insumos, em especial de cimento asfáltico, são elementos que podem limitar o agressivo plano de investimentos públicos para o setor.
O Ministério dos Transportes também sinalizou a intenção de repactuar contratos de concessão de rodovias atualmente em processo de devolução amigável, com vistas a destravar obras sem a necessidade de relicitação dos trechos concedidos.
Com relação às ferrovias, em movimento similar ao do saneamento, entrou na pauta a revisão do Marco das Ferrovias e foi criada a Secretaria de Transportes Ferroviários, mais uma vez com a antiga e recorrente promessa de expandir fortemente a participação dos trilhos na malha nacional. O objetivo é estruturar um programa de PPPs e uma política nacional de transporte ferroviário de passageiros, já sinalizada com o resgate do projeto de trem bala entre São Paulo e Rio de Janeiro, cujo pedido de construção foi aprovado pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).
A pasta de portos, por sua vez, está freando as privatizações e concessões de grandes ativos que foram programadas pelo governo anterior, revogando privatizações já em andamento e reforçando a velha insegurança política que assombra o investimento privado em infraestrutura no Brasil. Houve anúncio de renovação do convênio de delegação do Porto de Itajaí com a prefeitura por mais 35 anos e são estudadas alternativas à privatização do Porto de Santos.
Para o setor de aeroportos, foi publicada a meta ambiciosa de construir ao menos 100 novos aeroportos, acompanhada da criação de novas linhas para a ligação de regiões atualmente desconectadas, o que certamente deve ser visto com bons olhos. Construiu-se também um grupo de trabalho que deverá entregar recomendações relacionadas à infraestrutura dos aeroportos do Galeão e Santos Dumont.
Telecomunicações
O Ministério das Comunicações tem sinalizado sua prioridade em investir nas qualidades do 5G e do 4G e na conexão de escolas públicas, UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e áreas rurais. Tais projetos seriam viabilizados por meio de recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações).
O aumento da conectividade é uma necessidade gritante do país, com impacto direto em várias questões sociais e potencial para alavancar a produtividade de inúmeras atividades econômicas. Por isso, a inclusão digital e a democratização do acesso à internet são temas que precisam ter destaque no novo programa de investimentos.
Energia
O Governo Federal espera contratar R$ 9 bilhões em linhas de transmissão até o final de 2023. Há também expectativas quanto ao aumento da capacidade de subestações de energia, pois a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) aprovou edital cujo leilão deve ocorrer no fim do semestre, com previsão de investimentos totais de R$ 15,8 bilhões.
Foram ainda anunciados compromissos bilaterais na área de energia entre Brasil e Argentina, com a possibilidade de financiamento, via BNDES, do gasoduto Nestor Kirchner no país vizinho, o que, segundo expectativas dos dois governos, viabilizaria o abastecimento de gás natural ao Brasil a preços mais baixos. Por outro lado, a CCGNMP (Coalizão pela Competitividade do Gás Natural) defende o investimento em gasodutos e unidades de processamento em território nacional, tornando o país menos dependente de importações, uma vez que dispõe de grande quantidade de gás natural, embora longe dos consumidores industriais.
Expectativas
Tendo em vista a boa expectativa gerada durante a campanha eleitoral, uma parcela relevante do mercado tem demonstrado preocupação em relação ao início do atual governo, enxergando sinalizações de mudanças em marcos regulatórios que podem limitar a presença do setor privado e certa paralisia decisória que impacta a retomada de investimentos. Um dos aspectos que reforça essa visão é a ausência e a demora de nomeações para as equipes ministeriais de pastas relacionadas à infraestrutura, aliada às mudanças de última hora para atrair aliados para a base do governo.
O lançamento do novo plano de investimentos pode trazer uma mudança importante nessa sensação, mas é fundamental que desde o início fique claro como ele, de fato, não incorrerá nos mesmos erros e omissões do PAC.