Judicialização com PL do licenciamento é certa e deve causar ‘apagão momentâneo’, diz presidente do Ibama

Sheyla Santos, da Agência iNFRA

O presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Rodrigo Agostinho, disse, em entrevista à Agência iNFRA, que existe o risco de haver um “apagão momentâneo” no setor ambiental se o Congresso aprovar o PL do Licenciamento (Projeto de Lei 2.159/2021) conforme a proposta atual. O PL foi chancelado pelo Senado em maio, com mais flexibilizações em relação ao texto inicial da Câmara dos Deputados, que agora dará o aval final à proposta. A relatoria será do deputado Zé Vitor (PL-MG). 

O “apagão momentâneo”, como classificou Agostinho, seria gerado pela contestação judicial da futura lei, já dada como certa pelo presidente do Ibama. “Com certeza esse texto alguém vai judicializar e até que o Supremo possa decidir se todos os artigos são constitucionais, o que que é constitucional, o que que não é, isso demora”, afirmou. 

Agostinho listou dois pontos mais críticos da proposta, em sua avaliação. Pelo texto que está no Congresso, ficará a cargo dos entes federativos a definição de critérios para enquadrar se os projetos são de pequeno ou médio impacto ambiental, o que lhes permitirá usar a LAC (Licença por Adesão e Compromisso). Na entrevista, Agostinho afirmou que essa descentralização pode gerar uma “guerra por licenças” entre os entes subnacionais –na mesma linha do que já disse a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.

Embora a base do governo não tenha assumido uma posição única em relação a esse tema, durante a votação da proposta, a Casa Civil também viu problemas, mas não conseguiu reverter o texto no Senado. Outro ponto “complicado” para o presidente do Ibama, é o próprio autolicenciamento. “Acabaram de ser julgadas inconstitucionais as licenças autodeclaratórias do Rio Grande do Sul”, mencionou, a título de exemplo.

Leia a seguir os principais pontos da entrevista.

Agência iNFRAQual é a sua posição sobre o PL do Licenciamento?
Rodrigo Agostinho: Eu acho que o problema do licenciamento não é um problema de regulação. Na verdade, eles [senadores] estão criando nomes para coisas que já existem. 

Poderia dar um exemplo?
Vou dar um exemplo. Para uma rodovia que já existe há 50 anos, quando não era exigido licenciamento, eles estão criando uma categoria que é a licença de operação corretiva, a LOC, que nós tratamos aqui como uma licença de operação normal, um licenciamento relativamente simples, porque é de regularização. Mas agora você tem uma categoria para ela: LOC. Aí você tem a LAC, que é a auto[licença]. 

Como o senhor avalia a LAC?
Acho que, na verdade, se é baixo impacto e baixo risco, poderia até, em tese, ser dispensado de licença. Agora, dizer que o próprio empreendedor vai emitir sua própria licença, isso não tem características de licenciamento. O licenciamento implica uma avaliação de impacto ambiental. Isso tem mais característica de um cadastro do que de uma autolicença. Se, de fato, tivermos uma proliferação de autolicenças, aqui no Ibama vamos trocar o analista de licenciamento pelo fiscal, porque eu vou ter que investir muito mais em fiscalização do que em licenciamentos. 

Como acha que isso vai repercutir no âmbito setorial, caso aprovado da forma como está?
Tem setores que vão querer ter uma licença [nos moldes tradicionais], que vão falar assim: “Eu não vou trabalhar sem licença, correndo um monte de risco.” Eu acho que [se] corre uma série de riscos, mas um deles é um apagão momentâneo, até que haja um debate de constitucionalidade. Com certeza, esse texto alguém vai judicializar e até que o STF [Supremo Tribunal Federal] possa decidir se todos os artigos são constitucionais, o que é constitucional, o que não é, isso demora. Isso vai demandar, porque no Brasil o licenciamento está na Constituição. 

