Renan Freitas, Regis Dudena e Mariana Avelar*
Foi publicado, na última terça-feira (8), acordão em que o Tribunal de Contas da União reconheceu a viabilidade da repactuação de contratos de concessão, que se encontram em processo de relicitação. De acordo com o relator, Ministro Vital do Rêgo, a decisão alavanca o setor de transportes brasileiro em 85 bilhões de reais.
A relicitação de contratos de parceria foi criada, pela MP (Medida Provisória) 752/2016, com intuito de retomar concessões cujos parceiros não demonstravam capacidade de cumprir os deveres assumidos e, com isso, possibilitar a entrada de novos parceiros e, consequentemente, novos investimentos. Essa medida foi então convertida na Lei 13.448/2017. Em ambos os instrumentos normativos, a relicitação encontra-se definida como “procedimento que compreende a extinção amigável do contrato de parceria e a celebração de novo ajuste negocial para o empreendimento, em novas condições contratuais e com novos contratados, mediante licitação promovida para esse fim.”
Ou seja, tratava-se de ferramenta de direito administrativo, à disposição do poder concedente, para se lidar, de maneira mais ágil e eficiente, com casos de concessões com dificuldades, por vezes, intransponíveis, determinando ainda a adoção, no contrato relicitado, das melhores práticas regulatórias, incorporando novas tecnologias e serviços. Contudo, dadas algumas barreiras encontradas nos procedimentos, que vieram a ser iniciados, a relicitação, por vezes, deixou de ser a melhor alternativa, seja para o poder concedente, seja para o próprio concessionário e seus acionistas.
Uma das possíveis frentes aventadas, para lidar com as dificuldades das relicitações, foi através de pré-propostas de alteração legislativa, que poderia trazer para a lei procedimentos mais claros e pormenorizados, além de, eventualmente, expandir tal alternativa para outros setores, já que o âmbito de aplicação vigente se restringe aos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública federal. Contudo, trata-se de uma alternativa que, ainda que viável e talvez mesmo desejável, demandaria o tempo próprio do processo legislativo.
Enquanto isso, foi aberto o questionamento acerca da possiblidade de revisão da decisão da relicitação em procedimentos em curso e ainda sem desfecho, contexto no qual foi realizada consulta formulada pelo Ministério dos Transportes e pelo Ministério dos Portos e Aeroportos. A Corte de Contas, a partir de tal questionamento do poder executivo federal, reconheceu a viabilidade de as partes revogarem termos aditivos de relicitações, mas com pontos a serem observados. O principal entendimento exarado é que as partes podem, de forma bilateral, encerrar o processo relicitatório e diligenciar para a repactuação do contrato administrativo, o que permite a manutenção da prestação de serviços pelas concessionárias. No mais, uma vez firmado o termo aditivo de relicitação, o poder concedente não pode revogá-lo unilateralmente, o que não afasta a possibilidade de as partes convencionarem a desistência da relicitação.
Foram estabelecidas 15 condicionantes, dentre as quais se incluem (i) a demonstração de vantajosidade da solução oferecida, (ii) a renúncia pela concessionária de questões controvertidas anteriores ao processo de relicitação e (iii) o atendimento ao interesse público. Entendeu também o Tribunal pela flexibilização de regras contratuais, desde que mantidos os princípios originários do contrato de concessão, pois, caso contrário, a repactuação se mostraria inviável. Ou seja, abriu-se mais uma vez a possibilidade de administração, juntamente com o concessionário, buscar soluções que atendam, da melhor maneira possível para a situação adversa, o interesse público, de modo concreto e exequível.
Destaca-se, para demonstrar a materialidade e os critérios técnicos que embasaram essa nova decisão, a necessidade de submissão dos estudos de vantajosidade e do termo aditivo à apreciação do TCU, que no julgado estabeleceu, ainda, a necessidade de um grupo de trabalho reavaliar os termos da IN 81/2018-TCU, que estabelece o modelo de fiscalização dos processos de desestatização realizados pelo Poder Público
A solução para processos de relicitação inconclusos, que permita a retomada dos ativos está em linha com os anseios de uma administração pública dinâmica, atenta à complexidade do setor de infraestrutura e que constrói soluções eficientes para alocação de recursos juntos aos particulares. Como afirmado em recente análise, “a utilidade da relicitação depende de respostas razoáveis para que se fato sejam instrumentos para proporcionar a retomada de investimentos em setores estratégicos ao desenvolvimento nacional, tão necessários no atual estado da arte da infraestrutura brasileira. Decisões morosas ou inconsistentes nos afastarão desses objetivos”[1].
Assim, a forma e a agilidade com que tal processo irá se ultimar, contudo, será crucial para o esperado destravamento de investimentos.
[1] AVELAR, Mariana Magalhães; BATISTA, Caroline Lopes; SILVA SOUZA, Eduardo Stênio. Os entraves das relicitações e as inovações em tempos de crise. Disponível aqui. Acesso em 07.08.2023.