Paulo Resende*
A renovação antecipada da concessão da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica) é um catalisador das discussões sobre a importância das ferrovias para o desenvolvimento do Brasil. Nenhum outro processo em curso até aqui gerou tantas discussões – muitas delas válidas, mas ao mesmo tempo variadas e peculiares pela sua exposição à diversidade logística de um país de dimensões continentais. Portanto, a diferença é algo natural, uma vez que, e especificamente, a malha da FCA passa por sete estados e mais de 250 municípios, que possuem desejos diversos relacionados à atividade da ferrovia. Neste contexto, é preciso ter em mente que, embora legítimos, tais pleitos e anseios não podem comprometer a inequívoca vantajosidade de renovar demonstrada ao longo do tempo.
Isso porque, em primeiro lugar, esse é um processo consolidado, que vem amadurecendo há quase dez anos, havendo transcorrido ao longo de quatro diferentes governos. Ou seja, ele não representa a visão única de um governo, mas é resultado do amadurecimento do diálogo com estados e sociedade, além do aprendizado adquirido pelos órgãos reguladores com base em outras renovações antecipadas que já estão em fases mais avançadas – em ferrovias da Vale, Rumo e MRS. Não é cabível nenhum retrocesso, pois iria afetar sobremaneira a imagem do Brasil no exterior.
Em segundo lugar, diferentemente do que já ocorreu em concessões rodoviárias, com sérios prejuízos para estados como Minas Gerais, a concessionária atual tem o desejo de continuar a operação, no âmbito e contexto da previsão contratual da possibilidade da prorrogação da concessão por mais 30 anos. Ou seja, o caso agora é de negociar condições que sejam favoráveis tanto do ponto de vista do interesse público quanto da concessionária.
Como mencionado, a renovação da concessão da FCA é complexa por natureza. Não se trata de simplesmente chegar a uma solução monetária, porque a ferrovia tem abrangência em boa parte do território nacional, e isso vai exigir um esforço para se afastar o que na teoria dos jogos é conhecido como “jogo de soma zero”, onde os ganhos de um representam as perdas do outro. Sob a ótica de uma estratégia nacional, os compromissos de aumentar investimentos em busca de uma participação qualitativamente ampliada das ferrovias na matriz de transportes poderão ocasionar uma menor cobertura na rede logística, dado o fato inerente do retorno comprometido, o que contraria a lógica dos investimentos privados. Ainda no campo da teoria dos jogos, o “possível ganha-ganha” dependerá de negociações que possam garantir recursos para que os estados e a União tenham alternativas em nome do desenvolvimento.
Um terceiro e relevante aspecto é a segurança jurídica. A conclusão do processo consolidará a confiança dos investidores no marco regulatório brasileiro. A repactuação das concessões é um processo de um país maduro, que confia nas instituições à frente deste rito. Concluir representa a institucionalização da confiança de que esse processo teve seus percalços e negociações difíceis, mas que chegou a uma intenção séria e sólida de continuar contribuindo com o avanço da infraestrutura nacional.
A existência de pleitos governamentais eventualmente não atendidos não desabona o processo. O Brasil é um país federativo. A concessão e o processo de renovação são federais; portanto nada mais natural que um ente federal – neste caso os estados – faça pedidos referentes a ele com total liberdade. Ocorre que existe uma limitação orçamentária quando comparada ao volume de demandas.
Há cerca de três décadas, o Brasil vivia momentos de grande desolação para com o seu setor ferroviário. A ferrovia era considerada um modo de transporte restrito ao minério de ferro. O tempo passou e agora ela se transforma em centro de atenções e desejos. Mas como ensina a sabedoria popular, em um cenário em que todos têm razão, ninguém leva o pão. Como dizem os representantes do poder concedente, o cobertor é curto. Será que o governo federal e seus entes federados são capazes de elevar a discussão no sentido da evolução logística do Brasil? É certo que sim. Sendo assim, é preciso atingir um conjunto de balas de prata: projetos que tenham a capacidade de mudar o cenário ferroviário brasileiro e para onde devem ser direcionados os recursos desse processo.
Portanto, o projeto de renovação da FCA não pode ser um momento de questionamento sobre a função estratégica da maior parte de sua malha centenária, que precisa ser modernizada para elevar seu nível de serviço, inclusive para que supostos gargalos sejam definitivamente colocados à prova, e que, se assim o forem, sejam objeto de aumento da capacidade operacional. Mundo afora, investir em via permanente é um papel que classicamente cabe aos governos federais. As renovações antecipadas conseguem desonerar o contribuinte brasileiro e a União deste esforço, o que novamente revela a necessidade de dar andamento a esse processo.
*Paulo Resende é coordenador do Núcleo de Infraestrutura, Supply Chain e Logística da FDC (Fundação Dom Cabral).
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