Julio Favarin*, Aline Huber** e Bianca Piraíno***
Em 2023, publicamos o artigo “Contêineres em Santos – verticalização ou distração?”, no qual argumentamos que o debate sobre a verticalização na operação portuária estava desviando o foco dos investimentos urgentes necessários. Há poucos meses, esse debate foi retomado com uma consulta pública da APS (Autoridade Portuária de Santos) sobre o planejamento do porto, quando se apresentou uma visão de que a capacidade dos terminais existentes e das expansões anunciadas já seriam suficientes para dispensar o projeto de um novo terminal de contêineres na região do Saboó (denominado STS10, anunciado desde 2022). Essa proposta causou uma forte reação do setor, pois vários estudos e o próprio PDZ (Plano de Desenvolvimento e Zoneamento) de 2020, corroborados por dados operacionais dos últimos três anos, indicam que a capacidade de movimentação de contêineres em Santos está diante de um colapso iminente.
Os sinais de falta de capacidade são claros. De janeiro a junho de 2024, o desvio de carga para portos vizinhos foi significativo: o Porto do Rio de Janeiro registrou um crescimento de 65% na movimentação de contêineres, Vitória cresceu 61%, Paranaguá 34% e Santos apenas 15% (com 80% dos navios registrando atrasos), segundo dados da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e da Ellox. As recentes aquisições da Santos Brasil pela CGA CGM e da Wilson Sons pela MSC fortalecem o contexto em que a falta de capacidade provocou aumento de preços e restrições que justificaram movimentos mais agressivos de verticalização.
Segundo dados da APS, a participação do transbordo caiu de 27,1% para 23,7% desde 2021, um reflexo direto da falta de capacidade para movimentação e da necessidade de investimentos no canal de acesso para receber navios maiores. Com o programa BR do Mar, sancionado em 2022, o governo busca aumentar a participação da cabotagem de 11% para 30% na matriz logística, visando reduzir custos, descongestionar rodovias e descarbonizar o transporte. No entanto, a infraestrutura de Santos ainda não é adequada para atingir essa meta.
Portos são pontos sensíveis na cadeia logística, onde diferentes modais de transporte e cargas se conectam. Um porto não é um carro de Fórmula 1, cujo objetivo é extrair a performance extrema, a qualquer preço. Operar no limite de capacidade é imprudente, pois aumenta riscos, custos e ineficiências. Modelos de simulação e teoria de transportes indicam que a ocupação ideal de berços deve estar em torno de 70% para garantir segurança e resiliência. A suposição de que Santos teria capacidade sobrando baseia-se na premissa equivocada de que 30% de uma ocupação máxima estão disponíveis. Na prática, esses breves períodos de ociosidade não são adequados para acomodar navios de contêineres, alterando rotas internacionais com paradas em diversos portos para escalar Santos dentro de uma janela pequena, sem margem. Isso seria comparável a afirmar que aeroportos podem operar normalmente na madrugada e absorver toda a demanda programando os voos fora dos horários congestionados.
Além da cabotagem, outro objetivo relevante é aumentar de 33% para 40% a participação ferroviária no transporte de cargas até 2040, conforme o PDZ. Um terminal com ramal ferroviário será essencial para atender à demanda adicional de contêineres prevista nas renovações das concessões da Rumo Malha Paulista e da MRS Logística. Essa expansão é crucial para descongestionar rodovias e contribuir para a descarbonização do transporte.
Nesse contexto, o projeto STS10 surge como o principal investimento do setor hoje. O novo terminal tem o potencial de resolver as limitações existentes, fortalecendo a logística nacional e elevando a infraestrutura portuária a um novo patamar. Com quatro novos berços de atracação, o STS10 adicionará capacidade significativa, e a decisão de não impor restrições de participação aos armadores está em consonância com as práticas globais, aumentando a competitividade do porto. A inclusão de um ramal ferroviário de alta capacidade permitirá maior participação das ferrovias no transporte de contêineres, atendendo às metas do PDZ e fortalecendo a integração modal. A coexistência entre cargas de cabotagem e de longo curso será incentivada, promovendo operações de transbordo mais eficientes e sustentáveis. Outro ponto positivo é a exigência de equipamentos elétricos para o cumprimento das metas de carbono zero, alinhando o projeto às políticas de descarbonização. Tendo em vista as críticas que o projeto recebeu na consulta de 2022 em relação a subestimação dos valores de investimentos, para absorver todos os ajustes necessários e incluir melhorias importantes (como acesso ferroviário, maior área útil, cobrança reduzida para transbordo, 4º berço e eletrificação), poderia se cogitar um contrato de 35 anos.
Complementarmente, o aprofundamento do canal de acesso será essencial para que o Porto de Santos atinja o padrão de portos internacionais para receber navios de até 366 metros, uma realidade que já existe em cinco portos brasileiros, potencializando seu papel concentrador e viabilizando o uso uma frota mais eficiente para todo o sistema portuário brasileiro. O anúncio recente das obras de derrocagem que permitirão o aprofundamento do canal, e dos estudos de ampliação do acesso na região da Alemoa mostram o caminho. Sem dúvida, o STS10 será o maior projeto da gestão atual do Ministério dos Portos e Aeroportos, tanto pelo volume financeiro quanto pela transformação da matriz de transportes.
* Julio Favarin é sócio-fundador da Garín Partners, assessoria financeira especializada em Infraestrutura. Engenheiro Naval e Mestre pela USP e Economista pela PUC-SP.
** Aline Huber é associada na Garín Partners. Engenheira Civil com MBA pela ESALQ-USP. Coordenou a elaboração dos Planos Mestres de diversos portos pelo LabTrans/UFSC.
*** Bianca Piraino é economista pela PUC de São Paulo. Especialista em estudos de mercado e análises setoriais.
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