Marília Sena e Dimmi Amora, da Agência iNFRA
O presidente interino do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), Gustavo Augusto de Lima, avalia que restringir a participação de empresas no leilão do Tecon Santos 10 pode inviabilizar modelos de negócio mais eficientes para o setor e por isso ofereceu apoio ao TCU (Tribunal de Contas da União) na análise concorrencial do projeto. A sugestão foi feita pelo presidente interino, nesta terça-feira (29), durante debate promovido pela corte sobre a modelagem do leilão do megaterminal de contêineres. A transmissão pode ser vista neste link.
Os estudos para o certame estão sob análise do TCU desde o final de maio. A decisão da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) de fasear o leilão – impedindo, na primeira etapa, a participação de empresas que já operam no porto – é o principal ponto de debate do processo.
O órgão de controle, no entanto, não deve solicitar uma avaliação formal do órgão da concorrência, segundo apuração da Agência iNFRA. A tendência é que sejam utilizadas informações já disponíveis sobre o tema como subsídio para os pareceres técnicos que vão subsidiar a decisão do plenário, que será relatada pelo ministro Antonio Anastasia.
A estimativa é que no fim do mês de agosto o parecer técnico da secretaria especializada esteja concluído e será enviado para avaliação do Ministério Público de Contas, que solicitou participação no processo. Após o prazo para a análise da procuradoria, o processo segue ao relator para levar seu parecer à avaliação colegiada. Há expectativa de que o processo possa ir a plenário em setembro.
Durante o painel de referência sobre o arrendamento no Porto de Santos (SP), o presidente do Cade argumentou que existem medidas menos gravosas do que impedir a participação de empresas na licitação. Uma delas seria condicionar a atuação dos agentes. “Por exemplo, pode-se permitir a participação, mas exigir que não haja catividade, que a empresa não possa se recusar a contratar com terceiros, ou até obrigá-la a vender ativos. Existem uma série de outros remédios”, afirmou.
Ele explicou ainda que, se o TCU considerar necessário, o Cade está à disposição para contribuir com a metodologia de análise vertical, usada como uma “prova dos nove” para avaliar o risco de fechamento de mercado. “Temos uma equipe técnica preparada para apoiar com estudos, inclusive durante a execução, caso haja necessidade de um aprofundamento técnico”, afirmou ao relator do processo no TCU, presente durante toda a audiência.
Para Lima, a integração vertical na logística pode ser benéfica por permitir o alinhamento de decisões de investimento, embora tenha ponderado que nem toda verticalização é benigna. “Quando a gente permite a integração vertical, não só os lances tendem a ser melhores, como pode surgir um modelo de negócio que outro operador, sem nenhuma integração, não seria capaz de desenvolver. E quem tem que arbitrar essa conta é o mercado”, afirmou lembrando que preocupação do Cade só começa quando há concentrações acima de 30% do mercado.
A observação do Cade vai na mesma linha do que argumentou o corpo técnico da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) durante os estudos sobre o Tecon Santos 10 na agência. Lá, os técnicos apontaram que os efeitos da verticalização no setor portuário não deviam impedir que empresas de navegação disputassem o Tecon 10, desde que essas companhias não atinjam uma participação local no mercado de contêineres prejudicial ao ambiente concorrencial.
A nota técnica não recomendava um leilão faseado do terminal. Uma das alternativas propostas sugeria que o certame fosse aberto, com a condição do ganhador se desfazer de ativos caso já operasse a mesma atividade em Santos – opção motivada pelo temor de concentração. A escolha da diretoria, por sua vez, foi de vetar a participação dos operadores que já estão no porto e só deixá-los participar somente se na primeira etapa do leilão não houver interessados.
Atraso
Durante a audiência pública do TCU, o secretário especial de Licitações da ANTAQ, Ygor de Paula, defendeu a decisão e afirmou que a opção de retornar o processo à fase de audiência pública – que é defendida por parte dos agentes – pode atrasar ainda mais o leilão, que está em discussão desde 2019.
