Nestor Rabello e Leila Coimbra, da Agência iNFRA
Foi costurado nos bastidores, nos últimos dias, um acordo político que assegura a derrubada, na Câmara dos Deputados, das emendas feitas no Senado ao projeto da Nova Lei do Gás (PL 4.476/2020). Deve haver o resgate da versão aprovada anteriormente pela Casa, baseada no relatório do deputado Laercio Oliveira (PP-SE).
Segundo fontes diretamente ligadas às negociações, o projeto passou por um momento de “virada”, após sucessivas tentativas de votação terem sido adiadas nos últimos dias por falta de acordo. Um grupo de deputados resistia em aprovar o projeto nos termos defendidos pelo governo. Mas houve o convencimento de ampla maioria para garantir o texto defendido pelo MME (Ministério de Minas e Energia).
A matéria está pronta para votação, mas foi preterida nesta semana pela apreciação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 186, a PEC Emergencial – necessária para assegurar o auxílio emergencial num momento de ápice da pandemia.
Governo alinhado
Entidades de grandes consumidores e industriais, e segmentos do setor produtivo que apoiam a proposta do governo intensificaram nos últimos dias as articulações em torno do projeto, sobretudo entre os próprios ministros do Palácio do Planalto, que ficam no entorno do presidente Jair Bolsonaro.
Como resultado, a defesa da matéria agora conta com um apoio uniforme do governo, e não apenas do MME e do Ministério da Economia. Havia receios, por parte de auxiliares do Planalto – e até lideranças da base governista – em enfrentar as distribuidoras estaduais no Congresso, onde o segmento exerce forte influência.
As distribuidoras detêm o monopólio constitucional de distribuição do gás canalizado e lutam para preservar as mudanças feitas pelos senadores e evitar que o projeto seja, enfim, colocado em votação.
No entanto, muitos que transitam também entre as distribuidoras avaliam ser difícil reverter a pressão pela aprovação da versão inicial do projeto, aprovada em setembro pela Câmara com uma margem grande de votos: 351 votos a favor e 101 contra.
Derrota
Conta, para a maré favorável ao governo, a aprovação na última quarta-feira (10) de um projeto que abre o mercado de gás no Amazonas. A proposta deve ser sancionada em breve pelo governo estadual e foi considerada como uma derrota emblemática para as distribuidoras.
Isso porque o estado detém uma das maiores reservas de gás do país, e o projeto, que quebra o monopólio local da Cigás (Companhia de Gás do Amazonas) sobre a comercialização, é discutido desde o ano passado, conforme publicado pela Agência iNFRA à época.
O projeto esclarece que a movimentação de gás natural em instalações e gasodutos na propriedade do agente não pode mais ser caracterizada como distribuição de gás canalizado. Atividades de transporte e distribuição de GNL (gás natural liquefeito) também não poderão ser classificadas como distribuição de gás canalizado.
O texto ainda dá maior poder à figura do consumidor livre, que poderá consumir volume igual ou superior a 300 mil m³/mês (metros cúbicos por mês). Anteriormente, só era permitido um volume de 500 mil m³/dia (metros cúbicos por dia), o que restringia esse consumo a grandes consumidores.
Emendas
Com isso, a força das distribuidoras estaduais em oposição ao governo, no âmbito da Nova Lei do Gás, enfraqueceu. Desde o ano passado elas protagonizam uma forte disputa com as entidades de grandes consumidores e industriais sobre o modelo a ser aprovado.
Na atual etapa de tramitação do projeto na Câmara, duas modificações feitas pelo Senado são o foco das negociações.
A primeira é uma emenda que restringe a competência da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) para a classificação de gasodutos de transporte ou de distribuição. O parecer de Laercio argumenta que o dispositivo poderia “criar monopólios regionais” no mercado de gás.
Já a segunda emenda, também polêmica, é a que trata do artigo 30 do projeto. A modificação do Senado flexibiliza as restrições quanto a um mesmo agente atuar em diferentes pontos da cadeia de gás natural. Para o governo, o dispositivo afetaria o acesso livre e isonômico dos agentes ao mercado e à competição.