Sheyla Santos, da Agência iNFRA
A diretoria colegiada da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) aprovou, na última quinta-feira (28), a abertura de audiência pública sobre a minuta de resolução que aprova a regulamentação definitiva para implementação do pedágio eletrônico (free flow) em rodovias federais concedidas.
Em seu voto, o relator, diretor Luciano Lourenço, destacou que o free flow é inovador e traz justiça tarifária ao se pagar pelo quilômetro efetivamente percorrido. Ele também fez críticas a algumas “iniciativas legislativas eleitoreiras”, que iriam na contramão desse anseio, com conteúdos representando retrocesso ao modelo, imputando insegurança jurídica e regulatória.
“Espero que esses doutos legisladores se utilizem dessa audiência pública para apresentarem propostas para aprimorarem o regulamento”, disse Lourenço. “E não se utilizarem de projetos de lei desarrazoados, sem base técnica.”
O diretor foi acompanhado pelo diretor-geral da agência, Rafael Vitale. “Também faço coro de certa forma ali ao protesto que foi colocado em meio ao seu voto, convidando agora aqui, reforçando esse convite, para que os parlamentares e lideranças que se interessam pelo tema possam participar da nossa audiência pública e contribuir com a regulamentação desse importante projeto”, disse.
A crítica era em relação à aprovação do PL (Projeto de Lei) 7.452/2010 pela Câmara dos Deputados, na última quarta-feira (27), que tratava de novas modalidades para pagamento de pedágio e recebeu um substitutivo para suspensão de multas aplicadas a motoristas que não pagaram pedágio eletrônico dentro do prazo estipulado.
A multa por evasão é considerada o principal instrumento de enforcement para que os usuários paguem o pedágio em locais sem bloqueio físico. O risco de uma grande inadimplência era o maior medo no início da implantação do free flow no Brasil, mas os resultados estão muito melhores que as expectativas e em níveis de países desenvolvidos. No entanto, suspender as multas de quem não pagou no prazo é uma experiência que fez com que, em outros países do mundo, o modelo de free flow sofresse retrocesso e tivesse que ser revisto.
Segundo apurou a Agência iNFRA, há uma articulação para que seja aprimorado o modelo de notificação dos usuários que passam pelos pedágios eletrônicos e não têm sistemas automáticos de cobrança, para que o usuário tenha como saber que ele passou por um local de cobrança e deve pagar. No período experimental, não havia como fazer a notificação sem que o usuário se identificasse.
Como não há uma notificação para uma parte dos motoristas, a alegação é que as multas seriam ilegais e há ações judiciais para anulá-ls. Além disso, até uma mudança em setembro, o período para contabilizar a evasão era de 15 dias. Agora é de 30 dias. A ideia era criar uma proposta legislativa que pudesse isentar parte das multas, sem ameaçar os instrumentos de enforcement, mas agora o trabalho será para derrubar no Senado a proposta da Câmara.
O diretor Guilherme Sampaio afirmou que a minuta de resolução está bem madura, devido à realização de ambiente de experimentação (sandbox regulatório) sobre o free flow. Ele classificou o atual modelo de praça de pedágio como arcaico. O mesmo apoio ao free flow foi manifestado pelos diretores Lucas Asfor, que acompanhou o relator, e Felipe Queiroz, que ressaltou que o modelo está em linha com os pilares estratégicos da agência.
A Superintendência de Concessão da Infraestrutura da agência publicou um aviso de reunião participativa acerca da migração opcional, nos contratos de concessão, da cobrança de tarifa de pedágio para o free flow, com a substituição de praças de pedágio por pórticos de cobrança. A sessão pública será realizada em 11 de dezembro, das 14h às 18h, na sede da ANTT em Brasília.
Lourenço também foi relator de dois processos extrapauta que resultaram na abertura de mais duas APs sobre a proposta preliminar de revisão quinquenal dos contratos de concessão, os da Eco050 e da BR-070/163/ MT.
Programa de Sustentabilidade
Na mesma reunião, a diretoria aprovou o relatório final da Audiência Pública 4/2024 e a minuta de resolução acerca do Programa de Sustentabilidade para rodovias e ferrovias. O relator do processo, diretor Felipe Queiroz, destacou em seu voto que a adesão ao programa se dará por meio de termos aditivos específicos a cada contrato, a partir da manifestação de interesse.