O que o senhor acha que há de ponto mais crítico na proposta do PL do Licenciamento? Do que está ali, o que funciona para vocês?
Eu acho que tem um ponto bem complicado, que é o ponto de cada ente com suas regras. Hoje, são as resoluções dos conselhos que definem as tipologias, as regras, o que vai precisar de avaliação de impacto ambiental, o que não vai precisar. Isso, de fato, pode causar uma corrida. Podem pensar: “Aquela cidade é muito difícil. Vou fazer na outra, que é mais fácil.” Do mesmo jeito da guerra tributária, passamos a ter uma guerra por licenças. Então, [por exemplo], “ah, em São Paulo é mais fácil emitir e está exigindo menos do que no Espírito Santo.” Hoje, as regras são iguais para todos. Isso é um ponto complicado da lei.

Destacaria algum outro ponto crítico?
Outro ponto complicado da lei são essas autolicenças. O Supremo já vem apontando sobre a inconstitucionalidade de várias leis estaduais. Acabaram de ser julgadas inconstitucionais as licenças autodeclaratórias do Rio Grande do Sul. A lei de autolicenciamento do estado foi suspensa. Regras de outros estados também estão em discussão no STF. Tem muito ponto que [o PL] resolveu, mas tem pontos bem complicados. Por exemplo, agora no Senado fizeram alterações na Lei da Mata Atlântica. Isso, com certeza, vai dar judicialização. E eu não sei qual será a solução que a Câmara vai dar, porque ela só vai poder discutir agora as emendas colocadas pelo Senado.

Há uma reclamação de que o licenciamento ambiental seria o grande gargalo dos projetos de infraestrutura. O PL avança nesse sentido? 
Muita gente acha que vai resolver o licenciamento com a questão regulatória, com esse PL. E não vai, pelo contrário. O problema do licenciamento não é regulatório. Nunca foi. O problema é a falta de estrutura, a baixa qualidade de projetos e, às vezes, a complexidade das regiões. O licenciamento no Brasil não é só ambiental, todos os problemas sociais vêm para o licenciamento ambiental. Todas as questões ligadas ao patrimônio histórico, arqueológico, as questões das comunidades tradicionais, ribeirinhas, quilombolas, que no Brasil são muitas. O Brasil é o país que tem a maior biodiversidade do mundo e a maior sociobiodiversidade do mundo. Então, isso acaba refletindo no licenciamento. 

É como nas situações em que os projetos precisam mudar por alguma realidade não identificada nos estudos? 
A pessoa desenha uma rodovia numa prancheta e na hora que vai ver tem uma comunidade em cima. E isso acaba sendo refletido dentro do licenciamento. Às vezes, [há] projetos que são mal desenhados e depois, no meio da obra, encontram uma caverna. Tem uma complexidade muito grande. 

Há o impacto do problema de falta de pessoal, certo?
[Em] uma parte dos órgãos estaduais, por exemplo, na Amazônia, os servidores são terceirizados. Como é que um servidor terceirizado vai se sentir à vontade para emitir uma licença? Então, tudo isso reflete.

A ministra Esther Dweck falou recentemente em um evento de infraestrutura que haveria um investimento em tecnologia no Ibama.
Nós estamos num processo de fortalecimento do licenciamento ambiental federal. Contratamos um novo sistema de informações aqui para o Ibama, que vai ser entregue ainda neste ano. Está numa fase bem adiantada. Esse sistema, por si só, não vai dar maior agilidade, mas vai garantir mais transparência. Tem uma série de iniciativas. Também estamos capacitando os servidores para utilizar a inteligência artificial. Não é a IA que vai fazer avaliação do impacto ambiental, mas ela pode encontrar lacunas, pode encontrar alternativas de traçado. Ela pode ajudar no processo de avaliação. 

A ministra também havia falado em concurso.
Acabamos de fazer um concurso. Nós teremos pelo menos 100 novos servidores no licenciamento ambiental federal. No total, 460. De fato tem uma demanda. O Ibama chegou a ter 6.300 servidores, hoje tem 2.500. Isso em 2007, 2008. Perdemos capilaridade. Fechamos 89 escritórios ao longo da última década, por falta de gente. Na maior parte dos estados, temos um único escritório por superintendência. E temos estados gigantescos, [como] Amazônia, Bahia. São estados grandes, que têm muita demanda e tudo isso pesa. Mas, de maneira geral, não temos, hoje, obras no país atrasadas por causa do licenciamento ambiental federal. É importante as pessoas terem clareza disso. 

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