José Aliperti*
O Brasil superou o desafio do acesso à educação básica há mais de duas décadas. Desde o início do século XXI, a imensa maioria das crianças e adolescentes de 5 a 17 anos está matriculada na escola, segundo dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Esse avanço foi decisivo para a construção de um país mais justo e igualitário. Mas, apesar disso, a qualidade da infraestrutura oferecida para os alunos e professores ainda é um grande desafio.
Isso reflete diretamente no resultado da aprendizagem. Por exemplo, no exame do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), promovido pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), onde avaliamos regularmente a proficiência em leitura, matemática e ciências dos estudantes com 15 anos em mais de 80 países, o Brasil progrediu muito pouco ao longo das últimas duas décadas e permanece entre os 20 últimos colocados, segundo a edição mais recente, divulgada em 2023. Esse resultado mostra que ampliar vagas foi apenas o primeiro passo. Ainda precisamos encontrar caminhos para garantir que os alunos, de fato, aprendam.
Para isso, é preciso enfrentar obstáculos já bem conhecidos – como a formação e valorização dos professores, a definição de um currículo coerente, a qualificação da gestão escolar e, entre todos eles, a necessidade urgente de melhorar a infraestrutura.
Embora nem sempre seja o problema mais discutido, a precariedade da infraestrutura escolar é o mais visível – e, portanto, torna-se o mais urgente. Afinal, como promover aprendizagem sem sala de aula, luz ou banheiro funcionando? Esses entraves consomem tempo e energia das secretarias de educação e dos gestores escolares, deixando pouco espaço para se dedicar ao que é realmente importante: a aprendizagem, a formação docente e a inovação pedagógica.
Segundo estudo da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), intitulado “Qualidade da infraestrutura das escolas públicas do ensino fundamental no Brasil”, apenas 2,7% das escolas públicas brasileiras possuem a infraestrutura ideal para uma educação de qualidade em padrões internacionais, revelando a alarmante gravidade do cenário. Ou seja, são instituições de ensino que abrangem uma infraestrutura completa com água potável filtrada e saneamento básico, energia elétrica, banheiros, cozinha e refeitório, biblioteca ou sala de leitura, laboratórios de ciências e informática, quadra de esportes, equipamentos multimídia, instalações em bom estado de conservação, acesso à internet banda larga para uso dos alunos e acessibilidade com infraestrutura adequada para pessoas com deficiência.
Para além disso, o Todos Pela Educação publicou, em seu Anuário da Educação, um capítulo sobre infraestrutura, analisando os dados do Censo Escolar, que revela, por exemplo, que mais da metade das escolas públicas do país não conta com sistema de esgoto.
A precariedade da infraestrutura penaliza não só os estudantes, mas também professores e gestores, tornando quase impossível inovar, ensinar bem ou manter a comunidade engajada diante da falta de recursos básicos. É por isso que a infraestrutura precisa ser tratada como parte da solução. A própria Unesco já demonstrou, com base em pesquisas internacionais, que o desempenho dos estudantes melhora significativamente quando as escolas oferecem ambientes seguros, limpos, acessíveis e estimulantes.
Melhorar a infraestrutura escolar, portanto, não é apenas uma questão operacional. É um pressuposto básico para criar um ambiente onde o trabalho docente possa florescer e onde o foco da gestão possa, enfim, se voltar àquilo que realmente importa: o aprendizado.
Eu acredito na educação pública, gratuita e de qualidade como um dos pilares de uma sociedade mais justa. E é justamente por acreditar nisso que defendo a necessidade de inovarmos também nos caminhos para garantir essa qualidade – especialmente quando falamos de infraestrutura.
É nesse contexto que as PPPs (Parcerias Público-Privadas) educacionais surgem como uma ferramenta concreta para acelerar a transformação do parque escolar brasileiro. Não se trata de transferir responsabilidades para o setor privado – afinal, a construção e reforma de escolas, assim como atividades de limpeza, manutenção, vigilância e alimentação escolar já são, em sua maioria, contratadas com empresas. A PPP é uma forma mais eficiente de organizar vários serviços em um único contrato, facilitando a gestão pelas secretarias e garantindo compromisso de longo prazo e um melhor alinhamento de interesses. Além disso, o modelo promove a qualificação técnica das empresas responsáveis por esses serviços, ao exigir padrões elevados de entrega e mecanismos consistentes de fiscalização.
Essa lógica tem produzido resultados promissores. Segundo estudo da FGV (Fundação Getulio Vargas), diretores de escolas operadas em regime de PPP conseguem dedicar até 70% de seu tempo a atividades pedagógicas – um salto relevante em relação aos 30% observados em escolas geridas exclusivamente pelo poder público.
É um modelo que vem ganhando tração. Em 2024, o número de projetos de PPPs educacionais bateu recorde e cresceu 8 vezes em relação ao ano anterior, e atualmente reúne mais de 150 empreendimentos em estruturação no país, segundo levantamento da Radar PPP.
Mas é importante dizer: PPPs não são bala de prata. São uma alternativa – e, em muitos casos, uma alternativa viável – dentro de um leque de soluções que precisam ser debatidas com seriedade, transparência e compromisso com o interesse público.
É difícil aceitar que, em pleno século XXI, milhões de estudantes brasileiros ainda aprendam – ou tentem aprender – em escolas com esgoto a céu aberto, sem ventilação, sem acesso à internet, sem espaços adequados para brincar, explorar, se desenvolver. E é igualmente difícil aceitar que professores, que já enfrentam tantos desafios, precisem dar conta de sua missão em estruturas que mais parecem resistir do que apoiar seu trabalho.
A educação pública brasileira precisa de um pacto realista e corajoso. Não se trata de escolher entre valorizar professores ou reformar prédios – é preciso fazer ambos. E fazer com urgência.
O Brasil já assegurou que nossas crianças estejam na escola. Agora, nos cabe garantir que elas aprendam. E isso só será possível quando o ambiente escolar deixar de ser um obstáculo e se tornar, de fato, um aliado no processo de ensino e aprendizagem.
*José Aliperti é fundador da Astra Concessões Educacionais.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.