19/09/2025 | 08h00  •  Atualização: 22/09/2025 | 12h20

MRS: TCU aprova conta privada para depósito, mas vai avaliar instrumento

Foto: MRS

Amanda Pupo, da Agência iNFRA

O TCU (Tribunal de Contas da União) deu aval na última quarta-feira (17) à repactuação da concessão da Malha Sudeste, operada pela MRS, que terá de pagar cerca de R$ 2,8 bilhões pela mudança no contrato com o governo. Esses recursos serão depositados em uma conta da concessionária e alimentarão outros projetos ferroviários – futuras concessões federais que precisam de aportes externos para serem viáveis financeiramente. 

Foi uma vitória do Ministério dos Transportes, que temia uma negativa da corte de contas ao uso dessa conta após a unidade fiscal do tribunal se colocar contrária ao instrumento. A princípio, o ministro relator, Jorge Oliveira, iria acompanhar esse entendimento, mas foi convencido a deixar que o tema seja discutido profundamente em outro processo específico que ainda será analisado pelo TCU. 

“A sistemática de aporte e a aplicação subsequente de recursos por meio de contas vinculadas deverá ser objeto de análise em processo(s) específico(s)”, diz o acórdão, que pode ser lido aqui

O arranjo, sugerido pelo ministro Bruno Dantas, permitiu que o acordo de solução consensual da MRS fosse aprovado por unanimidade no plenário da corte – o texto foi fechado em abril na SecexConsenso. Com isso, a destinação dos recursos que serão pagos pela MRS está resolvida e deverá ajudar o governo a viabilizar novas concessões. Entre elas, possivelmente a EF-118, que liga o Espírito Santo ao Rio de Janeiro, e cuja licitação está prevista para 2026. A proposta de edital deve ir a análise do órgão de controle em outubro.

Mas a solução deixa pendente a posição definitiva do tribunal sobre o uso da conta privada em outros contratos ferroviários – embora alguns ministros já tenham indicado simpatia ao mecanismo. Como já mostrou a Agência iNFRA, o Ministério dos Transportes quer prever o instrumento, por exemplo, na renovação da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica), cuja proposta ainda será remetida ao TCU. A ideia era usá-lo também na repactuação dos contratos da Vale – que não foi à frente por falta de acordo na comissão de solução consensual. 

Novo modelo 
A grande controvérsia no projeto da MRS foi a previsão da conta privada para a concessionária depositar os recursos devidos (veja na reportagem abaixo detalhes sobre a origem do montante). O ponto principal foi a forma como o governo decidiu fazer o investimento cruzado, previsto desde 2017 em lei para o setor de ferrovias. 

Depois da experiência das renovações de contratos que começaram em 2020, o diagnóstico foi de que colocar as operadoras de ferrovias para executar obras fora de suas concessões gerou uma série de problemas. Por isso, o Ministério dos Transportes sugeriu que, em vez de construírem uma nova ferrovia, as concessionárias depositem os recursos devidos numa conta bancária específica do contrato. 

De lá, o dinheiro será diretamente para outra concessão, a ser licitada, com obra executada por quem arrematar o ativo no leilão. A operação de transferência será gerida e fiscalizada pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), enquanto ficaria a cargo do governo definir em qual projeto os recursos seriam alocados. 

Pelo acordo fechado com a MRS, e agora aprovado pelo TCU, a aplicação dos recursos dependerá de regulamentação específica de governança, que será elaborada pela ANTT e pelo Ministério dos Transportes em até 120 dias antes do vencimento da primeira parcela devida pela concessionária. Veja aqui as regras já previamente desenhadas pela pasta. Além disso, o Ministério dos Transportes deverá informar à ANTT o projeto que será contemplado no prazo de até noventa dias antes do vencimento de cada parcela.

Cinco empreendimentos foram listados no processo da MRS como potenciais destinos dos recursos. Além da EF-118, o corredor Fico-Fiol (corredor Leste-Oeste), a Malha Centro-Leste (operada hoje pela FCA/VLI); a Malha Oeste – que será novamente licitada com o fim do contrato da Rumo –, e o ramal Açailândia-Barcarena.

