As concessões de rodovias entre 2023 e 2024. Parte I: o que aconteceu no último ano?

Marco Aurélio Barcelos*

A cada ano, é sempre bom refletir sobre as realizações do último ciclo e o caminho a percorrer no futuro. Nas concessões de rodovias brasileiras, dadas as conquistas e os desafios projetados, um balanço como tal não poderia ser mais oportuno. O ano de 2023 trouxe avanços em múltiplas dimensões. Mesmo com mudanças de governo, ficou claro (ao menos nos dois maiores programas do país – o federal e o do Estado de São Paulo) que as concessões de rodovias seguiram firmes na pauta das políticas públicas de investimento.

O início do ano teve como primeiro destaque o TCU (Tribunal de Contas da União) e a criação da Secex Consenso (Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos), unidade que se incumbiu de viabilizar a construção, de forma colaborativa, de soluções para temas complexos da Administração Pública – como contratos de concessão em crise. A nova secretaria representou uma alternativa animadora, especialmente para o problema das concessões da 3ª Etapa do Procrofe (Programa de Concessões de Rodovias Federais). Com a edição da Portaria nº 848/23 do Ministério dos Transportes que consolidou as regras do que se convencionou chamar de otimização de contratos, 14 concessionárias submeteram, até o fim de 2023, seus contratos à alternativa de solução consensual inaugurada pelo TCU.

No âmbito federal, ainda cabe mencionar o início da primeira operação do sistema de livre passagem – o free-flow –, que se tornou realidade no trecho da BR-101 administrado pela CCR RioSP, entre os municípios de Ubatuba (SP) e Rio de Janeiro (RJ). Fruto de um processo (igualmente inovador) de regulação experimental (o “sandbox”) liderado pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), o sistema confirmou a viabilidade técnica dos equipamentos e meios de aferição de passagem dos veículos, superando, ainda, expectativas relacionadas ao comportamento dos usuários e à taxa de adimplemento das tarifas de pedágio. É notório, nesse sentido, o esforço empreendido pela concessionária quanto à sensibilização dos motoristas e à difusão dos dispositivos automáticos de pagamento (tags), que contribuem para reduzir as evasões.  

Falando em tecnologia, chama a atenção outro sandbox conduzido pela ANTT em 2023, com a concessionária Ecovias do Cerrado, na BR-365. Trata-se da instalação das primeiras balanças de pesagem em movimento do Brasil (“high speed weight in motion” ou “HS-WIM”), inicialmente nos municípios de Uberlândia (MG) e Cachoeira Alta (GO), que traduzem um modelo capaz de tornar bem menos complicada a lógica da pesagem de veículos de carga e, ao mesmo tempo, ampliar a capacidade de aferição da conformidade do peso de quem trafega nas estradas – garantindo a qualidade do pavimento e a segurança das pessoas. Os resultados desse experimento serão condensados ao longo de 2024, e é certo que tanto a pesagem em movimento quanto o free-flow sinalizam a tendência crescente de incorporação de novas tecnologias nas rodovias concedidas. Estima-se, aliás, que tais iniciativas ganhem corpo no nível infranacional no próximo ano, tal como já se deu, por exemplo, na concessionária Caminhos da Serra Gaúcha, no Rio Grande do Sul, que já conta com pórticos em operação para o free-flow.

Mais avanços observados em 2023 dizem respeito à evolução do RCR (Regulamento das Concessões Rodoviárias), orientado a modernizar e uniformizar as normas incidentes sobre os contratos de concessão de rodovias federais. Destaca-se, a esse propósito, a realização da reunião participativa e da audiência pública do RCR3 pela ANTT, cujo objeto é a gestão econômico-financeira das concessões rodoviárias e que tratou de temas de impacto, como a dinâmica das revisões e do reequilíbrio econômico-financeiro contratual. Em 2024, espera-se a publicação das duas normas remanescentes, o RCR4 e o RCR5, arrematando-se a proposta de renovação normativa buscada pela agência.

Na ANTT, aliás, as discussões para o aprimoramento regulatório não se limitaram ao RCR. Foi concluída a proposta de nova matriz de risco para os contratos concessórios, incorporando inovações significativas sobre o tema, como a regra de assunção, pelo poder concedente, dos denominados riscos residuais a partir de determinado patamar. De outro lado, colocou-se em pauta o disciplinamento dos “dispute-boards” nos contratos de concessão, assim como a ampliação do uso da certificação acreditada nos projetos. Por fim, foi criada a Câmara “Compor”, por meio da Instrução Normativa nº 1/23, visando a proporcionar eficiência na prevenção e na solução consensual de controvérsias entre a ANTT e as entidades reguladas, somando-se aos demais mecanismos de gestão de conflitos contratuais existentes.