A posição também ganhou reforços, pela primeira vez, do secretário nacional de Portos do MPor (Ministério de Portos e Aeroportos), Aléx Ávila. Segundo ele, o debate sobre o Tecon Santos 10 ocorreu em fórum adequado e “com fundamentos científicos e técnicos”. Ávila afirmou que a pasta vai cumprir a decisão que for tomada pelo TCU, reconheceu que há outras opiniões e destacou que o ministério as respeita. O secretário também ressaltou que a pasta deu prioridade à causa do Tecon Santos 10 e “colocou energia no maior leilão da história”.
O presidente da APS (Autoridade Portuária de Santos), Anderson Pomini, também indicou apoio à decisão da ANTAQ. Em recente entrevista à Agência iNFRA, Pomini havia classificado como “razoável” a opção de liberar, já na primeira etapa do certame, a participação de empresas que já operam no Porto de Santos, desde que se desfizessem de seus ativos atuais. Nesta terça, ele voltou a defender que, para o porto, o melhor seria um maior número possível de empresas participando.
Disse, por outro lado, que “o que está em jogo” é o preço dos produtos e a regulação do mercado, ao justificar a restrição. O representante da autoridade portuária também solicitou ao TCU a análise sobre a responsabilidade pela construção de um “condomínio logístico” de natureza mista, que funcione tanto como edifício garagem quanto como alternativa para o escoamento de parte dos caminhões que chegarão por meio do Tecon 10.
Outra infraestrutura prevista para a implementação do megaterminal de contêineres é a construção de dois viadutos às margens do porto, que servirão como vias de acesso. No entanto, essas obras ainda estão sendo discutidas com o governo de São Paulo. Na audiência também foi reforçada a necessidade de se garantir investimentos ferroviários dentro do terminal.
Efeitos concretos
Representando o governo de São Paulo, a secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Natália Resende, afirmou que “reduzir a verticalização não elimina o risco de fechamento de mercado e que, necessariamente, ela não é um problema”.
Na avaliação da secretária, a verticalização é uma tendência mundial que pode resultar na redução de custos operacionais e administrativos. Ela também pontuou ser importante discutir a concentração, mas apenas quando houver impactos concretos – e, nesses casos, os efeitos negativos podem ser mitigados por meio de medidas adequadas.
No início de junho, o governo de Tarcísio de Freitas enviou ofícios para autoridades em Brasília em que criticava a restrição proposta no projeto. No documento, técnicos escreveram que o modelo esvaziaria a ampla competição e impediria a participação de agentes econômicos tecnicamente qualificados.
No evento do TCU, o prefeito de Santos, Rogério Santos (Republicanos-SP), defendeu que o Porto de Santos não deve andar na contramão das tendências globais. “Chega de país do futuro. Nós precisamos de eficiência”, afirmou. “Quanto mais restrições colocamos, mais vulneráveis ficamos a questões jurídicas.” Para ele, é necessário haver regulação, mas sem ignorar o chamado custo Brasil.
Auditório cheio
O presidente da Corte, ministro Vital do Rêgo, realizou o discurso de abertura do painel de referência e afirmou que o TCU busca atuar de forma integrada com os órgãos reguladores, planejadores públicos, concessionárias, usuários e a sociedade em geral. Já Anastasia, que relata o caso, afirmou que o TCU vai buscar garantir segurança jurídica ao processo e “pavimentar o caminho de um relacionamento harmônico entre o setor privado e o público”.
O ministro Bruno Dantas também participou da abertura do evento. O auditório do TCU com cerca de 150 lugares ficou lotado, com representantes de diferentes empresas e associações, que defendem posições antagônicas sobre a questão concorrencial na licitação do Tecon 10, além de técnicos do governo e do próprio tribunal.
Nas apresentações desses representantes, a grande maioria criticou a restrição proposta pela ANTAQ. Houve três defesas da decisão da diretoria da agência e quase duas dezenas de posições contrárias. Entre os defensores da decisão da agência, foi colocada a preocupação com a concentração de mercado em Santos em caso de vitória de um dos atuais operadores e a lembrança de que essas restrições já foram utilizadas em leilões anteriores, não sendo, portanto, uma novidade.
A maioria dos representantes que defendem o leilão sem restrição se posicionou a favor do modelo que foi apresentado pela Superintendência de Regulação da ANTAQ na Nota Técnica 51. Nela, o corpo técnico indicou um modelo em que empresas com posição em Santos pudessem participar do leilão, mas desfazendo-se de ativos se saíssem vencedoras.