Saída costurada
Após o MPTCU (Ministério Público junto ao TCU) se colocar contrário ao acordo, a controvérsia do uso da conta privada ganhou fôlego com um parecer da AudFiscal (Unidade de Auditoria Especializada em Orçamento, Tributação e Gestão Fiscal). Entre outros pontos, essa área do tribunal interpretou que o investimento cruzado previsto em lei direcionou seu uso à execução direta das obras pelas concessionárias.  

O relator do caso, Jorge Oliveira, concordou com a AudFiscal e, por isso, sua primeira versão de voto condicionava a aprovação do acordo da MRS ao pagamento dos recursos diretamente para o caixa da União – ou, como alternativa, prevendo que as obras do investimento cruzado fossem executadas pela própria empresa. Antes de concluir a leitura de seu voto na sessão, o ministro, por sua vez, explicou ter recebido contribuições de colegas que o fizeram reconsiderar em parte a proposta de acórdão, em especial o que ouviu do ministro Bruno Dantas. 

Em seu voto, Dantas apontou que a condicionante inicialmente prevista pelo relator modificaria a “estrutura central” do que foi negociado na SecexConsenso. “Ao impor condições não pactuadas para a homologação do acordo, o Tribunal transmudaria seu papel de mediador e retornaria a uma posição de controle impositivo sobre um aspecto operacional a ser executado posteriormente, sem o devido processo legal de controle externo, o que pode desestimular o uso futuro deste valioso instrumento de resolução de controvérsias”, escreveu o ministro. 

Durante a sessão, Dantas também disse que, a princípio, não enxerga uma restrição do uso do investimento cruzado apenas a casos com “obrigação de fazer” pela concessionária.  “Quando se fala de investimento em projetos ferroviários, isso leva tempo, não se faz um desembolso instantâneo, até porque isso violaria a própria jurisprudência do tribunal de que o desembolso financeiro deve corresponder à execução física do projeto (…) Todos nós aprendemos nas aulas de hermenêutica jurídica que o intérprete deve dar à legislação uma interpretação conforme a Constituição e que não conduza ao absurdo ou ao impossível”, disse Dantas, pontuando que o debate ainda será aprofundado em processo específico. 

Jorge Oliveira disse reconhecer que a lei prevê o reinvestimento no setor ferroviário diante da carência de recursos no orçamento geral da União. E afirmou entender que impor à concessionária a obrigação de fazer um investimento em outra malha ferroviária que não seja a sua própria “acaba por ser a alternativa mais complexa na maioria dos casos”. Mesmo assim deixou consignado em voto a avaliação de que a sistemática das contas privadas “fere” os princípios orçamentários, embora reconhecendo que o processo de solução consensual não seria o meio adequado para essa discussão. 

Além de Dantas, outros ministros sinalizaram simpatia pela solução da conta privada como forma de viabilizar o investimento cruzado. “Qual que é o objetivo da norma? É exatamente a realização de investimentos. O que nós estamos autorizando é a realização de investimentos da maneira mais célere possível. Acredito que estamos fazendo um voto que é igualmente histórico e muito relevante dentro nesse novo ambiente que vivemos em prol da infraestrutura”, disse o ministro Antonio Anastasia. 

O ministro Walton Alencar parabenizou a saída costurada pelos colegas e disse que a questão, “da mais alta relevância”, será objeto de análise num processo já relatado pelo ministro Benjamin Zymler e que trata de contas vinculadas nas concessões rodoviárias – que, por sua vez, têm um propósito diferente das contas previstas para os processos ferroviários.

“Lá [no caso das rodovias] não há esses investimentos cruzados. E eu já antecipo dizendo que eu poderia analisar também a questão do subsídio cruzado”, disse Zymler. “Essa é uma solução vantajosa. Vantajosa para todos nós, para o próprio Brasil, para os investimentos”, completou o ministro sobre o acordo da MRS. 

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