Lais Carregosa, Gabriel Vasconcelos e Marisa Wanzeller, da Agência iNFRA*
A possibilidade de controle das chamadas usinas de geração distribuída tipo 3, que são empreendimentos maiores conectados diretamente às redes das distribuidoras, pode envolver até 20 GW (gigawatts), afirmou nesta quarta-feira (1º) o diretor-geral do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), Márcio Rea. No entanto, fontes avaliam que a proposta pode ter efeito limitado para reduzir os cortes obrigatórios de energia, o “curtailment”, das usinas centralizadas eólicas e solares, e ser mais uma medida paliativa.
“Eu imagino que seja um impacto muito restrito, considerando como essas usinas estão conectadas e onde estão conectadas”, disse o presidente da ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída), Carlos Evangelista. “O problema não está exatamente no tamanho da usina, mas em onde está essa usina, a localização dessa usina e qual o problema que eu quero resolver.”
Segundo fontes relataram à Agência iNFRA, a maior parte desses empreendimentos, que serão passíveis de cortes, estão nas regiões Sudeste e Sul do país. Por outro lado, a predominância dos cortes de eólicas e solares atualmente se dá no Nordeste.
Carlos Evangelista aponta que a modulação da geração dessas usinas pode ajudar no atendimento da ponta, mas não necessariamente com a redução do curtailment. “Se eu tenho um problema no Nordeste de excesso de usinas, não tem linhas de transmissão suficientes para escoar toda a produção de energia, e vou mexer numa usina que está aqui na região Sudeste, para esse tipo de problema a capacidade de impacto não vai fazer a menor diferença”, avalia.
Por outro lado, “para o problema da curva do pato, poderia ajudar bastante”, pondera. “Essa usina poderia, por exemplo, entrar bem na hora em que eu necessito a maior potência no sistema, que é no final da tarde.”
PCHs e CGHs como potência
À Agência iNFRA, o gerente de Geração da Abrapch (Associação Brasileira de Pequenas Centrais Hidrelétricas e Centrais Geradoras Hidrelétricas), Vinicius Murussi, explicou que a maior parte das usinas tipo III são PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) e CGHs (Centrais Geradoras Hidrelétricas). Segundo o técnico, a intenção do plano apresentado pelo ONS é fazer uma “modulação ordenada” dessas usinas, usando-as para atender ao pico de carga.
“Na grande maioria, essas usinas estão em redes de média tensão e essa informação não chega para o Operador Nacional. E então entra o papel da distribuidora de conseguir, junto com o ONS, fazer essa coordenação: em que momento é propício ter essa geração, quando que preciso ordenar isso”, declarou. De acordo com ele, por exemplo, o estado de Mato Grosso tem cerca de 850 MW de potência nessas usinas que atualmente não são operáveis porque o ONS não as “enxerga”.
No entanto, Murussi ressalta que é necessária uma precificação horária para as usinas – como acontece no PLD-horário (Preço de Liquidação das Diferenças) no mercado livre – que valorize o adicional de flexibilidade que estariam oferecendo ao sistema. “Principalmente as CGHs, são o que chamamos de ‘bacias de acumulação’. Elas não têm reservatório e precisamos equalizar isso, porque a usina, de certo modo, vai querer gerar 24 horas [por dia]. Tendo água, vão querer produzir durante todo o período”, explicou.
O gerente da Abrapch explica ainda que a proposta é equalizar, de forma contábil, a remuneração das usinas de forma que elas recebam como se tivessem gerado o dia inteiro. A iniciativa, no entanto, dependeria de adequar a regulação da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) a esse cenário.
O plano apresentado pelo operador está neste momento em análise pela ANEEL, a quem cabe a regulamentação de uma norma, e envolve usinas como térmicas a biomassa, PCHs, CGHs e usinas de geração solar conectadas diretamente à rede de distribuição.
Medidas paliativas
Elbia Gannoum, presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias), aponta que o plano de operar as usinas tipo III é mais uma “medida paliativa” que se fez necessária para a operação segura do sistema. Mas que, assim como ocorreu com os cortes da geração centralizada, além de não solucionar o problema, traz consequências, ponderou.
Da mesma forma que os cortes levaram a um prejuízo financeiro elevado para os geradores centralizados, que pedem ressarcimento, as usinas conectadas à distribuição “também vão pedir ressarcimento”, avalia Elbia. “Você não está resolvendo o problema na raiz. Você está trazendo medidas paliativas até você trazer uma solução estrutural para o problema”, disse à Agência iNFRA.
A presidente da Abeeólica avalia que o ONS está tomando a decisão certa com base na regulação existente, mas que é uma “situação provisória”. No seu entendimento, algumas soluções mais efetivas seriam: 1) a instalação de baterias – tanto no sistema, quanto na MMGD (Micro e Minigeração Distribuída) solar; 2) adoção de sinal de preço adequado, por meio de tarifas diferenciadas, como a tarifa horária e a tarifa binômia; e 3) o fim dos subsídios, sendo este o mais estrutural.
“O Brasil tem que parar com subsídios. Chega de subsídios para qualquer fonte, porque os subsídios estão dando um sinal perverso, estão levando o setor elétrico para essa armadilha que nós estamos agora, e não é a primeira armadilha. Nós estamos enfrentando uma série de armadilhas pelo excesso de subsídios neste país”, afirmou Elbia.
‘Margem de manobra’
À Agência iNFRA, o diretor de operações do ONS, Christiano Vieira, destacou que o volume de 20 GW é o potencial que poderá ser controlado das usinas tipo III, mas o que de fato poderá ser cortado ou modulado depende de alguns fatores, como relacionados à rede, capacidade de modulação, supervisão de distribuidoras, entre outros.
Christiano ainda disse que, apesar do plano para gestão do excedente de geração, a preferência será continuar operando as usinas centralizadas, avançando para as demais somente quando necessário para garantir a operação segura do sistema.
“A preferência é sempre atuar no ambiente centralizado em eólica e solar, mas podemos ir além disso nos momentos de vale [da carga] porque tem um limite [no centralizado]. A ideia é ter margem de manobra. Isso aconteceria por meio das distribuidoras. Pode ser um corte, ou só uma modulação, que é gerar menos em um horário e mais em outro”, disse o diretor à imprensa após cerimônia do “1° Prêmio ONS de Qualidade na Operação”, no Rio de Janeiro.
*Colaborou: Geraldo Campos Jr.








