04/06/2025 | 09h00  •  Atualização: 05/06/2025 | 05h56

Sem sabatinas e com quadro de restrição fiscal, proposta para aliviar orçamento de agências reguladoras estaciona

Marília Sena e Sheyla Santos, da Agência iNFRA

A demora na sabatina dos indicados para os cargos de diretores-gerais das agências reguladoras enfraqueceu o poder de articulação das autarquias no Congresso Nacional, que discute formas de dar algum alívio às restrições orçamentárias que esses órgãos enfrentam nos últimos anos. Pesa contra ainda o quadro fiscal do país.

O diagnóstico foi relatado à Agência iNFRA por fontes envolvidas na articulação do PLP (Projeto de Lei Complementar) 73/2025, que propõe alterações na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) para excluir as despesas das agências reguladoras federais das limitações de empenho e movimentação financeira.

Se, por um lado, a proposta perdeu impulso dentro do Congresso, por outro, a situação desses órgãos ficou ainda mais estrangulada depois da última sexta-feira (30), quando o governo detalhou os afetados pelo congelamento de R$ 31,3 bilhões no orçamento. Como mostrou a Agência iNFRA, o movimento, na prática, reteve perto de 25% da verba que as agências voltadas à infraestrutura têm à disposição no ano, em média.

No Congresso, o PLP que tenta preservar esses recursos é de autoria do senador Laércio Oliveira (PP-SE) e articulado pelo deputado Júlio Lopes (PP-RJ). Mas, além de a proposta ter perdido parte do engajamento das agências, a preocupação com o cenário fiscal do governo ajudou a esfriar o andamento do projeto. 

Agência iNFRA apurou que o texto perdeu impulso ainda após a SRI (Secretaria de Relações Institucionais) do governo federal solicitar ao senador Davi Alcolumbre (União-AP) que não desse prosseguimento ao PLP.

Uma avaliação feita no Executivo é de que, neste momento, a matéria seria prejudicial para as contas públicas. O Ministério da Fazenda tenta arrecadar mais recursos para alcançar a meta de zerar o déficit público neste ano, enquanto o projeto vai na contramão por dificultar a gestão orçamentária e o cumprimento do objetivo fiscal. 

Indefinição nas agências
No início de maio, 11 diretores das agências reguladoras reuniram-se em um almoço no Senado Federal para discutir a tramitação do projeto. Na época, havia a expectativa de uma articulação “bem encaminhada”, como informou o deputado Júlio Lopes à Agência iNFRA.

Mas hoje, a avaliação é de que diretores sem mandato definido têm menos força para cobrar do governo um orçamento melhor. Outro ponto levantado no Congresso é que, como alguns buscam a indicação para um posto efetivo nos órgãos, não poderia haver uma movimentação tão incisiva num projeto que não tem o apoio do Executivo. “Caso eles sejam indicados e sabatinados, é outro capítulo. Por enquanto, o projeto permanece estagnado”, afirmou uma fonte.

A expectativa é que as sabatinas dos indicados às autarquias aconteçam na segunda quinzena deste mês de junho, antes das comemorações de São João, quando o Congresso começa a ser esvaziado pelas festas juninas. Essa previsão, contudo, pode ser frustrada, porque o governo ainda está fechando nomes para algumas agências, como é o caso da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).

“Há de fato uma letargia nas agências para defender a causa, mas não é porque elas sejam contra. Existe um constrangimento na defesa do texto com o governo de uma forma muito forte contrário a ele […] Precisaríamos ter diretorias consolidadas para ter a capacidade decisória e a autonomia para fazer essa defesa mais adequada”, afirmou uma fonte à Agência iNFRA.

Pelo texto do projeto, despesas custeadas por recursos próprios, como taxas de fiscalização ou fundos específicos, não poderiam sofrer cortes ou bloqueios orçamentários. A necessidade do PLP emergiu após a aprovação da LOA (Lei Orçamentária Anual), que reduziu os repasses às agências reguladoras, continuando uma tendência de cortes nos últimos anos. 

