iNFRADebate: O próximo apito do trem no Corredor Centro-Leste

Gustavo Barbosa*

Estamos próximos da tomada de decisão sobre a renovação antecipada da Concessão da Ferrovia Centro Atlântica – FCA, que vai impactar o transporte ferroviário e a economia do país nos próximos 35 anos. Nesta altura do processo decisório, precisamos de nos basear em fatos e dados.  

O que diferencia o conhecimento científico de outras formas de conhecimento é que ele não depende do que cada um acredita em relação a uma informação. O Conhecimento Científico é sempre fundamentado em elementos racionais, com o uso de procedimentos, métodos, técnicas, todas passíveis de serem comprovadas. 

As ligações econômicas e sociais do Espírito Santo com os estados de Goiás e Minas Gerais sempre existiram, dentre outros motivos, porque há unanimidade de que o litoral capixaba sempre foi o caminho de menor custo para levar goianos e mineiros até o mar.

No caso do transporte de cargas, o Corredor Centro-Leste é a expressão logística dessa afirmativa unânime, tendo praticamente 80% deste já executado, operacional e competitivo; baixíssimo impacto ambiental pois é um trecho consolidado e consolida a segurança de termos alternativas para escoamento da produção industrial e do agronegócio brasileiro somando-se ao arco norte e ao arco sul.

Para comprovar esse fato, o Governo do Espírito Santo, em parceria com a Federação das Indústrias – FINDES investiu na produção de estudos altamente qualificados que foram entregues ao Governo Federal, todos baseados em métodos científicos consagrados de planejamento de transporte, que demonstram de forma objetiva que o investimento em uma variante aos gargalos ferroviários da Serra do Tigre, na malha da FCA, tem potencial real e competitividade comprovada para ampliar fortemente a movimentação de cargas entre os estados de Goiás e Minas Gerais até os portos do Espírito Santo e fazer deste corredor uma importante alternativa para aumentar a competitividade e segurança de escoamento da produção industrial e do agronegócio no Brasil.

O trabalho demonstrou com dados precisos, objetivos e transparentes que o Corredor Centro-Leste, com esse investimento, permitirá reduzir custos logísticos de escoamento de mercadorias entre o Espírito Santo e a região Centro-Oeste em cerca de R$ 3 bilhões anuais, ou seja, uma redução de custos ao produtor superior a R$ 100 bilhões nos próximos 35 anos.

Neste artigo, são abordados três conjuntos técnicos que precisam ser tratados antes de qualquer decisão sobre o tema, sob o risco de se atentar fortemente contra o interesse público que envolve todos os estados sob a área de influência do Corredor Centro-Leste: (i) a necessidade de correção de erros grosseiros no Plano de Negócios apresentado pela concessionária atual e colocado em Consulta Pública; (ii) as premissas não atendidas que justificariam os benefícios para uma renovação antecipada do contrato de concessão; e (iii) o caráter indissociável das falhas da renovação com a aprovação de um novo Marco Legal que não consiga prever mecanismos que evitem tais falhas.

(i) ERROS NO PLANO DE NEGÓCIO APRESENTADO

O Plano de Negócios apresentado dentro do processo de renovação antecipada da concessão apresenta erros que distorcem totalmente os resultados e impedem que se analise corretamente o potencial de geração de receitas e, dessa forma, subestimam o potencial do negócio para investimentos na ampliação da capacidade da malha existente.

Inicialmente, a documentação apresentada simplesmente não avalia os resultados da execução de investimentos que poderiam tornar a ferrovia mais competitiva, em especial a análise da variante à Serra do Tigre. Ora, sem uma avaliação, como foi possível concluir pela viabilidade ou não do principal investimento na malha existente proposto pelo Espírito Santo?

Outro ponto importantíssimo, a previsão da demanda apresentada é baseada em dados de 2014, ou seja, dados com 7 anos de defasagem, e que não consideram, por exemplo, os recordes sucessivos de produção agrícola do país. É impensável que uma renovação de concessão seja feita com base em estimativas de demanda feitas quase uma década atrás.