“A gente não está falando de uma regulação contratual. A gente está falando de uma regulação por resolução, que poderá trazer impacto nos contratos por meio da manifestação e interesse do nosso setor regulado”, disse.
O programa inclui nove PDS (Parâmetros de Desempenho de Sustentabilidade), que passsam por questões ligadas à dignidade do trabalhador, eficiência de recursos e prevenção da poluição, conservação do meio ambiente e da biodiversidade, questões relativas à aquisição de terra e reassentamento involuntário, impactos nas comunidades, incluindo tradicionais. Todos esses parâmetros vão culminar, segundo o relator, em um IDS (Índice de Desenvolvimento de Sustentabilidade).
Queiroz ressaltou que a agência já tinha oito PDS desde os primeiros contratos da quarta etapa, em 2020, mas destaca agora, por entender ser cada vez mais urgente, o tema da resiliência por meio da criação do PDS nove, que trata de adaptação e resiliência da infraestrutura. Segundo ele, os parâmetros deverão ser implementados de forma gradual e proporcional, considerando a heterogeneidade dos contratos.
Debêntures e impacto tarifário
O programa está organizado em três níveis que envolvem incentivos. O nível 1 requer compromissos com o PDS 1 e com pelo menos um PDS ligado à mitigação e impacto nas comunidades afetadas.
O principal incentivo desse nível está relacionado à elegibilidade de projetos para emissão de debêntures, conforme previsto na Portaria 689/2024, do Ministério dos Transportes. “Vale ainda ressaltar que para o nível 1 não está prevista a possibilidade de reequilíbrios contratuais, mas sim a questão do atendimento ao critério de elegibilidade para emissão das debêntures”, disse.
Para o nível 2, alinhado à Portaria 622/2024, que trata do incremento dessa agenda nos contratos de concessão rodoviária, Queiroz afirma que estão previstos reequilíbrios equivalentes a 2% no impacto tarifário se contempladas todas as obrigações listadas nos nove PDS. Para contratos que já contemplem percentual tarifário desse tipo de investimento haverá reequilíbrio proporcional ao incremento.
O nível 3 requer compromisso de todos os PDS, com uma adicionalidade. Segundo o relator, para que o equilíbrio ocorra nesse nível haverá uma adicionalidade a ser calculada, observando o princípio da modicidade tarifária. “Portanto, não estamos falando em incrementos que exorbitem e tragam transtorno do ponto de vista de modicidade tarifárias”, ressaltou.
Saldo de outorgas
A maioria dos níveis acima estão voltados às rodovias. Para ferrovias, a resolução prevê a possibilidade do uso do saldo remanescente de outorgas.
Queiroz conta que essas parcelas, em geral trimestrais, a serem pagas pelas concessionárias, poderão ser deduzidas para que se possa ter um reequilíbrio em face do incremento de obrigações e responsabilidades ligadas à agenda de sustentabilidade. “Vale ressaltar que, no contrato de ferrovia, a gente não regula tarifa. Tem tarifa-teto, mas a gente não define o preço.”
Criação de comitês
A resolução prevê a criação de dois comitês de desenvolvimento da sustentabilidade, um para rodovias e outro para ferrovias, com oito membros titulares e respectivos suplentes: quatro do poder concedente, sendo dois da ANTT e dois do Ministério dos Transportes; e quatro indicados pelos dois setores regulados.
Esse comitê terá a competência de propor a metodologia e os critérios de acompanhamento de PDS, avaliar o enquadramento e a progressão entre níveis, reconhecer as melhores práticas, acompanhar o cumprimento das metas, propor ajustes e melhorias, elaborar eventuais definições e taxonomias complementares ao que tiver sido definido pelo poder público, entre outras atribuições.
“A norma tem uma dinâmica de ser viva e ter o seu aperfeiçoamento acontecendo a todo momento”, disse Queiroz. “O incremento e a incorporação disso aos contratos se dará de maneira gradual. E a definição do ritmo, da velocidade e dinâmica se dará numa ampla governança, por meio desses comitês.”