Questionado, o senador Laércio Oliveira negou que o projeto tenha perdido força no Senado. Segundo ele, Alcolumbre sinalizou que o texto será encaminhado para as comissões temáticas ainda neste mês de junho. O parlamentar também informou que, até o momento, não foi procurado pelo governo para discutir a proposta.

“Se eles [o governo] me apresentarem uma solução melhor do que a minha, estou disposto a ouvir. O governo sempre vai alegar que esse projeto é inviável porque retira recursos, e isso não é verdade. As agências produzem esses recursos”, afirmou. O parlamentar também defendeu uma remuneração melhor para os técnicos. “Há um problema seríssimo de desmonte da qualidade técnica dessas agências”, concluiu Laércio Oliveira.

O presidente da Logística Brasil, André Seixas, é um dos defensores do projeto e disse concordar que a falta de remuneração adequada para o corpo técnico tem provocado a evasão de profissionais para o setor privado. Na sua visão, os diretores também deveriam se preocupar com a situação dos servidores ao longo de seus mandatos.

Reação do setor
Nesta terça-feira (3), o diretor-presidente da Melhores Rodovias do Brasil – ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), Marco Aurélio Barcelos, lamentou o que chamou de “choque orçamentário” sobre a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). Ele afirmou que a entidade enxerga o congelamento no orçamento das agências com “aguda preocupação”, dadas as incertezas sobre a continuidade de investimentos realizados.

“A ANTT vai perder R$ 70 milhões. Vai perder 25% do seu orçamento”, disse o executivo durante evento de inauguração do Ceartt (Centro de Estudos Avançados em Regulação de Transportes Terrestres).

Barcelos defendeu que haja uma conversa madura sobre os recursos da agência, de forma a garantir sua sustentabilidade, autonomia e independência financeira, tendo como exemplo o que hoje é feito por seus pares nas esferas nacional e internacional. Para ele, as agências hoje arrecadam o suficiente para andarem “com as próprias pernas”.

“É fundamental que o orçamento devolva para as agências reguladoras aquilo que elas já geram em termos de arrecadação tributária e em termos de taxa regulatória. Espero que esse cenário, que esse corte que é linear, possa ser revisado para racionalizar e para garantir a agenda de investimentos que nós temos em toda infraestrutura brasileira”, completou.

Assim como Barcelos, o presidente da CNT (Confederação Nacional do Transporte), Vander Costa, também foi contra o corte. Ele afirmou que, se feito de forma aleatória, a medida pode inviabilizar a realização dos leilões de concessões previstos pelo Ministério dos Transportes, prejudicando, por consequência, a arrecadação federal, os investimentos e a geração de empregos no país.

“Não é um corte inteligente. Ele visa, simplesmente, equilibrar o orçamento e pode estar prejudicando, porque a ANTT, com a ação que ela tem feito, com os leilões que ela tem feito, está aumentando a arrecadação”, afirmou. “Conte com a CNT para poder fazer coro, justificar e trabalhar junto aos órgãos para poder recuperar o orçamento, que já não é grande”, disse ele a Barcelos.

Centro de estudos
As falas de Vander e Barcelos ocorreram durante a inauguração do centro de estudos da agência. De acordo com a ANTT, o centro de estudos tem como missão aperfeiçoar e fortalecer a regulação, ampliar a eficiência logística e inspirar a inovação nas políticas públicas voltadas ao setor por meio de parcerias técnicas com instituições públicas e privadas.

Durante os agradecimentos pelo apoio à iniciativa, o diretor-geral substituto da agência, Guilherme Sampaio, relembrou uma “provocação” que recebeu do ministro Bruno Dantas, do TCU (Tribunal de Contas da União). “Qual é o legado que você quer deixar?”, contou.

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