iNFRADebate: Renovação antecipada da concessão da FCA é um excelente negócio para o país

Gesner Oliveira*

A infraestrutura é a fronteira de expansão para uma retomada da economia. Os investimentos neste segmento induzem a atividade econômica e geram impactos diretos e indiretos em diversos setores, com importantes efeitos multiplicadores. A área de ferrovias é ilustrativa, pois sua expansão promove um salto na produtividade e no desenvolvimento regional com uma série de benefícios socioeconômicos. 

Infelizmente, há um atraso do setor ferroviário no Brasil. Sua participação na matriz de transporte de carga no país é de apenas 15%, contra 65% do rodoviário1. Há claramente um subinvestimento no setor comparativamente a outros emergentes, como Índia e China. 

Urge, portanto, fomentar investimentos no setor para superação de gargalos logísticos, e a renovação antecipada do contrato de concessão da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica) representa uma medida importante neste sentido. 

Maior ferrovia do Brasil, a FCA está presente em mais de 300 municípios em oito unidades da Federação. Nos últimos cinco anos mais de 184 milhões de toneladas dos mais variados produtos foram transportados pelos seus trilhos. A FCA possui hoje uma frota de 700 locomotivas e 20 mil vagões, além de movimentar uma cadeia de mais de 500 fornecedores e gerar cerca de 10,6 mil empregos, entre postos diretos e indiretos. 

Por meio da Audiência Pública nº 12/2020, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) tem colhido sugestões dos mais diversos segmentos para o aprimoramento dos estudos acerca da renovação antecipada da FCA que podem ser enviadas até o prazo 19 de fevereiro. Trata-se, portanto, de processo amplo e transparente, como devem ser as consultas públicas. 

Na mesma direção, na próxima quarta-feira (3) ocorrerá a sessão pública, espaço ofertado pelo órgão regulador para que a sociedade conheça as bases da proposta e contribua ativamente. 

Trata-se de ótima oportunidade para debater os aspectos ligados às vantajosidades da renovação antecipada, como aqueles contestados pelo sr. Vitor Pires Vencovsky, em artigo recente neste mesmo espaço2.

No referido artigo são levantadas quatro possíveis críticas a uma prorrogação antecipada da FCA: (i) não estão indicados os investimentos para solução de conflitos urbanos; (ii) não estaria abordada a devolução de trechos antieconômicos; (iii) tampouco estariam detalhados os investimentos em obras de expansão de capacidade; e (iv) os investimentos seriam insuficientes e demasiadamente concentrados em material rodante. 

 Embora úteis para o debate, tais críticas não procedem, subestimando as enormes vantajosidades e os benefícios socioeconômicos da renovação antecipada.

Em primeiro lugar, com relação aos investimentos para a solução de conflitos urbanos, o aprimoramento da mobilidade nas cidades virá do valor total da modelagem financeira, cuja destinação será definida a partir de políticas públicas apontadas pela ANTT e pelo Ministério da Infraestrutura no decorrer do processo. Ora, este encontra-se em fase de consulta pública que precisamente poderá apontar as prioridades a partir das contribuições da sociedade. 

Em segundo lugar, o processo tratará igualmente das questões relativas à devolução de trechos, um direito da concessionária, com base na Resolução ANTT nº 44/2002. A decisão de aceitar ou não é sempre do órgão regulador, com base no mesmo normativo. Embora seja um processo que independa da renovação antecipada do contrato, o tema também será objeto da audiência pública, com total transparência e possibilidade de manifestação democrática de todas as partes envolvidas.

Acrescente-se, neste contexto, a bem sucedida experiência dos EUA na implementação de short lines, as quais transformaram o setor ferroviário americano em um dos meios de transporte mais eficientes do mundo. Estima-se que em 36 anos, após a assinatura do Staggers Rail Act, em 1980, a produtividade do sistema ferroviário americano triplicou, o volume de cargas quase duplicou e as tarifas se reduziram em cerca de 40% quando ajustadas pela inflação3. No Brasil, é reconhecido o enorme potencial de implementação de short lines como estratégia para o aproveitamento dos trechos subutilizados e abandonados.

Ressalte-se que a própria FCA foi a primeira concessão a devolver trechos antieconômicos, nos termos da Resolução ANTT nº 4.131/2013. A indenização pela devolução dos trechos soma-se ao valor de outorga e pode vir a ser aproveitada pelo Poder Concedente em outros investimentos considerados prioritários para o sistema ferroviário nacional.

Há inúmeras alternativas para o reaproveitamento dos trechos ora classificados como antieconômicos, como a implementação de short lines, trens turísticos, trens intercidades e VLTs (veículo leve sobre trilhos). 

Além disso, as opções de uso não ferroviário, para ativos que, no passado, foram objeto de exploração ferroviária, comporta, evidentemente, uma infinidade de possibilidades. Destaquem-se, a título de exemplo, espaços comerciais, comunitários, culturais ou arranjos produtivos locais de diferentes portes, usos urbanísticos com maior ou menor componente social e fins agropecuários quando em área rural.

