Amanda Pupo, da Agência iNFRA
O projeto de concessão da EF-118, ferrovia para ligar Espírito Santo ao Rio de Janeiro, vai ser encaminhado ao TCU (Tribunal de Contas da União) com a previsão de que a Vale pague por parte dos recursos que vão viabilizar o corredor, e não mais construa o que ficou conhecido como Ramal Anchieta, perna final que conectará a EF-118 à EFVM (Estrada de Ferro Vitória-Minas), ferrovia concedida à mineradora. O trecho foi incorporado oficialmente ao objeto da concessão e por isso será construído e gerido por quem arrematar a nova ferrovia, em leilão por ora previsto para junho de 2026.
Sem viabilidade apenas com receitas próprias, a malha deve receber um aporte total de R$ 4,1 bilhões – a maior parcela da MRS, que acertou pagar R$ 2,8 bilhões pela repactuação de seu contrato, valor todo previsto para ser investido na EF-118. O aditivo da MRS foi aprovado nesta quarta-feira (17) pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), na mesma reunião em que a reguladora deu aval para o projeto que integra o Anel Ferroviário do Sudeste ser enviado para avaliação do TCU.
Outros R$ 502,5 milhões da EF-118 sairão da renovação da Rumo Malha Paulista. O saldo necessário fecha com R$ 826,1 milhões da Vale. Os recursos são oriundos da outorga de renovação da EFVM, assinada em 2020 pelo governo passado. À época, a Vale topou, como investimento cruzado obrigatório, usar parte do valor devido ao governo para construir trecho da Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste), obra entre Goiás e Mato Grosso em execução.
Já a construção no Espírito Santo, que ligaria Anchieta (ES) a Santa Leopoldina (ES) – onde se conecta com a EFVM – entrou como investimento adicional, que possivelmente só seria executado com algum aporte público, eventualmente com apoio do governo capixaba. Ou seja, as bases para o ramal ser erguido ainda precisariam ser acertadas com o governo.
A expectativa era de que o assunto fosse resolvido na repactuação negociada neste ano, mas a falta de acordo entre a Vale e o Executivo acabou por agravar as incertezas em torno da EF-118. O problema central era que, sem o ramal Anchieta, o projeto não faria sentido dentro da integração das malhas que é buscada pelo Ministério dos Transportes para a região.
O governo chegou a expedir diretriz determinando o acionamento do gatilho do investimento pela Vale no trecho. A ANTT, contudo, alertou que havia expectativa de que o reequilíbrio que seria gerado em favor da mineradora superaria a outorga disponível. Isso porque a obra, na realidade, custaria mais para a Vale do que o valor livre devido pela companhia ao governo, nos termos da renovação. Além do aviso dado pela ANTT, a própria Vale comunicou à pasta que preferia não executar o ramal e sim pagar a outorga, evitando acionar a cláusula de reequilíbrio.
A situação remete ao que ocorreu nas obras da Fico. Nas tratativas de repactuação do contrato da EFVM, a Vale tentou sair da execução do trecho que ficou sob sua responsabilidade na renovação. O governo não concordou e a divergência foi um dos motivos de a comissão de solução consensual não ter chegado a um termo.
O debate é embalado também pelo fato de os custos estimados para as obras ferroviárias estarem ficando abaixo do desembolso que é efetivamente demandado das concessionárias. Como o reequilíbrio não atende todo esse custo extra, sai mais barato para a operadora fazer o aporte do que executar o empreendimento.
O próprio ministério entendeu também que deixar a construção do ramal sob responsabilidade da mineradora geraria uma dependência muito grande da Vale. A avaliação vai na mesma linha da defesa que a pasta tem feito de que o investimento cruzado em ferrovias é mais efetivo por meio de aporte em contas bancárias do que pela exigência de a concessionária construir um trecho que está fora de seu objeto de operação.
A Sucon (Superintendência de Concessão da Infraestrutura) da ANTT igualmente considerou o modelo mais eficiente. A área técnica apontou, por exemplo, que o desenho preserva o contrato da EFVM, ao evitar o consumo integral da outorga e a potencial geração de passivo, e garante previsibilidade financeira para completar as transferências devidas pela Rumo e pela MRS.
