iNFRADebate: Porto de São Sebastião vai desperdiçar mais uma oportunidade?

Frederico Bussinger*

“Deitado eternamente em berço esplêndido,
ao som do mar e à luz do céu profundo…”

[Hino nacional brasileiro]

“Nunca é tarde para se fazer o bem”
[Conselho da (minha) Vó Melo]

Será surpresa se o porto (público) de São Sebastião, caso leiloado, deixe de ter proponentes para sua desestatização (privatização). Mesmo com o modelo apresentado na Audiência Pública de 7/FEV/22. E, se o poder público se empenhar/garantir a viabilização dos acessos (como no Porto do Açu, um TUP, informado na AP), então…

Informação privilegiada? Indiretamente sim! Enquanto se desenvolvia o PIPC (Plano Integrado Porto-Cidade, EIA/RIMA protocolado em OUT/09), mais de 60 delegações visitaram o Porto; interessadas na parceria público-privada então prevista. Vários estrangeiros, incluindo armadores e operadores portuários líderes de mercado. Uma década se passou; mas será que o “mindset” dos principais “players” mudou tanto assim?

Premonição? Não! “As coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender…” (Paulinho da Viola). Especificamente, São Sebastião reúne dois pilares imprescindíveis a um porto relevante:

Condições náuticas favoráveis; por reunir 3 atributos raros de coexistirem: é abrigado; não-estuarino (menos dragagens!); e águas profundas (25m; mínimos!). E, como bônus, 2 entradas independentes. Contam-se nos dedos congêneres no Planeta. Aliás, há tempo: “Não se pode desejar melhor, nem mais tranqüilo ancoradouro que o canal de São Sebastião. Rodeado por terras muito elevadas os navios aí estão como em um tanque” (Manuel Pimentel – Cosmógrafo português – 1710). “… e dá bom surgidouro às embarcações por seu fundo vasoso, … e puderem sair a toda hora, tanto pela entrada do norte como pela do sul…” (sic) (Milliet de Saint-Adolphe – Dicionário do Império do Brasil – 1845).

Mercado: ele dista cerca de 100 km do Vale do Paraíba, que hospeda centros tecnológicos de excelência e tem parque industrial de ponta e diversificado: indústria vidreira (cliente tradicional do Porto), eletrônica, automobilística, ferroviária, aeronáutica, etc. É o 3º PIB entre as 15 regiões metropolitanas do Estado, renda per capita cerca do dobro da nacional, e participação destacada no comércio exterior brasileiro. Além disso, São José dos Campos dista 250 km do (rico) Sul Fluminense, 100 km da RM de São Paulo e 150 km da de Campinas; porta de acesso ao interior paulista. Ah! Sem a necessidade de cruzar a metrópole paulistana!

Qual então a dúvida sobre a vocação do porto externada na AP? Esse mercado foi estudado e quantificado, detalhadamente, ao menos 3 vezes na última década e meia (rodapé do Slide 4.1): forte em carga geral e contêineres. E em volumes expressivos: estimativas chegaram a 27 Mt/ano.

E o futuro?
A discussão, pois, não é se haverá ou não pretendentes. Mas, sim, o perfil e o porte: a) desses pretendentes; e b) do porto no futuro.

Numa Análise SWOT, qual o ponto fraco de São Sebastião? Área! Imaginou-se até 1,2 milhão de m2 (“pouco”, quando correlacionado ao seu potencial náutico). Mas, de recuo em recuo nas negociações, com esperança de se vir a contar com o beneplácito dos opositores (o que acabou não acontecendo), hoje já está em torno de 900 mil m2. E, como mencionado na AP, pode diminuir ainda mais.

E pior: até o uso dessa área, licenciada pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), está sub-judice: a LP nº 474, (DEZ/13) foi suspensa em JUL/14. Depois de 2 ½ anos parados na JF-Caraguatatuba, subiram para o TRF (4/OUT/21) os recursos de apelação: esse talvez seja o principal gargalo de qualquer expansão do Porto que extrapole as cargas ali consolidadas. Os competentes procuradores do PPI/MINFRA, que lograram cassar a liminar que impedia a realização da AP, em prazo tão curto, deverão ter novo desafio à frente: as elites econômica, acadêmica e da mídia, que desalojaram os caiçaras e “privatizaram” parte relevante do Litoral Norte, até agora bem sucedida na instrumentalização do ambientalismo e da mídia. E, se não vitoriosos, o eventual concessionário deverá ter as mesmas dificuldades que a Autoridade Portuária pública tem tido para levar adiante o projeto: para contêineres, em especial.

Papo reto: São Sebastião é bom de água, mas limitado em terra! Como, então, minimizar pontos fracos e afastar ameaças, a par de maximizar pontos fortes e aproveitar as oportunidades; passo seguinte à Análise SWOT?