Em terceiro lugar, em relação aos investimentos em obras de expansão de capacidade, apenas nos últimos cinco anos, a FCA recebeu investimentos que ultrapassam R$ 2 bilhões. Note-se, ao longo dos anos, uma série de inversões para aumentar a eficiência do transporte de cargas pela ferrovia, como a construção de terminais, melhoria de vias, ampliação e modernização de ativos. Um exemplo é o Tiplam (Terminal Integrador Portuário Luiz Antonio Mesquita), na Baixada Santista, que recebeu cerca de R$ 2,7 bilhões em investimentos para aumento de sua estrutura e capacidade de escoamento das cargas que chegam à região via FCA. 

Ademais, observa-se na FCA o conceito da logística integrada. A VLI, empresa controladora da Ferrovia Centro-Atlântica, construiu seis terminais integradores em pontos estratégicos da malha ferroviária, substituindo diversos pontos de carregamento em terminais ineficientes. A transformação pode ser mostrada em números. Uma composição com 80 vagões, que, antes, demorava quase 65 horas para ser carregada, hoje leva pouco mais de seis horas. A eficiência, produtividade e agilidade desse sistema fazem hoje a FCA ser responsável por um terço de todo o açúcar exportado pelo porto de Santos.

Em quarto lugar, sobre a natureza e previsão dos investimentos do contrato, a renovação da concessão até 2056 irá fomentar uma nova onda de investimentos e transformações nos próximos anos. A proposta prevê R$ 13,8 bilhões de investimentos na operação ferroviária divididos em novos vagões e locomotivas, modernização da linha, construção e ampliação de pátios, sistemas de sinalização e manutenção dos ativos, na sua grande maioria adquiridos na indústria ferroviária nacional. Além disso, a ampliação do contrato vai permitir o aumento dos fluxos de carga pela FCA, com destaque para enxofre (+58%), açúcar (+55%), clínquer (+74%) e produtos siderúrgicos (38%), entre outros, de acordo com estudo de demanda protocolado em 2017. 

Note-se que os efeitos de tais investimentos vão muito além do valor mencionado de quase R$ 14 bilhões, por si só, expressivo. Exercícios empíricos com a matriz insumo produto, considerando o novo vetor de investimento, sugerem que o impacto sobre o conjunto da economia é um múltiplo deste acréscimo nas despesas de capital. Isso porque há não apenas os efeitos diretos dos investimentos, mas os indiretos e o efeito renda, acarretando geração de empregos, aumento da massa salarial, da arrecadação e do PIB (Produto Interno Bruto). 

Por fim, vale a pena destacar os inúmeros benefícios socioeconômicos que podem ser antecipados com renovações de contratos de concessão, como é o caso da FCA. Tais benefícios são relacionados à migração de carga do modo rodoviário para o ferroviário devido à maior capacidade da linha férrea; redução do custo de transporte ferroviário em relação ao atual devido à maior eficiência operacional propiciada pelos investimentos; redução da emissão de poluentes devido à migração de cargas da rodovia para a ferrovia4; redução de acidentes, também devido à migração de cargas para a ferrovia; e melhoria da qualidade de vida da população pelos investimentos em conflitos urbanos.

O debate entre órgão regulador, concessionárias e a sociedade contribui para o desenvolvimento do setor ferroviário do país. Em um país de dimensões continentais, a ferrovia precisa exercer um papel mais relevante na movimentação de cargas, muito além da atual participação de 15% na matriz de transporte. As renovações do setor vão ajudar a transformar essa realidade. Ao prorrogar o contrato da FCA, o poder público permite que o que já está sendo feito possa ser aprimorado.  

A renovação antecipada da concessão da FCA é superior a uma nova licitação. Dentre outras razões, pelo fator tempo e garantia de investimento. O país não pode esperar tanto por investimentos urgentes em sua infraestrutura ferroviária sob pena de comprometer a competitividade nacional.

*Gesner Oliveira é ex-presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e sócio da GO Associados.
1 Disponível em: https://www.antf.org.br/informacoes-gerais/. Acesso em: 31/01/2021.
2 Disponível em: https://agenciainfra.com/blog/infradebate-renovacao-da-fca-e-uma-afronta-as-reais-necessidades-do-sistema-ferroviario-e-da-populacao/. Acesso em: 31/01/2021.
3 Apresentação de Raymond A. Atkins para o VII Brasil nos Trilhos. Disponível em: https://www.antf.org.br/agenda/eventos-da-antf/vii-brasil-nos-trilhos/. Acesso em: 31/01/2021.
4 Estima-se que o modal ferroviário é 52% mais barato que o rodoviário, 66% menos poluente e utiliza 70% menos combustíveis. Disponível em: https://www.antf.org.br/wp-content/uploads/2018/09/Folder-presidencial4-v2-spread.pdf. Acesso em: 31/01/2021.
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