Amanda Pupo e Sheyla Santos, da Agência iNFRA
Empresas do setor de infraestrutura começaram a trabalhar com dois cenários tributários na preparação para entrar na disputa dos próximos leilões agendados para este ano. A situação é gerada pela incerteza sobre o futuro da MP (Medida Provisória) 1.303/2025, que mexe nas alíquotas das aplicações financeiras e de títulos hoje isentos.
A derrubada do decreto federal que aumentava a alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) deu força à avaliação do setor privado de que o governo terá dificuldades para avançar na MP. Mas a “fotografia” do momento não é garantia de que as mudanças não irão se confirmar. Com isso, foi adicionado um grau de insegurança para a estruturação e o apetite dos próximos projetos, apontam representantes do segmento.
Para as empresas de infraestrutura, a alteração mais preocupante foi nas debêntures incentivadas, uma das principais fontes de captação de recursos no mercado. A isenção ao investidor pessoa física, mecanismo que visa incentivar esse tipo de funding, só será válida para títulos emitidos e integralizados até o final deste ano. A partir de 2026, haverá tributação de 5%.
Além disso, as empresas ainda estão analisando os efeitos de outra mudança feita pela MP, que inicialmente não foi percebida, mas tem potencial de elevar de 15% para 25% a alíquota paga pelas empresas que compram debêntures, como adiantou reportagem da CNN Brasil. O aumento é resultado do fim do regime de tributação exclusiva na fonte.
Um técnico da Fazenda argumentou à Agência iNFRA que, na prática, a alíquota ficará inferior a 25% em razão das compensações e deduções tributárias às quais as empresas têm direito. Porém, a situação será diferente para cada companhia. Além disso, a redação deixou dúvidas no mercado e em setores do próprio governo.
Áreas do Executivo ligadas à infraestrutura ficaram insatisfeitas com a MP, de modo geral, especialmente por se tratar de um momento em que o financiamento está mais desafiador pelo alto patamar dos juros, de 15% ao ano. Enquanto isso, o poder público não tem recursos para realizar, sozinho, os investimentos necessários para ampliar a infraestrutura, dependendo cada vez mais do capital da iniciativa privada.
No BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), ator importante para o financiamento e a estruturação de projetos em infraestrutura, a preocupação é “grande”, classificou uma fonte.
“Pior cenário”
Para o superintendente Jurídico da Abcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto), Felipe Cascaes, a situação gerada pela medida provisória pode gerar uma diminuição do apetite das empresas nos próximos leilões, especialmente, no valor de outorga ofertado.
Embora o mercado avalie momentaneamente que a MP não deve avançar, principalmente após a derrubada do decreto do IOF, as empresas precisam “sempre” se preparar para o “pior cenário”, assinalou Cascaes. “Eu diria que é uma tendência haver uma contenção das empresas até entenderem o cenário de forma mais definitiva”, disse o representante da Abcon.
Entre os leilões programados para este ano no saneamento está o do chamado bloco C no Pará, em agosto, além de projetos em Pernambuco e Rondônia.
A MP foi editada pelo governo em 11 de junho e já tem 678 emendas apresentadas por parlamentares. Para as regras continuarem em vigor, o Congresso precisa chancelar o texto em até 120 dias. Se o prazo for integralmente usado, a incerteza sobre o desenho final das mudanças tributárias pode perdurar até outubro.
O CEO da MoveInfra, Ronei Glanzmann, disse à Agência iNFRA que a sinalização dada pela medida é “muito ruim”, já que onerar investimentos em infraestrutura, em sua avaliação, é um “equívoco retumbante”. “Planejamento, previsibilidade e segurança jurídica são premissas fundamentais para viabilizar esses projetos”, avaliou Glanzmann, para quem o episódio prejudica “bastante” a reputação do programa de concessões de infraestrutura do país. “O Brasil compete num mercado global para atrair investidores e estávamos indo muito bem até aqui”, comentou.
Conversas com o BNDES
O cenário tem mobilizado áreas internas do governo ligadas ao setor de infraestrutura. As conversas têm ocorrido principalmente entre ministérios setoriais e o BNDES. Nesta semana, autoridades da instituição financeira se reuniram com integrantes do MPor (Ministério de Portos e Aeroportos). Já houve um encontro também com o Ministério dos Transportes.
No banco, técnicos avaliam que a mudança na tributação de empresas que compram debêntures vai causar um “impacto imenso”, seja em projetos novos ou antigos no setor de infraestrutura.
Nesta quinta-feira (26), o secretário-executivo da pasta, George Santoro, foi questionado sobre o tema e mencionou as “várias interpretações” do mercado sobre o aumento da alíquota para o investidor PJ.
“Está aumentando a carga tributária de 15% para 17,5%? De 15% para 25% para PJ? Tem várias interpretações em relação ao texto da lei, mas precisa ficar mais claro para todo o mundo. Acho que a Fazenda vai trabalhar isso agora no Congresso para deixar bem claro o objetivo. Então, dependendo do tipo de posicionamento, vai variar um pouquinho a visão do mercado”, respondeu Santoro a jornalistas, após o leilão simplificado do contrato repactuado da BR-101/ES/BA.