08/09/2025 | 10h14  •  Atualização: 09/09/2025 | 14h24

Tarifa horária no mercado regulado pode aliviar sobrecarga no sistema

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Lais Carregosa e Marisa Wanzeller, da Agência iNFRA*

A adoção de tarifas diferenciadas no mercado regulado de energia, como a tarifa horária, pode adaptar a demanda de energia em baixa tensão às necessidades do sistema elétrico, segundo avaliação de especialistas. A possibilidade de criação de um novo modelo tarifário para o consumidor de baixa tensão, conforme as faixas horárias, consta na MP (Medida Provisória) 1.300 – que amplia a tarifa social de energia elétrica – e já está no radar da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). Hoje existe precificação horária apenas para o mercado livre de energia.

O CEO da Volt Robotics, Donato Filho, ressalta que a tarifa horária pode ajudar tanto o segmento de geração – amenizando os cortes obrigatórios (curtailment) – quanto a distribuição e o consumo. Segundo ele, a tarifa horária ajuda a “refletir a relação de escassez e de sobra” de energia.

“A ideia é fazer com que parte do consumo do fim do dia seja migrada para a manhã, que as pessoas façam isso, porque o sistema está sobrecarregado no fim do dia, e quem fizer isso vai ter uma energia mais barata de manhã”, afirmou o especialista. “É uma questão de realocar essa demanda.”

Donato explica que, para as distribuidoras, a redução de picos de consumo no sistema levaria a um “sistema menos sobrecarregado”, reduzindo perdas e necessidade de investimento. Para o consumidor, pode levar a uma economia, caso consuma energia nos horários de tarifa mais barata, adaptando seus hábitos. E para os geradores, que sofrem com o curtailment, “se tiver mais consumo de manhã, essas proibições [de geração] se reduzem, porque elas ocorrem de manhã, quando há excesso de geração e não tem carga”.

De acordo com o diretor de Regulação da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), Ricardo Brandão, a tarifa horária pode dar sinais de preço aos consumidores em baixa tensão para induzir o consumo em horários de maior oferta de energia e reduzir a demanda em momentos de menor geração renovável. Para ele, embora a ANEEL já tenha projetos nesse sentido, a MP dá “ampla liberdade para o regulador navegar entre essas possíveis modalidades de tarifas”.

Na última semana, o diretor-geral da ANEEL, Sandoval Feitosa, defendeu as novas modalidades como uma forma de “modular” a demanda por energia. “Nós precisamos modular a carga, precisamos dar sinais de preço para que a carga se adapte a este novo perfil de tarifa e que nós possamos economizar na tarifa de energia elétrica”, disse durante evento sobre data centers, em Brasília.

Modulação da demanda
Para Brandão, da Abradee, adicionar o componente horário à tarifa pode levar a uma “achatamento” da rampa de geração ao fim do dia, quando a fonte solar sai do sistema e precisa ser reposta com rapidez por hidrelétricas e termelétricas. “É inevitável, até para enfrentarmos os desafios da operação hoje, que tenha essa diferenciação horária, que tenhamos algum tipo de modalidade tarifária que considere essas peculiaridades”, disse.

No entanto, de acordo com ele, as novas modalidades de tarifa não substituem eventuais programas de “resposta da demanda” que venham a surgir na distribuição. Ou seja, a criação de um programa que permita a redução de carga dos consumidores regulados de acordo com a necessidade do sistema.

“Acho que as duas coisas podem, no futuro, conviver. Tanto uma tarifa horária quanto um futuro programa de resposta da demanda, acho que um pressupõe o outro: preciso ter medidores inteligentes e uma tarifa horária para que eu possa propor ao consumidor um programa de resposta da demanda, que pode ser um tratamento isolado ou combinado com modalidades tarifárias que tenham essa diferenciação horária”, explicou.

Necessidade de lei
O ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Benjamin Zymler pontuou em voto aprovado na corte na última semana que as tarifas diferenciadas podem contribuir com o equilíbrio econômico-financeiro das distribuidoras, promover justiça tarifária, ajudar a equilibrar a carga e reduzir a necessidade de geração de energia (potência) nos horários de pico.

“A diferenciação por critérios técnicos, locacionais e de qualidade realmente pode contribuir para uma alocação mais justa dos custos da infraestrutura, desde que respeitados os princípios da equidade e da capacidade contributiva dos consumidores”, afirmou o ministro.

Ele pondera, contudo, que “a regulamentação infralegal pode não ser suficiente para assegurar a efetividade e a legitimidade da diferenciação tarifária”. Desta forma, recomendou ”que se avalie a necessidade de priorização legislativa para tratar do tema com maior segurança jurídica e respaldo democrático”. 

A MP 1.300 traz essa previsão e, segundo especialistas, dá mais segurança para a regulamentação das tarifas. A medida permite que a ANEEL estabeleça novas modalidades tarifárias de forma compulsória, sem a necessidade de adesão prévia por parte do consumidor. O trecho foi mantido pelo relator da medida no Congresso, o deputado Fernando Coelho Filho (União-PE), cujo relatório foi aprovado pela comissão mista na última semana. Agora, o texto será debatido nos plenários da Câmara e do Senado.

