Amanda Pupo, da Agência iNFRA
Após consultas ao mercado e ajustes importantes na modelagem, o programa do governo federal para repassar aeroportos regionais à iniciativa privada, chamado de AmpliAR, está mais realista. Porém, a condição e a localização de muitos desses ativos, bem como uma potencial subestimação nos investimentos previstos, aliadas a um cenário turbulento do setor aéreo, ainda estrangulam a atratividade do projeto.
A avaliação é feita por diferentes agentes do mercado ouvidos pela Agência iNFRA após o MPor (Ministério de Portos e Aeroportos) anunciar que vai lançar neste mês o edital do processo simplificado para leilão de 19 desses terminais regionais, todos localizados na Amazônia Legal e no Nordeste. O MPor publicou hoje (11) a portaria que institui o programa.
Desse primeiro grupo de ativos que vão a leilão, a expectativa no setor é de que entre cinco e no máximo dez aeroportos – num cenário otimista – tenham algum interessado imediato. Fontes apontam que, se o programa conseguir transferir mesmo que apenas um ativo, já será uma vitória para o poder público devido à histórica dificuldade de manutenção e operação de terminais regionais de pequeno porte.
Hoje, a administração desses ativos é delegada a entes subnacionais, os quais na maioria dos casos não têm condições técnicas ou financeiras de manter as operações. A expectativa do governo é de que o programa movimente até R$ 2,7 bilhões em investimentos estruturais e operacionais nesses terminais aéreos.
Mudanças
Pelo modelo construído com o TCU (Tribunal de Contas da União), empresas que já têm a concessão de outros aeroportos no Brasil poderão integrar esses terminais à sua carteira. Em compensação, serão remuneradas por reequilíbrios contratuais. A ideia surgiu durante a tramitação da proposta de solução consensual para o Aeroporto de Guarulhos (SP), administrado pela GRU Airport.
Ainda no governo Bolsonaro, a área técnica já queria endereçar alguma solução a esses aeroportos, mas o plano de fazer PPPs (Parcerias Público-Privadas) não foi à frente pela falta de garantias na contraprestação do poder público. Já no governo Lula, o MPor cogitou fazer um primeiro leilão com 50 unidades divididas em 11 blocos.
No entanto, o formato não foi bem recebido no setor, que via nesse modelo atratividade praticamente nula. A ideia de leiloar ativos em blocos pressupõe que um dos empreendimentos seja rentável para garantir a sustentabilidade do grupo – o que, dificilmente, seria o caso no programa, que olha justamente para terminais deficitários do PAN (Plano Aeroviário Nacional).
Ao anunciar o edital para junho, o MPor revelou que os terminais serão licitados individualmente, uma mudança considerada relevante no setor. “O governo foi muito bem nessa alteração”, afirmou o CEO do MoveInfra, Ronei Glanzmann, à Agência iNFRA.
Para ele, que foi secretário de Aviação Civil, há uma “nobreza” grande na política pública por trás do projeto, tendo em vista a necessidade de conectar as regiões do Brasil pela via aérea. “Você vai fazendo política pública em camadas. Uma primeira foi a concessão dos aeroportos grandes, depois vieram os médios; na terceira camada, os pequenos, e agora já tem os menores ainda. Normal que vá sobrando os que têm menos demanda”, disse.
Na avaliação de Glanzmann, entre os terminais que devem gerar algum interesse no setor privado estão os de Jericoacoara (CE), pelo atrativo turístico; Araguaína (TO) e Aracati (CE), por exemplo. O lado mais complicado, assinala, é justamente a percepção de que grande parte dos aeroportos não deve ter interessados, remanescendo a dúvida do que poderá ser feito com esses ativos.
Riscos e dificuldades
Fontes que operam no mercado aeroportuário ouvidas pela Agência iNFRA listaram o risco de engenharia dos empreendimentos como um dos problemas mais agudos na atratividade do programa. Mesmo que haja uma recomposição no contrato de concessão em andamento, a avaliação é de que, na maioria dos casos, o reequilíbrio – seja em extensão do contrato ou desconto em outorga – não compensaria a “dor de cabeça” que envolve a realização de investimentos e a operação desses aeroportos.
Além disso, há uma questão mais concreta avaliada entre os operadores: a alta possibilidade de o capex/opex previsto para cada terminal estar subestimado, porque foi calculado tendo em conta uma realidade diferente do padrão de operação das grandes concessionárias.
O governo tentou endereçar esse apontamento e, segundo apurou a reportagem, estuda prever que o reequilíbrio do contrato considere o investimento da empresa multiplicado por 1,7 – ou seja, 0,7 ponto, numa espécie de margem de erro para as projeções colocadas nas modelagens. Mesmo assim, a previsão é vista com desconfiança entre as empresas.
O ambiente macro também não é favorável ao projeto. No setor aéreo, as companhias ainda estão se reestruturando após consequências da Covid-19. Com o Chapter 11, a Azul, que tem atuação importante na aviação regional, já indicou que pode reduzir a frota futura em 35%. O cenário levanta dúvidas relevantes sobre a viabilidade de uma empresa assumir um terminal regional com garantias cada vez menores de que o ativo será atendido por algum voo.
A decisão recente do governo federal de aumentar a alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) também pesou negativamente. Há ainda os problemas estruturais do setor. Como a receita das companhias é em real e as despesas relevantes são pagas em dólar, as aéreas têm sofrido com o patamar desvalorizado da moeda nacional. Junta-se a isso um prognóstico pouco otimista dos efeitos da reforma tributária no segmento.
Procurado, o MPor afirmou à Agência iNFRA que o programa passou por consulta pública e recebeu cerca de 200 contribuições, material analisado pelas equipes técnicas da pasta e da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil). O ministério pontuou, por exemplo, que incorporou a sugestão de a oferta dos aeroportos ser feita de maneira individual e não em blocos, “para que as concessionárias tivessem maior flexibilidade na escolha do terminal, levando em conta objetivos e perfis que se coadunam com a atuação dos grupos empresariais”.
O MPor lembrou ainda que os terminais que não despertarem interesse inicial permanecerão em oferta pública permanente. “Com o programa AmpliAR, o governo federal espera dar nova cara aos aeroportos regionais, investindo em melhorias a partir da aplicação da experiência bem-sucedida das concessões em vigor nos principais aeroportos do Brasil”, afirmou a pasta.
A previsão do governo é abrir as propostas em setembro e concluir os ajustes contratuais no âmbito da ANAC até o final do ano.