Amanda Pupo, da Agência iNFRA
A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) terá que apresentar em até 90 dias ao TCU (Tribunal de Contas da União) um plano de ação para corrigir problemas encontrados pela corte de contas no uso dos sistemas informatizados do setor ferroviário. A determinação partiu de uma auditoria da corte que identificou uma dependência relevante da agência sobre os dados que são declarados pelas próprias concessionárias, que acabam tendo uma verificação limitada pelo regulador.
O plano precisará prever, por exemplo, modificações no SAFF (Sistema de Acompanhamento e Fiscalização do Transporte Ferroviário). O TCU quer que o sistema automatize o acompanhamento, a análise e a fiscalização dos indicadores de prestação de serviços dos novos contratos de concessão, entre eles o ISF (Índice de Saturação Ferroviária), que, pelas regras do setor, precisa ficar abaixo de 90% – uma forma de administrar o nível de oferta de capacidade pelas malhas concedidas e prever gatilhos para sua expansão.
O SAFF recebe uma gama variada de informações das empresas, como tarifas de referência, declaração de rede e mapa da malha ferroviária. A auditoria feita pelo corpo técnico do tribunal, por sua vez, identificou que a ANTT vem passando por “dificuldades” com os dados declarados.
E, embora as prorrogações antecipadas de contratos ferroviários tenham previsto o acesso pelo regulador aos sistemas da CCO (Central de Controle Especial) das concessionárias, ainda não há regulamentação específica para disciplinar essa entrada. Em nota à Agência iNFRA, a ANTT disse haver uma série de ações e projetos em andamento que demonstram o compromisso do órgão com a “modernização, eficiência e transparência da fiscalização” do setor ferroviário (veja mais abaixo).
A determinação da corte (veja o acórdão), feita em julgamento na última segunda-feira (8), chega no momento em que a ANTT está promovendo uma reforma regulatória no setor ferroviário. Em uma das frentes, a agência quer aprimorar uma série de normas na prestação de serviços das ferrovias, refinando regras sobre o ISF, adicionando novos indicadores aos contratos e criando uma classificação das concessionárias.
Parte das propostas já foi apresentada em minuta que passou por fase de reunião participativa neste segundo semestre. Ela compõe o projeto do CGTF (Condições Gerais de Transportes Ferroviários), que tem previsão de ser concluído em 2028. A auditoria do TCU demonstrou, por sua vez, que a agência ainda precisa refinar o tratamento de dados que já são fornecidos atualmente pelas operadoras.
“A causa da insuficiência na verificação e comprovação dos dados do SAFF é a ausência de iniciativa por parte da ANTT para uma ampla utilização de cruzamento de dados do SAFF frente aos dados dos sistemas de CCO das concessionárias e/ou dados brutos de operação das ferrovias”, apontou a AudPortoFerrovia (Unidade de Auditoria Especializada em Infraestrutura Portuária e Ferroviária) do TCU.
Por isso, os ministros do tribunal determinaram que o plano de ação preveja a edição de regulamentação específica de acesso às informações dos sistemas CCO das concessionárias e aos dados brutos relativos à operação do sistema ferroviário.
Entre operadoras, a avaliação feita é de que a diretriz dada pela corte já era de certa forma esperada, até pela previsão que existe nos contratos atualizados. Um ponto de atenção no setor privado, contudo, é para que a regulamentação do tema não coloque a agência de alguma forma no controle das CCOs, interferindo em decisões operacionais. O outro ponto é relativo à segurança do sistema, que não pode ser vulnerabilizada pelo acesso e dar brecha para riscos maiores de ataques hacker, por exemplo.
Acesso simplificado
O planejamento a ser apresentado ao TCU pela ANTT deverá prever ainda a criação e manutenção, dentro do site da ANTT, de uma seção de acesso público, que apresente de forma clara, simplificada e atualizada os principais indicadores de desempenho das concessionárias, “preferencialmente por meio de painéis interativos e em formato de dados abertos”.
A agência também precisará elaborar normas que passem a exigir das concessionárias a entrega dos projetos executivos relacionados aos programas de recuperação e manutenção da infraestrutura ferroviária, incluindo via permanente, obras de arte especiais e sistemas de sinalização e segurança. A criação de procedimentos de fiscalização para verificar a efetiva implantação desses projetos igualmente deverá ser considerada no plano de ação.
