MP 1.031, um retrocesso de 20 anos no setor elétrico?


Roberto Rockmann*

A Medida Provisória 1.031, nascida para tratar da capitalização da Eletrobras, carregou tantos jabutis que foram eles que ditaram a pauta e deixaram em segundo plano a privatização da estatal. Em um mundo corporativo orientado crescentemente pelas práticas ESG e em que o hidrogênio verde está na pauta de nações desenvolvidas e em desenvolvimento, a MP, que deve se transformar em lei em breve, olha para o passado, em vez de analisar o presente e projetar o futuro.

 A contratação de 8 GW de capacidade de térmicas é um exemplo de como mãos de deputados e senadores cristalizaram a retomada de um olhar usado há 20 anos, quando o racionamento de energia lançou a discussão de diversificação da matriz.

“O velho venceu o novo. Voltamos às velhas ideias de que térmica firma a hidrelétrica, em vez de olhar novas tecnologias, estamos usando o pior modelo possível para as térmicas. Voltamos a dizer que a matriz é hidrotérmica, quando se vive a diversificação e o avanço das renováveis e a discussão do hidrogênio verde”, disse uma fonte. O passado de contratação de térmicas é conturbado no Brasil.

PPT: dos 49 projetos, apenas 1 de pé
Em julho de 2001, quando o racionamento estava em vigor e o PPT (Programa Prioritário de Termeletricidade) era a bala de prata, dos 49 projetos lançados em 1999 sob o ministro Rodolpho Tourinho, apenas um estava de pé.

Em 2008, no governo Lula, o governo apostou nas térmicas por conta de dificuldade em licenciar projetos hidrelétricos. Cerca de 2 GW da Bertin em projetos térmicos leiloados naquele ano não entraram em operação no início da década seguinte, criando uma conta bilionária repassada aos consumidores.

Ao “enfiar goela abaixo”, na definição de um empresário, a contratação de 8 GW, os deputados e senadores atropelaram a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) e o planejamento em que o órgão estatal aponta a necessidade de contratação de usinas em locais em que já há gasodutos e com a flexibilidade necessária a cada caso.

“Não se discute armazenamento, não se discute um modelo de precificação da água que está nos reservatórios, repete-se um filme que não deu certo em várias oportunidades ao longo dos últimos 20 anos, sendo que desde 2004 há leilões de contratação de energia.”

Na mesma semana em que o governo apontou que o programa nacional de hidrogênio verde está sendo finalizado, a MP 1.031 indicou que prática e discurso nem sempre andam lado a lado. “Jabuti não sobe em árvore, foi mão de gente ou enchente”, diz o ditado. Algumas continuam atuando há 20 anos.  

Chineses?
Sobre a capitalização da Eletrobras, ainda há dúvidas entre os empresários se os jabutis reduziram o apetite de investidores. Diante de tamanha liquidez mundial, as empresas chinesas poderão participar do processo. A ver.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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