Os estudos apresentados pelo Espírito Santo, feitos com base nas metodologias e bases de dados do Governo Federal apresentam uma demanda de 107 milhões anuais de toneladas de produtos captáveis pela ferrovia, ampliadas para quase 200 milhões de toneladas em 25 anos, somente para o Corredor Centro-Leste, contra 53 milhões apresentados pela FCA para toda a sua malha.

Dessa forma, o Plano de Negócios simplesmente não considera o potencial de novas fronteiras agrícolas, como o enorme potencial de mineralização de regiões produtoras de Minas Gerais e Goiás, que têm na Serra do Tigre sua logística mais eficiente.

Os dados do processo de renovação também apresentam equívocos nos cálculos apresentados de capacidade dos trechos da FCA, sendo que os dados apresentados pela FCA divergem, inclusive, dos dados apresentados regularmente pela própria FCA à ANTT na declaração de capacidade da ferrovia.

A proposta de renovação também não considera, e por isso traz um enorme descolamento do próprio planejamento de governo, investimentos portuários importantes, como por exemplo a privatização da CODESA, os investimentos já autorizados em contratos para o Porto da Imetame e de Porto Central e os investimentos previstos pelo terminal de Portocel, todos no Espírito Santo.

No caso dos portos, ignorar investimentos previstos de mais de 8,5 bilhões já contratados com o Governo Federal no Espírito Santo significa esquecer que o custo logístico total do produtor deve considerar tempos em filas e limitações de calado para receber navios de grande porte da frota atuante no mercado internacional, que teriam custos reduzidos e grandes vantagens para o produtor nos novos portos capixabas.

Outro erro indiscutível, o trabalho apresentado pela FCA indica a entrada em operação de novas malhas ferroviárias, como por exemplo a Ferrogrão, indicada no projeto para 2022, sendo que ainda nem se sabe sobre a viabilidade do projeto da ferrovia. Essa indicação simula alternativas inexistentes e evita a demonstração de gargalos importantes que deveriam ser solucionados pela renovação antecipada da concessão.

(ii) FALTA DE JUSTIFICATIVAS PARA A VANTAJOSIDADE DA RENOVAÇÃO ANTECIPADA

Além dos erros indicados, a proposta de renovação antecipada demonstra um nível extremamente baixo de investimentos na ampliação da capacidade e, consequentemente, da competitividade da ferrovia.

Uma renovação antecipada de um contrato de concessão pública só tem justificativa concreta se houver indicativo de investimentos imediatos que não poderiam ser amortizados no tempo restante do atual contrato.

Somente com esse argumento, o concessionário poderia pleitear uma renovação imediata, para criar um ambiente seguro para esses investimentos que, caso contrário, não aconteceriam no curto prazo.

No caso da proposta de renovação antecipada apresentada pelo governo para a FCA, somente R$ 530 milhões são destinados a projetos de expansão de capacidade operacional e de via permanente, com vinculação de prazo para execução, sendo que parte deles são para execução em até 12 anos, prazo muito maior do que o restante do contrato existente.

Para que se tenha uma percepção clara do valor irrisório que esse investimento significa, basta dividi-lo pela extensão atual da malha concedida para a FCA, de 7,2 mil km, o que daria cerca de R$ 2 mil anuais por quilômetro de concessão, considerando 36 anos. Esse valor é cerca de 8% dos valores de investimento de outras renovações antecipadas de concessões feitas recentemente pelo Governo Federal.

O valor do Capex de investimento, ou seja, aquele que não é o corrente, já realizado historicamente pela Concessionária, totaliza R$ 3,3 bilhões. Desse total, R$ 2,77 bilhões, ou seja, 84% do total, é de investimento em material rodante, principalmente locomotivas. Apesar de parecer significativo para a compra de locomotivas, de um total de 353, apenas 31 estão programadas para serem adquiridas antes do final do contrato vigente, enquanto 260 das restantes estão programadas para serem adquiridas somente nos últimos anos da concessão, após 2047. 

Enquanto isso, o valor de outorga previsto para ser pago ao Governo Federal é de R$ 4,98 bilhões, o que indica que aparentemente a modelagem financeira foi definida para gerar a maior outorga possível, de forma que o governo possa usar este recurso em outros projetos. 

