Marília Sena, da Agência iNFRA
O setor de saneamento obteve uma vitória e conseguiu reverter a medida que incluía o esgotamento sanitário nas atividades sujeitas ao licenciamento ambiental completo, por serem consideradas de “significativo impacto ambiental”. A reviravolta aconteceu nesta terça-feira (20) na votação do relatório do Projeto do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/2021) na CMA (Comissão de Meio Ambiente), texto também aprovado na CRA (Comissão de Agricultura e Reforma Agrária).
A proposta precisa ser chancelada pelo plenário do Senado, que prevê votar o PL hoje (21) em sessão prevista para começar às 14h. Na avaliação do mercado, se confirmada, a medida pode acelerar projetos essenciais para a universalização do saneamento, cujas novas metas foram definidas pelo marco legal de 2020.
A emenda comemorada pelo setor foi acatada pelo senador Confúcio Moura (MDB-RO) e simplifica o processo de licenciamento ambiental para obras de saneamento básico por meio do LAC (Licenciamento por Adesão e Compromisso) e do RCE (Relatório de Caracterização do Empreendimento), desde que sejam atendidos os critérios de baixo impacto ambiental previstos na Lei Complementar 140/2011.
“A gente estima que uma licença, através da LAC, possa ser concedida em menos de cinco anos, tempo que é gasto atualmente”, afirmou uma fonte reservadamente à Agência iNFRA.
Após a leitura do primeiro relatório no Senado, há 15 dias, o setor ficou em alerta porque o texto incluía o esgotamento sanitário no rol de atividades que exigiriam licenciamento ambiental completo. A medida invertia a proposta aprovada na Câmara dos Deputados, que previa a dispensa de licença ambiental para empreendimentos do setor – o que englobaria desde a captação de água até as ligações prediais e as instalações operacionais de coleta, transporte e tratamento de esgoto.
Técnicos do segmento argumentam que o saneamento não é uma atividade de alto impacto por ser “naturalmente mitigadora de impactos ambientais”. “A questão é que essa definição fica a cargo da autoridade licenciadora, que muitas vezes, por medo de responsabilização ou ideologia cega, nos coloca no trifásico”, defendeu uma fonte.
De acordo com a Abcon Sindcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto), desde 2020, apenas quatro empreendimentos de abastecimento de água e esgotamento sanitário obtiveram licenças ambientais federais com base no Sistema de Licenciamento Ambiental do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Segundo a associação, atualmente há 39 empreendimentos aguardando licenciamento ambiental no SISLIC (Sistema de Licenciamento Ambiental). A Abcon ressaltou que não estão computados os processos sob jurisdição dos órgãos estaduais, que concentram a maior parte dos casos. “Ou seja, a lista de espera é ainda maior”, informou.
A Agência iNFRA apurou que o setor ainda vai se mobilizar na votação em plenário para que os senadores concedam um prazo para o cumprimento das metas de universalização do saneamento, previstas para 2033. A medida mexeria diretamente com o marco legal, impactando um dos pontos principais da lei sancionada há cinco anos.
Votação
O relatório de Confúcio na CMA também absorveu outras emendas. Uma determina que, caso algum ente federativo se manifeste sobre determinada licença, essa manifestação deverá ser encaminhada ao Ibama. Na CRA, a matéria foi relatada pela senadora Tereza Cristina (PP-MS). Os dois senadores têm buscando um alinhamento sobre seus pareceres.
O relatório da CRA incorpora o texto aprovado na CMA, mas inclui emendas que serão analisadas em plenário. Entre elas, a que determina a inclusão de empreendimentos de mineração de grande porte e alto risco na Lei Geral do Licenciamento Ambiental.
O desejo de parte do Senado em acelerar a tramitação da matéria foi reforçado nas discussões desta terça, com a aprovação de um requerimento de urgência para acelerar a tramitação no plenário. Enquanto alguns parlamentares já falam em acionar o STF (Supremo Tribunal Federal), Confúcio rejeitou as alegações de que o projeto tenha vícios de inconstitucionalidade.
“É direito das organizações ingressarem com ações no STF, mas o relatório está amparado pela Lei Complementar 140/2011”, disse também Tereza Cristina.
Governo Lula e opositores
Além do debate antecipado sobre uma eventual judicialização, as votações nesta terça demonstraram que integrantes da base do governo, em especial do PT, ainda vão se movimentar contra a matéria. A indefinição dentro da gestão Lula sobre o tema foi explicitada pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). Durante a deliberação da proposta na CMA, ele avisou que o Executivo ainda não tem posição definitiva sobre o projeto.
“Isso ainda vai para o plenário, para a Câmara dos Deputados, mas esses apontamentos eu faço em nome do governo”, disse Wagner sobre pontos que podem ser considerados inconstitucionais no projeto, na visão do Ministério do Meio Ambiente. As preocupações foram endossadas pessoalmente pelo senador.
Wagner chamou atenção em especial para a ampliação da aplicação da LAC (Licença Ambiental por Compromisso). “Quem começou a LAC no Brasil fui eu quando era governador, exatamente pela dificuldade, só que lá a gente faz só para baixo impacto. A proposta aqui fala de baixo e médio impacto e risco. Eu sinceramente acho que, se você vai construir por exemplo uma barragem, como é que não faz um EIA/RIMA, um licenciamento ambiental? E ela é tida como porte médio, então, eu acho um risco”, afirmou o senador.
Apesar das considerações, que partem com mais força do ministério comandado por Marina Silva, Wagner disse que era necessário parabenizar o esforço dos senadores que relatam a matéria em encontrar o “caminho do meio”.
Renan reforça apoio
Há pastas na Esplanada mais enfáticas em defender o texto, especialmente as envolvidas diretamente nos projetos de infraestrutura, como o Ministério dos Transportes de Renan Filho. Em audiência na Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado, também nesta terça, o ministro afirmou que a discussão sobre o licenciamento ambiental tem ganhado amplitude na pasta, sendo necessária uma definição que resolva entraves enfrentados atualmente.
“O debate agora, no Ministério dos Transportes, não é mais [se] faz a obra ou não faz […] A discussão é ambiental. Então, a gente precisa ter uma definição que facilite alguns entraves”, disse o ministro. (Colaborou: Sheyla Santos)