Tales Silveira, da Agência iNFRA
Especialistas do setor ferroviário afirmam que os vetos apresentados pelo governo à Lei 14.273/2021 – a Nova Lei das Ferrovias – sancionada em 23 de dezembro, poderão trazer aumento de interrupção e abandono de projetos.
A principal causa das possíveis descontinuidades será o veto do presidente da República ao artigo 25, § 1º, II, ‘e’. O dispositivo determinava que os requerimentos de autorização para a exploração de ferrovias em regime privado fossem acompanhados dos respectivos Evteas (Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental).
De acordo com a analista sênior do CPI/PUC-Rio (Climate Policy Initiative da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), Joana Chiavari, os Evteas permitem antecipar a análise dos aspectos socioambientais dos projetos e servem de subsídio à elaboração dos EIAs (Estudos de Impacto Ambiental) e ao licenciamento ambiental.
A obrigação da apresentação dos estudos permite que os projetos cheguem à fase de implementação mais robustos e com maior qualidade, reduzindo as chances de interrupção e abandono.
“O dispositivo é um ganho muito grande, porque os estudos ambientais feitos ao longo do projeto e os estudos de impacto ambiental aumentam a qualidade e segurança do ambiente de negócios, reduzem a insegurança e os custos de transação. Também permite que os projetos possam ser aprimorados e impede que outras propostas não tão robustas ou até inviáveis acabem chegando em uma fase de implementação para logo depois serem abandonadas ou interrompidas”, afirmou Chiavari.
Ainda segundo Joana Chiavari, o veto do governo vai contra todas as determinações do TCU (Tribunal de Contas da União) e dos estudos publicados que demonstram que a apresentação do Evtea em fase preliminar desafoga as liberações dos licenciamentos ambientais.
“Em todos os estudos que temos feito, como por exemplo os que nos debruçamos em rodovias e ferrovias implementadas na Amazônia, vimos que os Evteas têm um papel especial para tomada de decisão. Eles permitem uma antecipação para decisão sobre a viabilidade ambiental. Isso desafoga a obtenção de licenciamento”, disse.
Tratamento ligeiro
As análises da especialista são corroboradas pelo professor de Engenharia da UnB (Universidade de Brasília) e especialista em transportes, Joaquim Aragão. Segundo ele, a questão ambiental não pode ser olhada de forma ligeira pelo governo.
“Entendo que a autorização é uma outorga por conta e risco. Agora, a questão ambiental não pode ser tratada de forma ligeira. Efeitos ambientais precisam ser avaliados. Como ficará a avaliação dos impactos ambientais? Eles terão de ser avaliados a certa altura do projeto. Antes da autorização, ou depois, na feitura do projeto? De qualquer forma, os projetos não poderão ignorar áreas de proteção ambiental, ainda na fase da autorização”, comentou.
De acordo com a justificativa dada pelo governo, a proposição vetada contrariava o interesse público, pois na autorização para exploração de serviços ferroviários o risco de implantação do empreendimento é exclusivo do particular.
“Portanto, não seria o caso de imputar ao Poder Público a tarefa de analisar os Evteas. Tal disposição implicaria gasto desnecessário por parte das entidades públicas na análise dos requerimentos de autorização e aumentaria o lapso temporal para a conclusão de tais processos”, informa o texto da justificativa.
Minfra defende que risco é privado
À Agência iNFRA, o Ministério da Infraestrutura reforçou que, como o risco do negócio é do autor do pedido, não há razão para que o Poder Público exija a apresentação dos Evteas nesta fase. Contudo, ressaltou que existe um caminho a ser trilhado pelas empresas autorizadas a construir e operar novas linhas ferroviárias: “Um deles é a apresentação do estudo de viabilidade nas próximas fases do projeto. Sem estudos robustos, dificilmente haverá sucesso junto a investidores e fundos de financiamento.”
Até o momento, o Minfra recebeu 76 requerimentos para construção e operação de ferrovias pelo regime de autorização, perfazendo 19 mil quilômetros de novas ferrovias privadas, cruzando 16 unidades da federação e investimentos que ultrapassam R$ 224 bilhões. De setembro até janeiro, 21 contratos de autorização para construção e operação de ferrovias foram assinados.
Cultura privada
Segundo o diretor-executivo da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários), Fernando Simões Paes, é preciso que a lógica das autorizações seja de atração de empresas para realização dos projetos.
“Pedir o Evtea neste momento acarretaria em retardar e encarecer o projeto. Isso iria afastar os interessados. Precisamos mudar a mentalidade. Estamos falando que o privado vai assumir todo o risco. Se tivermos desistências e sairmos desse processo com várias autorizações, nós ganhamos. O importante é discutir os projetos. Eventualmente a própria desistência dos projetos traz ganhos para o país”, falou.
Paes afirma ainda que todos os projetos precisarão obrigatoriamente ser licenciados. Principalmente para que o governo possa emitir DUPs (Declarações de Utilidade Pública) para desapropriações.
“O governo começará a participar mais quando acontecer as desapropriações. Sem isso não se faz ferrovia. Neste momento é claro que este projeto tem que ter rigidez. E ele naturalmente vai estar, uma vez que estamos falando de empreendimento privado. Eventualmente, a própria desistência dos projetos traz ganhos para o país”, afirmou.
Veto no Congresso
De acordo com o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista na Câmara Federal, deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), o veto trará dificuldades para obtenção dos licenciamentos ambientais. Ele afirma que a frente deverá se reunir nas próximas semanas para analisar sobre a possível derrubada do veto.
“Me parece que esses estudos sendo feitos depois das autorizações só irão atrapalhar o processo, uma vez que qualquer obra precisa de licenciamento ambiental. Já entrei em contato com a minha equipe para podermos entender melhor o veto e devemos ter uma reunião específica da frente para tratar deles. Teremos que levar em conta a possibilidade de derrubada, porque tudo isso faz parte de acordos na bancada e no setor ferroviário”, disse.