Certamente não será com “puxadinhos” que se “chegará lá”; ideia embalada pela (simpática) bandeira/tese do “pé no chão”, defendida por alguns. Nem mesmo com a modelagem, no mínimo acanhada, apresentada na AP; que chegou a ser rotulada de “ridícula” por alguns, ante os parcos compromissos de investimentos e projeção de movimentação: menos de 1,0 Mt/ano em 2060  (Item 4.1). Sim; não faltam zeros não: (só) 1 Mt/ano!

Os representantes do Governo Federal foram felizes ao dizer que “o que garante emprego são investimentos…. e a atividade”: renda e tributos também; pode-se acrescentar. Mas o que esperar, se os compromissos são tão limitados? Por que investimentos, contratualmente garantidos, são anunciados para Itajaí (R$ 2,8 bilhões) e Santos (R$ 16 bilhões); mas para São Sebastião eles dependem (só) da estratégia do concessionário privado?

Há alternativa!
O Minfra (Ministério da Infraestrutura) foi sensível acatando proposta feita no Webinar da OAB (30/SET/20): acabou desmembrando os estudos de Santos e São Sebastião. Mas da outra proposta não se tem notícia, valendo resgatá-la nessa busca de se maximizar pontos fortes e aproveitar oportunidades que batem à porta: o porto-split. A melhor analogia é o ar-condicionado: antigamente esses aparelhos eram peças únicas; lembra-se? Os atuais “Split System” separam o evaporador (unidade interna) do condensador (externa).

No caso do Porto, em São Sebastião ficaria a “unidade aquaviária”, destinada a embarque, desembarque e armazenagem de “curta duração” (com pisca-pisca ligado, como em frente a farmácias!).

A “unidade terrestre” seria localizada no Vale do Paraíba; privilegiado em termos de infraestrutura logística: além das 3 rodovias que acessam o Litoral Norte (a Tamoios em processo de duplicação), há ainda 2 autoestradas no eixo SP-RJ, e outra que a liga a Campinas (e, daí com o interior). A ferrovia RJ-SP (MRS) corta o Vale do Paraíba praticamente em toda sua extensão. E está localizado em São José dos Campos, coração da RM, um aeroporto (ocioso) com pista de 3.200 m, capaz de receber aviões cargueiros de grande porte.

Enfim; condições privilegiadas para a implantação de uma mega Plataforma Logística tetra-modal, de forma a reduzir tempos e custos, e maximizar valores nos fluxos e operações. Ou seja: mercado e infraestrutura logística. Também área: além de 1,3 milhão de m2 do “complexo aeroportuário”, 2 outras glebas, com 7,0 e 7,9 milhões de m2, foram identificadas pelo Grupo Executivo Estado-Prefeitura, formalizado pelo Protocolo de Intenções de 3/JUL/09 (relatório final: 18/MAI/10).

Incidentalmente, o aeroporto e o porto estão em processos de concessão. O contrato da MRS está sendo renovado antecipadamente. Alguma dúvida que há sinergias entre essas infraestruturas?

Todos os 3 são processos em andamento: Porto e MRS conduzidos diretamente pelo Governo Federal. O aeroporto pela Prefeitura de SJC; mas por delegação da União (Convênio nº 25/20; 1º/DEZ/20). O que impede, pois, que os 3 processos sejam aglutinados e conduzidos unificadamente? Alguma dúvida que um tal arranjo potencializa os valores dos ativos e dos investimentos (sobre a hipótese de tratamentos individualizados)? Que, assim, o potencial de geração de emprego, renda e tributos na região seria ampliado?

Sim! Privados podem conceber e implementar um tal empreendimento. Mas, considerando-se: a) ser plano multifacetado; b) sua função (prá lá de) estratégica; e c) as dificuldades adicionais caso os 3 processos sejam concluídos isoladamente, o poder público bem que poderia contribuir; não? Aliás, papel que lhe é próprio e, mesmo, que já tem sido exercido em alguns outros casos.  Ou seja; “a goiaba está caindo de madura”. Oportunidade única para um projeto paradigmático para a logística do Século XXI. Parodiando conhecida marca esportiva, “just do it”!

*Frederico Bussinger foi presidente da Docas de São Sebastião, diretor da Codesp (Porto de Santos) e do Departamento Hidroviário (SP). Conselheiro do Consad da Codesa e da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização. Secretário-executivo do Ministério dos Transportes. Coordenou o Props em Santos e o PIPC (Plano Integrado Porto-Cidade) em São Sebastião. Foi consultor de PDZs e de modelagem para arrendamentos em diversos portos. Atualmente é consultor.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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