iNFRADebate: São Paulo tem modelo regulatório de sucesso no setor de gás natural

Zevi Kann*

O Brasil finalmente acordou para a importância do gás natural. Tivemos muitos movimentos nos últimos dois anos, desde o início de uma desconcentração de um setor ainda dominado pela Petrobras até a recente sanção da Nova Lei do Gás, a Lei nº 14.134 e o Decreto 10.712. Em junho de 2021 tivemos ainda a aprovação da MP da Eletrobras no Congresso Nacional, que autoriza a contratação de térmicas a gás, com reflexos na expansão da infraestrutura de gasodutos de transporte e consumo de gás canalizado.

Em meio aos debates, por vezes acalorados, sempre aparecem questionamentos sobre o modelo de desenvolvimento do setor nos estados, especialmente a regulação dos serviços locais de gás canalizado. A discussão sempre permeia os modelos de regulação existentes e a identificação dos benchmarks.

Não é objeto desta matéria analisar o binômio regulação e desenvolvimento do mercado de gás canalizado no Brasil, assunto este de alta complexidade em face dos diferentes modelos existentes nos estados e os estágios de maturidade diversos das concessões estaduais. Mas é inequívoco que a atuação técnica, independente da Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo) é um diferencial decisivo no sucesso desse modelo. Nesse sentido, o atendimento às melhores práticas regulatórias e a regulação do mercado livre são assuntos plenamente solucionados no estado de São Paulo há mais de uma década. 

No estado de São Paulo os números falam por si. De 1999 até o primeiro trimestre de 2021, o número de pontos de consumo atendidos aumentou em mais de sete vezes, chegando a mais de 2,2 milhões de ligações. Esta expansão resulta em uma população de cerca de 8 milhões de pessoas que dispõe do gás canalizado em suas residências, empresas comerciais e indústrias.

A concessionária “Gás Natural São Paulo Sul” (atual Naturgy) surgiu em 2000, em uma área 100% greenfield, ou seja, sem redes e sem consumidores. Hoje, os serviços de distribuição chegam a 18 dos 93 municípios, com mais de 93 mil clientes e 1.370 quilômetros de redes. 


Outra companhia, a Gás Brasiliano Distribuidora, inicialmente concessionária do grupo ENI – italiana e hoje controlada pela Gaspetro, começou suas atividades em 1999 e já soma mais de 1.160 quilômetros de rede, alcançando 43 municípios e atendendo mais de 34 mil clientes. Para os próximos anos, a Gás Brasiliano Distribuidora planeja investir cerca de R$ 200 milhões na região noroeste do estado, com expansão da rede de distribuição em aproximadamente 250 quilômetros, chegando ao total de 1.417 quilômetros ao final de 2025. 

Mas os números mais expressivos, sem dúvida, são os da Comgás. Em pouco mais de 20 anos de concessão, a companhia expandiu sua rede em quase 600%, totalizando mais de 19 mil quilômetros – em 1999, esse número era de aproximadamente 2.400 quilômetros. 

Não por acaso, o número de municípios atendidos passou de 18 para 92 cidades. E a quantidade de consumidores foi multiplicada em sete vezes, saindo de 300 mil clientes em 1999 para a marca de 2,1 milhões. O ritmo de novas ligações equivale a 12 novos clientes de gás canalizado conectados a cada hora. Em vinte anos de concessão, a Comgás já realizou mais de 9 bilhões em investimentos. Em 2020, mesmo com a crise da Covid-19, o investimento alcançou R$ 997 milhões, 11% acima de 2019. 

A evolução de outros indicadores também são notáveis na companhia, que vem aumentando cada vez mais seus investimentos em transformação digital. O índice de satisfação da Comgás, por exemplo, resulta em média de 95%, com base em seguidas pesquisas junto aos consumidores.

Outro ponto positivo de São Paulo é que as distribuidoras continuam se dedicando a investir em novas aplicações de mercado, relevantes para o estado, como o acordo para uso de biogás, com o qual a Gás Brasiliano Distribuidora pretende começar a abastecer Presidente Prudente, ou a parceria da Comgás com a Scania, o que pode representar um grande passo para a adoção de uma matriz mais limpa de transportes, substituindo o diesel. 

Os programas de pesquisa e desenvolvimento regulados pela Arsesp propiciaram o desenvolvimento tecnológico necessário para a obtenção de soluções inovadoras junto aos diversos mercados das três concessionárias, em mais de 280 projetos de eficiência energética, capacitação de profissionais e desenvolvimento de novas tecnologias, entre outros.

Tudo isso só tem sido possível por conta de um modelo de concessão orientado para atender ao interesse de todos, combinando um modelo regulatório e tarifário, capaz de estimular de modo simultâneo a eficiência na prestação de serviço e os investimentos.

Este respeito ao consumidor, concessionária e aos contratos de concessão, resultou em modelo que garante o desenvolvimento socioeconômico do estado e preserva o equilíbrio econômico-financeiro da concessão. A ampla expansão dos mercados implica em tarifas justas e com margens decrescentes, que permitem novos investimentos e incentivam a prestação de serviços com qualidade, indicadores de eficiência e segurança operacional.

Essa balança, evidentemente, só é viável com uma agência reguladora com corpo técnico qualificado e autonomia.

É a combinação que faz de São Paulo um benchmark, um exemplo a ser seguido e valorizado.

*Zevi Kann é sócio-diretor da Zenergas Consultoria desde 2012. Dirigente da CSPE (Comissão de Serviços Públicos de Energia-SP) e da Arsesp (Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo) no período de 1998 a 2011. Foi fundador e presidente da Abar (Associação Brasileira de Agências de Regulação).
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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