As tarifas diferenciadas já estão na Agenda Regulatória da ANEEL 2025-2026 e também estão sendo testadas por algumas distribuidoras por meio de sandboxes tarifários – projetos de experimentação regulamentados pela agência. No entanto, especialistas destacam que a previsão legal para a modalidade tarifária é importante e garante segurança para as empresas. 

Segundo fontes do governo, a própria inserção do trecho na MP serviu para respaldar a reguladora. O tema havia sido tratado anteriormente no decreto de renovação das concessões de distribuição, mas, de acordo com interlocutores, o escopo do texto tinha aplicação limitada, uma vez que atingia apenas as concessões em processo de renovação. 

Novas modalidades
O trecho da MP 1.300 preservado pelo relator, deputado Fernando Coelho Filho, estabelece que a ANEEL possa adotar novas modalidades tarifárias de forma compulsória. São elas: 

  • tarifas diferenciadas por horário;
  • tarifas pré-pagas;
  • tarifas multipartes, que diferenciam os custos de distribuição e comercialização de energia;
  • tarifas diferenciadas para áreas de elevada complexidade, como locais com altos índices de furtos.

Os sandboxes em andamento na ANEEL já testam os modelos permitidos pela MP para futura regulamentação. “O mais importante é encontrar qual [dos modelos] vai se adaptar melhor à realidade brasileira. Pode ser que não seja exatamente um deles e sim uma combinação de vários deles”, afirmou Brandão.

Já a compulsoriedade, permitida pela MP, é tratada como um ponto importante pelo TCU. Os técnicos da corte ponderam que, atualmente, a ANEEL tem o poder de estabelecer vários tipos de tarifas para o segmento de baixa tensão, mas o consumidor pode aderir ou não aos formatos. Assim, a maioria dos consumidores permanece utilizando a tarifa tradicional, “que não reflete adequadamente os custos que o consumidor impõe ao sistema”, e resulta “em sinais econômicos ineficientes”.

Tarifa binômia
Outra modalidade tarifária permitida pela MP 1.300 é a “tarifa multipartes”, como está no texto legal, que pode ter mais de uma componente ou parcela. A modalidade binômia corresponde a uma tarifa com uma parcela fixa e outra proporcional ao consumo de energia, explicam os técnicos do TCU. Ainda é possível que haja um terceiro componente pela qualidade do serviço prestado, caracterizando a tarifa trinômia. 

Esse tipo de tarifa pode ser aplicada para usuários de MMGD (Micro e Minigeração Distribuída), por exemplo, para estipular uma remuneração fixa pelo uso da rede de distribuição, o que gerou preocupações no segmento.

Preocupações
A possibilidade de implementação de novas tarifas de forma compulsória, aprovada no relatório da MP 1.300 na comissão mista, na última semana, levou a críticas de agentes ligados à GD (geração distribuída solar). 

O presidente da ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída), Carlos Evangelista, destaca que a preocupação não é quanto à tarifa horária, uma vez que ela não pode ser retroativa. A preocupação reside na discricionariedade de a ANEEL poder mudar a tarifa para todos, inclusive usuários de GD que tenham realizado investimentos no passado com as regras antigas. 

“Se for daqui pra frente, eu acho que pode ser uma coisa muito boa, porque daqui pra frente todo mundo sabe as regras do jogo. Se for daqui pra trás, ou seja, quem já instalou geração distribuída, por exemplo, muda a maneira de fazer a tarifa, aí simplesmente é uma pá de cal em todos os investimentos que foram feitos”, afirmou Evangelista.

“Vamos supor que um único diretor pudesse decidir e ele fala: ‘Agora a tarifação da geração distribuída só vai poder compensar a energia, não vai compensar mais as componentes do fio’. Acabou o ‘business plan’ de todo mundo, todo mundo que fez contas para comprar o sistema, fez conta com o incentivo de 100% do fio para terminar em 2029″, ponderou.

‘Caminho fundamental’
Joisa Dutra, diretora da FGV Ceri (Centro de Regulação em Infraestrutura), aponta que adotar a tarifa binômia “para todos os consumidores que adotam MMGD é caminho fundamental”. 

Ela destaca, no entanto, que “ninguém quer aumento de tarifa, e isso vale para quem adotou os painéis”, mas diz que é preciso criar regras de transição, respeitando contratos “para que o sistema consiga caminhar no futuro”. “O indispensável é que o consumidor remunere o serviço que recebe das redes”, disse.

Sobre a compulsoriedade, ela destaca que é preciso “ter inteligência” na implementação desses mecanismos. “As concessionárias têm tentado entender os hábitos do consumidor, por meio dos sandboxes tarifários, e traduzir isso em tarifa por meio de incentivos, de forma transitória, e não por meio da compulsoriedade. Isso da compulsoriedade de novos modelos de tarifa têm de ser avaliado para gerar soluções ganha-ganha”, pondera.

*Colaboraram: Geraldo Campos Jr. e Gabriel Vasconcelos

Tags:

Solicite sua demonstração do produto Boletins e Alertas

Solicite sua demonstração do produto Fornecimento de Conteúdo

Solicite sua demonstração do produto Publicidade e Branded Content

Solicite sua demonstração do produto Realização e Cobertura de Eventos

Inscreva-se no Boletim Semanal Gratuito

e receba as informações mais importantes sobre infraestrutura no Brasil

Cancele a qualquer momento!