Dimmi Amora, da Agência iNFRA
Os ministros do TCU (Tribunal de Contas da União) uniram-se para criticar o modelo de relicitação de contratos de concessão de infraestrutura, aprovado com a Lei 13.448/2017, dizendo que ele “não funciona” e que “precisará ser revisto”.
As críticas foram feitas na sessão da última quarta-feira (28) durante o processo que aprovou uma proposta de TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) para que seja possível uma empresa pública do governo do Mato Grosso assumir a concessão da BR-163/MT, que é do governo federal.
Conforme adiantou a Agência iNFRA na edição desta quarta-feira, a MTPar, pública, vai assumir a concessão no lugar da CRO (Concessionária Rota do Oeste), ganhando um prazo maior para fazer as obras atrasadas, o que, na prática, é um reequilíbrio do contrato.
A Lei de Relicitação foi criada em 2017 depois que o Congresso Nacional rejeitou a Medida Provisória 800, que buscava dar maior segurança jurídica para os reequilíbrios de contratos de concessão nos casos em que as concessionárias passam por problemas para a execução. Uma das resistências a esse tipo de solução vinha do próprio TCU.
Mais de cinco anos depois de a lei de relicitação ser aprovada, quase uma dezena de projetos de rodovias e aeroportos que entraram com pedido para que suas concessões sejam assumidas por outras empresas e elas possam sair antes do fim do contrato e receber pelos investimentos não amortizados realizados ainda segue sem ser licitada.
O mais adiantado processo, o da relicitação do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN), está no TCU há mais de um ano em análise. O relator, ministro Aroldo Cedraz, presente à sessão de quarta-feira, não pauta a proposta técnica que foi enviada no semestre passado. Há uma divergência sobre se a indenização pelos ativos não amortizados deve estar calculada antes de o processo ser levado à leilão.
Caso de estudo
Cedraz foi um dos que criticou o modelo da relicitação, mas sem ser específico sobre algum dos temas. O ministro Benjamin Zymler foi mais específico e disse que o caso do reequilíbrio da BR-163/MT, relatado pelo ministro Bruno Dantas, tinha que ser estudado pela doutrina como modelo.
Cauteloso com mudanças de contratos, que segundo ele podem prejudicar investimentos futuros quando são reequilibrados, ele criticou o modelo de relicitação em vigor.
“A gente pode até achar que a relicitação é a melhor coisa do mundo. Mas a relicitação não funcionou e não está funcionando. A relicitação tem que ser revisitada”, disse Zymler.
Mudanças no ordenamento jurídico
Augusto Nardes afirmou ainda que é necessário que o Estado e o TCU evoluam para encontrar soluções mais rápidas para problemas nos contratos. O ministro substituto Weder Oliveira, que constatou que não está havendo solução para os projetos descumpridores de obrigações, sugeriu que o órgão faça um estudo sobre o tema.
Segundo ele, “é preciso compreender o que está acontecendo” para que o tribunal possa sugerir mudanças no ordenamento jurídico para solucionar esse tipo de problema.
Solução só foi permitida por ser pública
A aprovação do TAC que vai permitir que a MTPar, empresa pública do governo do Mato Grosso, assuma a concessão privada da BR-163/MT só foi possível porque a operação envolve um órgão público, explicou o relator do processo no TCU, ministro Bruno Dantas.
Os auditores da Seinfra Rodovias, que analisaram a proposta encaminhada pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), apontaram nove pontos que poderiam levar à necessidade de revisão da proposta.
Mas o ministro do TCU indicou que, apesar de tecnicamente estarem corretos, os riscos apontados pelos auditores não deveriam impedir o prosseguimento do processo por se tratar de um órgão público assumindo, sem intenção de “lucro”. O artigo 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que trata de processos inovadores, foi citado para justificar a decisão.
Um dos pedidos do TAC é para que os processos administrativos na ANTT e no TCU contra a concessionária sejam suspensos durante o período da vigência do TAC. O ministro indicou que isso não poderá ser feito, mas que os ministros da corte vão ser “compreensivos” nas análises, durante o período do TAC.
Pagamento das dívidas
Pela proposta aprovada, a MTPar vai pagar todas as dívidas da concessionária, estimadas em R$ 900 milhões, a maior parte com bancos, e aportar outros R$ 1,2 bilhão para as obras, ao longo dos próximos anos. Os cerca de 350 quilômetros de duplicação e outras obras obrigatórias terão que ser feitos em oito anos (o prazo original era de cinco anos, mas no período só foram feitos 117 quilômetros).
Não haverá mudança nos patamares tarifários. O aditivo que será assinado ao contrato vai prever, no entanto, que ele poderá ser reequilibrado em favor da concessionária em caso de início da operação ferroviária na Ferrovia Norte-Sul.
O ministro Dantas alertou que a ANTT não tem metodologia para identificar se há desequilíbrio em contratos de rodovias com o início da operação de ferrovias na área de influência e recomendou que a agência crie um.
Obras em 2023
O governador Mauro Mendes afirmou que a ideia é que no primeiro semestre de 2023 as obras possam ser iniciadas nos pontos mais críticos da rodovia. Segundo ele, a empresa de economia mista tem flexibilidade para contratar e os projetos e licenciamento para as obras estão prontos.
Na avaliação dele, a solução pela lei de relicitação faria com que as obras só começassem em cinco anos. Segundo o CEO da CRO, Julio Perdigão, os próximos passos após a assinatura do TAC, que deve ocorrer na próxima semana, é a aprovação do plano por parte dos acionistas minoritários da Odebrecht Transport, o BNDESPar e o FI-FGTS, o que ele acredita que não deve ser um problema.
14 mortes em 96 horas
O governador do Mato Grosso, Mauro Mendes, foi até o Tribunal para acompanhar a sessão. Ele afirmou que está trabalhando há dez meses na solução para a rodovia, agradeceu à parceria do Ministério da Infraestrutura e da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e à confiança do TCU em permitir a solução.
Mendes disse que seria fácil adotar a postura de que os problemas com a concessão da rodovia eram de responsabilidade do governo federal, não fazer nada e ficar “atirando pedra”. Mas, segundo ele, não era viável encontrar uma solução de mercado e, nesses casos, o Estado tem que atuar.
“Nas 96 horas anteriores a hoje, 14 pessoas morreram em acidentes na rodovia”, contou o governador em seu pronunciamento.