O acórdão do TCU prevê também uma recomendação para a ANTT. Os ministros sugerem que a agência passe a realizar de maneira institucionalizada a verificação e a comprovação das informações prestadas ao SAFF pelas concessionárias, “de maneira independente, utilizando fontes de informações não processadas pelas concessionárias, como os dados brutos de operações obtidos a partir do acesso aos sistemas de CCO das ferrovias outorgadas”.
“Não é razoável que, em pleno 2025, a fiscalização de contratos tão complexos e de longa duração ainda dependa de um processo manual, baseado em planilhas e documentos apartados do sistema central. A modernização da gestão pública, princípio basilar da boa governança, exige a automação e a integração de processos, especialmente os de fiscalização”, afirmou o ministro Antonio Anastasia, relator do caso na corte.
Achados e retornos da ANTT
Os achados da auditoria técnica se concentraram em dois. O primeiro identificou uma insuficiência na verificação e comprovação dos dados declarados pelas concessionárias no SAFF. O segundo achado da auditoria mostrou que, especificamente no módulo Siade (Sistema de Acompanhamento do Desempenho das Concessionárias) do SAFF, a ferramenta não estaria adequada para a análise e a fiscalização dos indicadores de prestação de serviço dos novos contratos de concessão.
Segundo Anastasia, ficou evidenciado que o acompanhamento de novos indicadores previstos em contratos mais recentes é feito de forma manual, com base em RAA (Relatórios de Acompanhamento) produzidos pelas concessionárias e análises pontuais dos técnicos da ANTT, que precisam extrair e cruzar dados de diferentes telas do sistema.
A reguladora informou ao TCU que há uma iniciativa por parte da agência para ampliar o nível de desagregação das informações do SAFF. A ANTT também deve fazer com que o sistema realize automaticamente as verificações realizadas nos RAAs. “Contudo, não foi apresentada nenhuma ação concreta por parte da ANTT”, disseram os auditores.
Ao analisar o relatório preliminar da auditoria feita pelo TCU, a agência pontuou que o desenvolvimento da fiscalização da corte coincide com a adoção de “ações concretas e concepção de soluções futuras”, pela ANTT, para melhoria do processo de prestação de informações no SAFF, sobretudo daquelas referentes aos novos indicadores contratuais. Para a AudPortoFerrovia, o retorno da agência demonstrou não haver oposição da ANTT quanto às recomendações que foram propostas pelos técnicos.
“Quanto à determinação proposta, também não houve objeção por parte da ANTT, uma vez que a agência apenas apresentou ponderações de como poderia implementar a regulamentação, que poderá ser realizada por meio de portarias específicas para cada concessionária”, afirmaram os auditores.
Problemas práticos
A apuração feita pela área técnica também verificou problemas práticos em dados dos sistemas informatizados. Um deles foi na qualidade de informações na consulta ‘Trens Formados’ do SAFF quanto ao número de trens, velocidade, distância percorrida, TU e TKU. A AudPortoFerrovia ressaltou que essa tela pode ser considerada uma das fontes de dados mais importantes do sistema.
Ela possui o grau menos agregado de informação que se tem no SAFF atualmente, acerca da produção de transporte e a utilização da malha. Assim, pode ser utilizada no cálculo da Capacidade Instalada da ferrovia e para a verificação da consistência do ISF e do IVMP (Índice de Velocidade Média de Percurso) declarados pelas concessionárias no RAA.
Passagens de nível
A corte também julgou na segunda-feira auditoria operacional para examinar a situação atual das passagens de nível nas concessões ferroviárias e as providências adotadas pelos atores responsáveis para mitigar os eventuais riscos envolvidos. No acórdão, os ministros recomendaram ao Ministério dos Transportes que avalie a pertinência de adotar providências como elaborar programa nacional para o tratamento da questão das passagens de nível ou, alternativamente, plano de ação para adotar medidas para mitigar os riscos das passagens clandestinas. Veja o acórdão.