“Verifica-se, também, uma racionalidade econômica, associada a aspectos da operação ferroviária, já que é mais eficiente que o Ramal de Anchieta permaneça integrado ao escopo do próprio concessionário, evitando fragmentação operacional e garantindo maior alinhamento de incentivos”, afirmou a Sucon no processo.
Pendências
Embora o projeto vá ser enviado ao TCU nesses moldes, ainda há espaço para que mudanças aconteçam na modelagem. Para efetivar o uso da outorga da Vale, segundo apurou a Agência iNFRA, ainda precisará ser fechado um aditivo no contrato da mineradora prevendo a nova destinação do valor – que deixará de ir para a conta única do Tesouro.
Em paralelo, o governo e a Vale estão retomando conversas para tentar, em 2026, voltar a renegociar os contratos da EFVM e da EFC (Estrada de Ferro Carajás), já que o Ministério dos Transportes não concorda com as bases das renovações de 2020.
Nos últimos meses, após a falta de acordo na SecexConsenso, integrantes da pasta vinham falando em relicitar as concessões, especialmente a EFC. Mas a temperatura baixou recentemente com a possibilidade de as tratativas serem retomadas – agora fora do ambiente de solução consensual do TCU, porque as regras não permitem a reabertura.
O projeto ainda prevê ser possível que, caso os recursos que virão da MRS, Vale e Rumo não sejam suficientes, o governo faça aporte público na ferrovia para cobrir eventual “gap de viabilidade”, “tendo a Secretaria do Orçamento Federal (SOF) criado fonte orçamentária exclusivamente destinada à aferição de recursos ferroviários” – o que também gera um desafio tendo em vista o ineditismo do uso deste modelo orçamentário.
Material rodante
Relator do caso na ANTT, o diretor Felipe Queiroz destacou em seu voto que, além de ser um corredor logístico importante, o projeto da EF-118 é relevante também por carregar “inovações do ponto de vista de governança e de modelo de outorga”.
Além da estrutura financeira, uma inovação é a não previsão de material rodante para fins de operação própria do futuro concessionário. O governo entendeu que, para esta ferrovia, o melhor modelo seria que o material rodante possa ser compartilhado pelas concessionárias a serem conectadas com a malha da EF-118, inicialmente EFVM e FCA (Ferrovia Centro-Atlântica), uma vez que as cargas identificadas no estudo técnico necessariamente serão originadas ou destinadas a pontos que envolverão malha diversa da EF-118.
Mesmo assim, será garantido ao futuro concessionário a possibilidade de operar como qualquer outra concessionária ferroviária regulada pela ANTT. Outra singularidade do projeto é a divisão entre o trecho obrigatório para a futura concessionária e o trecho condicional. A princípio, ela terá de construir a ligação entre São João da Barra (RJ) e Santa Leopoldina (ES), conectando-se à EFVM.
A fase condicional é a do Trecho Sul, entre São João da Barra (RJ) e Nova Iguaçu (RJ), conectando-se à malha da MRS. “É tratado como um módulo de expansão condicional, cuja execução depende de diretriz do Ministério dos Transportes, viabilidade técnica comprovada e acordo entre as partes, conforme critérios objetivos previstos no contrato”, observou Queiroz.
Ferrogrão e ROF 1
A ANTT também aprovou, nesta quarta-feira (17), o envio ao TCU dos estudos do projeto de concessão da Ferrogrão – desenhada para ser a principal via de escoamento de grãos do Mato Grosso, conectando o estado ao Pará. Relator do caso na reguladora, o diretor-geral da ANTT, Guilherme Sampaio, destacou que os estudos estão atualizados e seguem todos os regramentos previstos pelo STF (Supremo Tribunal Federal), respeitando as questões ambientais e os povos originários.
Ainda no segmento ferroviário, a diretoria da ANTT aprovou a abertura da consulta pública sobre a proposta de resolução das Regras Gerais de Outorgas Ferroviárias, chamadas de ROF 1, que compõe o projeto do CGTF (Condições Gerais de Transportes Ferroviários), responsável por uma revisão regulatória do setor.