Esse modelo é justamente o contrário do que se espera em uma renovação antecipada, que deveria proporcionar aumento de capacidade da ferrovia, solução de conflitos urbanos e recuperação de ramais, evitando devoluções de trechos na malha objeto da renovação.  – como é o caso da devolução que a FCA quer fazer do trecho que liga Vitória ao Rio de Janeiro.

(iii) O NOVO MARCO LEGAL DEVE PREVER FERRAMENTAS QUE EVITEM ERROS E DISTORÇÕES TÉCNICAS EM RENOVAÇÕES 

A falta transparência na análise do máximo potencial das infraestruturas e conexões logísticas já existentes, construídas com recursos públicos e privados, atenta contra o interesse público amplo e devem ser criteriosamente observados pelo arcabouço legal.

O objetivo deve ser sempre o de assegurar uma integração otimizada dos modos de transporte e a interoperabilidade entre eles, promovendo a utilização eficiente e sustentável da infraestrutura e, sempre que necessário, reforçando e ampliando a sua capacidade até o limite máximo que otimize os investimentos públicos e privados já realizados.

Os corredores de transporte devem ser planejados, desenvolvidos e explorados de um modo eficiente em termos de recursos, mediante o desenvolvimento, a melhoria e a manutenção das infraestruturas de transporte existentes no contrato, e a interligação eficiente com as infraestruturas portuárias já estabelecidas ou outorgadas pelo Poder Concedente.

A possibilidade de renovações e reequilíbrios de concessões com erros claros como os aqui apresentados traz uma enorme preocupação social, que está identificada pelos representantes dos estados de Goiás, Minas Gerais e Espírito Santo no Congresso Nacional. A oportunidade de discuti-los e propor soluções no novo Marco Legal do setor ferroviário torna os dois assuntos indissociáveis.

A  eliminação do gargalo da Serra do Tigre, que hoje tem capacidade e competitividade limitada a somente 5 milhões de toneladas ao ano, enquanto a capacidade portuária capixaba ruma para os 80 milhões de toneladas ao ano, é premissa básica para qualquer projeto consistente de planejamento.

O trecho existente hoje, exige a operação dos comboios ferroviários com 5 locomotivas nos trechos de serra, o que aumenta em 30% os custos com combustível no trecho. A velocidade média existente é de inacreditáveis 12 km/h, contra uma velocidade média de 50 km/h no projeto proposto pelo Espírito Santo. Considerando a redução de mais de 120 km da distância ferroviária, o projeto proposto reduz em mais de 1 dia o transit time do transporte ferroviário e reduz os atuais tempos de fila em outras alternativas de 15 dias para 48 horas nos novos portos.

O Corredor Centro-Leste já tem mais de 80% de investimentos realizados e sem gargalos. O impacto ambiental é baixíssimo, dado que o trecho é bem consolidado.  Além disso, o vultoso investimento em portos no litoral do Espírito Santo indica o enorme potencial de competitividade dessa alternativa logística para o produtor localizado nos estados que estão na área de influência ferroviária da FCA, em especial os estados de Goiás e Minas Gerais.

O valor de outorga de R$ 4,98 bilhões, antes mesmo das correções que certamente elevarão expressivamente esse valor, é muito mais do que suficiente para o investimento de R$ 2,8 bilhões estimados pelos engenheiros que trabalharam no projeto proposto pelo Espírito Santo.

Soma-se ainda a esse valor de outorga, os valores de indenização de trechos de mais de 2 mil quilômetros que serão devolvidos pela FCA e que sequer foram informados pelo Ministério da Infraestrutura no processo colocado em consulta pública. Há receio de que devoluções semelhantes aconteçam, em um futuro próximo, no Corredor Centro-Leste.

Precisamos de discussões técnicas sérias, comprometidas com o futuro do Corredor Centro-Leste e do desenvolvimento dos estados de Goiás, Minas Gerais e Espírito Santo, que levarão ao futuro logístico e redução do custo Brasil que o país tanto espera.

Caso contrário, estaremos próximos a ouvir os últimos apitos do trem no Corredor Centro-Leste.

*Gustavo Barbosa é presidente do Conselho de Infraestrutura da Findes (Federação das Indústrias do Espírito Santo).
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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