Diogo Uehbe Lima* e Maria Luiza Antonaccio**
Regramento geral das adaptações no NMLF
O NMLF (Novo Marco Legal das Ferrovias), instituído pela Lei Federal nº 14.273/2021, trouxe uma série de inovações para o setor ferroviário, entre as quais se destaca a inserção do modelo de exploração de infraestrutura ferroviária sob regime de direito privado, por meio das autorizações.
A inovação tem como principal objetivo a simplificação do acesso à exploração do modal ferroviário, com o intuito de estimular novos investimentos no setor e a ampliação da malha federal, até então explorada somente por meio de concessões.
Nesse contexto, uma das preocupações do legislador foi justamente estabelecer algumas regras de transição para o novo modelo, buscando evitar que a outorga de autorizações e sua coexistência com as ferrovias exploradas por meio de contratos de concessão gerem um desequilíbrio concorrencial, afetando negativamente trechos em plena operação e economicamente sustentáveis
Além da análise de compatibilidade locacional, que evitará a concorrência ineficiente entre trechos ferroviários, o legislador também atuou para viabilizar a transição do regime público para o regime de direito privado por meio da adaptação das concessões ferroviárias preexistentes ao NMLF para o modelo das autorizações, conforme previsto no art. 64, caput.
A adaptação do contrato de concessão para o de autorização terá cabimento quando da entrada em operação de nova ferrovia explorada sob o regime de autorização federal outorgada a pessoa jurídica (i) concorrente, de forma a caracterizar a operação ferroviária em mercado logístico competitivo; ou (ii) integrante do mesmo grupo econômico da concessionária (empresas coligadas, controladas ou controladoras)1, de forma a expandir a extensão ou a capacidade ferroviária, no mesmo mercado relevante, em percentual não inferior a 50% (cinquenta por cento)2.
Na primeira hipótese, a preocupação do legislador foi evitar a competição entre agentes econômicos em condições desiguais, em função da assimetria regulatória existente entre os regimes de concessão (mais rígido e oneroso) e de autorização (mais flexível e menos oneroso).
Na segunda, o objetivo foi incentivar a expansão da malha ferroviária nacional por meio de investimentos a serem realizados pelas atuais concessionárias (ou seus grupos econômicos), que deverão promover a expansão de sua malha ou aumentar sua capacidade de transporte, trazendo como estímulo para tanto a possibilidade da adaptação – da concessão para a autorização – quando tal expansão ou aumento de capacidade se der em proporções significativas – iguais ou superiores a 50% (cinquenta por cento).
Especificamente quanto à possibilidade de adaptação por autorização outorgada a pessoa jurídica concorrente, o texto legal estabelece que esta ficará restrita aos trechos ferroviários em que haja efetiva contestabilidade, isto é, aqueles trechos da concessão que sejam concorrencialmente afetados pela nova ferrovia autorizada, o que será aferido por meio de análise de mercado relevante, sendo ouvida a Secretaria de Acompanhamento Econômico3.
É importante mencionar também que o NMLF ainda indica que a apreciação dos pedidos de adaptação deve ter a busca pela eficiência econômica como parâmetro primordial, remanescendo, no entanto, razoável espaço de discricionariedade técnica ao regulador na aferição de tal variável4.
A concessionária interessada na adaptação deverá atender a uma série de exigências5, assegurando-se, de outro lado, o direito de uso de todos os ativos de propriedade da União anteriormente vinculados ao contrato de concessão que sejam essenciais a sua operação.
Segundo disposto no NMLF, o prazo do contrato de autorização deve ser o mesmo da concessão originária, sendo facultada a prorrogação do prazo da autorização uma única vez, caso o contrato de concessão anterior já não tenha sido prorrogado de forma antecipada6.
De se destacar também que, havendo adaptação da concessão para o regime de autorização, fica mantida a reversibilidade dos bens imóveis vinculados à prestação do serviço. Já os bens móveis adquiridos após a adaptação, regra geral, não serão reversíveis ao Poder Público, ressalvado o disposto no art. 25, §5º, da Lei nº 13.448/20177.
Por fim, merece menção especial o veto presidencial aos dispositivos do NMLF que asseguravam o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão afetados que não fossem objeto de adaptação para o regime de autorização8 – os instrumentos apontados no texto vetado eram a redução do valor da outorga ou dos investimentos obrigatórios, e o aumento dos limites tarifários ou do prazo contratual.
Na mensagem de veto, sinaliza-se que tais dispositivos estabeleceriam um “direito aparentemente automático e inequívoco” ao reequilíbrio contratual, em favor das concessionárias, gerando um ônus direto para a União, que somente poderia ser evitado por iniciativa das próprias concessionárias, que poderiam optar ou não por requerer a adaptação9.
Da referida justificativa, extrai-se que a União não rejeita em absoluto – e nem poderia fazê-lo10 – a possibilidade de reequilíbrio das concessões afetadas, mas indica uma natural preferência pela adaptação dessas concessões para o regime de autorização, evitando-se com isso os ônus decorrentes do uso dos instrumentos de reequilíbrio contratual. O veto será apreciado pelo Congresso Nacional11.
Esse é, em linhas gerais, o regramento do instituto da adaptação. Sobre ele cabem algumas reflexões críticas, que apresentaremos na próxima semana, no segundo texto da série. Até lá.