Marinha diz que PL da praticagem aprovado na Câmara “coloca em grave risco a segurança da navegação”

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

O Projeto de Lei 757/2022, aprovado pelo plenário da Câmara na semana passada com novas regras para a praticagem na navegação no país, coloca em “grave risco a segurança da navegação”, “inviabiliza” a concessão de isenção de praticagem e “torna perene um monopólio de mercado”.

As afirmações foram feitas pela Marinha do Brasil, em nota oficial à imprensa divulgada no último domingo (26), disponível neste link no site da Marinha, na qual a força se coloca em oposição à proposta aprovada informando que ela é contrária aos “interesses públicos e ameaça a segurança da navegação, efeito oposto à legislação atual”.

Na proposta aprovada, que já está em acelerada tramitação para ser votada esta semana pelo Senado, a Marinha é alçada por lei à condição de regulador do serviço de praticagem, o que torna a posição da força ainda mais relevante. Hoje ela já faz essa regulação, mas através de normativos internos.

O tom duro da nota é a primeira manifestação pública de um órgão do governo contra o substitutivo aprovado pelos deputados na semana passada, mas os técnicos de pelo menos outros dois ministérios ouvidos pela Agência iNFRA indicaram que a proposta aprovada é muito favorável aos práticos e poderá criar problemas para alguns setores da economia, especialmente o de óleo e gás.

Há uma antiga disputa entre o setor de navegação e os práticos, responsáveis por manobrar os navios na entrada e saída dos portos, sobre os preços cobrados no país. Os armadores alegam que os valores cobrados estariam fora dos padrões internacionais, em média até cinco vezes acima, o que as associações de práticos negam, indicando que os preços são alinhados aos do exterior e os serviços prestados no Brasil são diferentes de outros países. (A posição dos práticos e armadores sobre a aprovação do PL está no texto abaixo).

Monopólio
O fato é que o sistema se dá num regime de monopólio. Práticos só podem ser contratados numa fila única dentro das chamadas zonas de praticagem, o que impede a competição. Os práticos defendem que, por motivos de segurança da navegação, o ideal é a contratação nesse modelo, o que impediria a deterioração do serviço em regime de concorrência.

Mesmo com o monopólio, os contratos entre práticos e empresas de navegação se dá em regime privado, com preços livres. Ao longo de vários anos, em diferentes governos, se tentou buscar um regime em que se pudesse ter algum tipo de regulação desses preços, especialmente contra abusos.

A proposta do governo dentro do PL 757/2022 era que a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) pudesse fazer uma regulação econômica contra abusos e a Marinha fizesse a regulação técnica, mantendo o regime de contratos privados, com preços livres.

A proposta vem sendo debatida fervorosamente e não agradava nem os práticos, que não queriam regulação pela ANTAQ, nem o setor produtivo, que queria o fim do rodízio único. A proposta foi aprovada na Câmara mantendo a Marinha na regulação econômica, podendo a ANTAQ participar de uma comissão que pode ser criada em casos de denúncia de abuso. O rodízio foi mantido.

Incompatível
A Marinha diz na nota que a versão aprovada não apenas a colocou como reguladora econômica, o que para ela é “incompatível com o modelo de rodízio único”, como retirou dela o poder de fazer uma regulação adequada ao colocar vários dispositivos na lei que são típicos da regulação técnica.

A Marinha não informa na nota que dispositivos são esses. De acordo com agentes do setor ouvidos pela Agência iNFRA, dois dispositivos preocupam mais o setor de navegação. O primeiro é a forma como foi colocada a isenção de praticagem. Pelas regras, a Marinha vai ter que fazer justificativas técnicas para cada uma, o que pode inviabilizar que isso ocorra.

Esse ponto preocupa especialmente a navegação de cabotagem, onde há alguns trechos onde essa isenção já é dada. O outro dispositivo é referente ao tipo de embarcação que não precisará usar práticos, que agora tem uma tonelagem máxima menor que a permitida atualmente pelos regulamentos da Marinha. 

Com isso, é o setor de apoio offshore que deve sentir, visto que dezenas de embarcações usadas atualmente no apoio marítimo das plataformas de petróleo passariam a ter que pagar pelo serviço de praticagem, caso a lei passe, na avaliação de dois técnicos do governo.

Práticos
O presidente da Praticagem do Brasil, Ricardo Falcão, rebateu as críticas à aprovação do PL 757/2022, dizendo que houve negociações com diversas associações do setor, inclusive das empresas de navegação, em mais de 10 encontros, alguns deles com a presidência da Câmara, e que se chegou a um texto possível, que não agrada “a nenhuma das partes”.

Segundo ele, as afirmações dos armadores sobre os custos elevados são para jogar a culpa nos práticos dos elevados preços que eles cobram dos usuários no Brasil. “Eles usam um aparato de argumentos e maneiras de torturar a língua portuguesa para achar uma explicação para o que cobram, sem uma regulação econômica efetiva sobre eles, o que deveria haver”, rebateu Falcão.

Sobre a questão da regulação econômica ficar com a Marinha, Falcão defende que o modelo é o correto porque é a força quem vai dar as diretrizes técnicas sobre como o serviço será prestado e não pode haver descasamento entre as exigências e os custos para essa execução. “Como a Marinha vai garantir a segurança da navegação se é outra entidade que vai dizer qual é o preço?”

Sobre as isenções de praticagem e a nova classificação para embarcações isentas, Falcão diz que as regras estão se adequando aos padrões internacionais. Segundo ele, a tonelagem dos navios não é medida suficiente para saber se eles podem ser isentos e o tamanho deles, que também passou a ser exigido na lei, combinado com a tonelagem, é o padrão usado internacionalmente.

Falcão defendeu ainda que o projeto traz segurança jurídica para a relação no setor, o que vai garantir que o serviço continue sendo prestado com excelência em todo o país. “Nao tem ninguém que fale mal da qualidade do serviço prestado pela praticagem aqui. Somos referência no mundo inteiro. Agora teremos estabilidade regulatória e não vai ter briga todos os anos sobre isso”.

Tramitação acelerada preocupa
Luis Fernando Resano, Vice-presidente da ABAC (Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem) chamou o modelo de regulação aprovado de fake regulação, dizendo que não será possível manter um controle sobre os preços, o que torna inviável caracterizar um abuso.

Ele lembrou ainda que a Marinha foi ouvida em audiências públicas no Congresso que trataram do tema e indicou reiteradamente que não tinha expertise para fazer regulação econômica sobre o tema. Ele negou que os representantes da cabotagem tenham apoiado o projeto aprovado. 

A aprovação do projeto e a velocidade que ele está tramitando no Senado preocupa Claudio Loureiro, diretor-executivo do Centronave, entidade que representa os armadores estrangeiros no país. Segundo ele, não houve qualquer acordo com armadores sobre um texto de consenso, como informam os parlamentares que apoiam o texto.

“Há tantas imperfeições nesse projeto de lei que eles até inviabilizam a sua utilização na prática”, informou Loureiro, lembrando que a forma como o rodízio único está prevista está “fixando em lei um monopólio”, tirando a Marinha a capacidade de fazer mudanças que possam alterar esse regime.

Para ele, da forma como está, a regulação prevista na lei é “inoperacionalizável”, visto que não haverá como definir o que será o abuso e as disputas de preço podem se alongar. “Se tem um monopólio, tem que ter alguém acompanhando o tempo todo”, reclama Loureiro.   

Segundo o executivo, o mais importante no momento é que o Senado permita uma discussão da proposta, que segundo ele cria uma grande propensão à judicialização do tema no país.

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