Da parte do Ministério dos Transportes, além da já citada Portaria nº 848/23, que tratou das otimizações contratuais junto à Secex Consenso do TCU, vale menção às novidades normativas condensadas na Portaria nº 995/23 (com a Política Nacional de Outorgas Rodoviárias), bem como na Portaria nº 993/23 (com o sistema integrado de monitoramento dos processos de licenciamento ambiental). Essa última, em especial, buscou endereçar uma preocupação latente: a agilização dos processos de licenciamento de obras em trechos de rodovias, por meio da estratégia denominada de “Midas” (a qual pressupõe a articulação de várias áreas do poder público para garantir o cumprimento dos cronogramas das obras, mitigando riscos em processos de desapropriação, realocação, reassentamento e licenciamento ambiental).

Já a nova Política de Nacional de Outorgas reuniu diversas diretrizes para a modernização da modelagem dos projetos de concessão de rodovias, sobressaindo-se: a cristalização do critério de menor tarifa para os leilões, limitada a um percentual máximo de desconto a ser definido em cada caso, cuja superação exigirá aportes pelos licitantes; a menção expressa à possibilidade de adoção de PPPs (Parcerias Público-Privadas) pelo Ministério dos Transportes nas concessões rodoviárias; o reforço à automaticidade dos reajustes contratuais; a consolidação do DUF (desconto para o usuário frequente) e o incentivo à adoção de tags como meios de pagamento; a previsão da incorporação paulatina do free-flow aos contratos de concessão; a necessidade de modernização das cláusulas de risco nos contratos, como a de compartilhamento de demanda, de variações relevantes no preço de insumos e de evasão no free-flow; a ampliação do prazo dos ciclos de investimentos, quando houver alta concentração de capital nos projetos; a modernização dos critérios para aferição de parâmetros de desempenho, diferenciando-se, por exemplo, os parâmetros utilizados para pista, acostamento e vias marginais; o incentivo à utilização de drones, telemedicina, entre outros recursos que reduzam o tempo de atendimento aos usuários; a incorporação de ações afirmativas de gênero e raça nas concessões; dentre tantas outras. A Portaria nº 995/23 solidificou tendências e cristalizou orientações que dialogam com questões de relevo, e poderia até mesmo inspirar a modelagem de projetos em nível estadual e municipal.

Quanto aos leilões de concessões, propriamente ditos, três acontecimentos marcaram, no contexto federal, o ano de 2023. Em primeiro lugar, foram realizadas as licitações dos tão aguardados Lotes do Paraná (Lote 1 e Lote 2). O número de competidores nos processos foi reduzido, sendo que para o Lote 2 participou apenas o Consórcio Infraestrutura PR, do Grupo EPR, com desconto de 0,08% sobre a tarifa-teto. Para o Lote 1, além desse mesmo consórcio, competiu o Grupo Pátria, que arrematou a concessão com o desconto máximo sobre a tarifa, de 18,25%. Ambos os grupos, em todo caso, estrearam no programa de concessões federais – embora já detivessem contratos no nível subnacional.

Em segundo lugar, deu-se a frustração do leilão da BR-381, em Minas Gerais, que não atraiu interessados. Sem dúvida, essa traduz uma licitação difícil pelas próprias condições geotécnicas do trecho a ser concedido. Mas a ausência de licitantes para o projeto, somada à baixa adesão de competidores nos Lotes do Paraná, acendeu o alerta sobre a necessidade de se trabalharem melhorias na modelagem das próximas concessões – desafio sobre o qual se falará em outra oportunidade.

Saindo da esfera federal, vale compartilhar avanços experimentados na realidade do Estado de São Paulo, que igualmente chamaram a atenção em 2023. A agenda de novos projetos seguiu reforçada, com o anúncio de mais de dois mil quilômetros de rodovias a serem concedidos até 2026. Ganharam destaque o leilão do Rodoanel Norte, bem como a licitação do Lote Litoral Paulista. Essa última teve o edital publicado no fim do ano passado, com prazo de entrega de propostas previsto para abril de 2024. Quanto ao Rodoanel, o certame contou com três participantes, saindo vencedora a Via Appia Fundo de Investimentos e Participações, gerido pela Starboard Asset – mais um entrante no setor. Também foi assinado o contrato de concessão do Lote Noroeste Paulista (que havia sido licitado em 2022) com a concessionária EcoNoroeste, do Grupo Ecorodovias.

Em São Paulo, ademais, deu-se prosseguimento à agenda de negociações relacionada aos TAM (termos aditivos modificativos) destinados a resolver passivos do setor, nomeadamente com a Arteris e as controladas Intervias, Vianorte, Centrovias e Autovias – primeiro em caráter preliminar, e, já em janeiro de 2024, de modo definitivo.

Outro evento marcante foi o reconhecimento do mérito do desequilíbrio econômico-financeiro ocasionado aos contratos de concessão pela Covid-19 e a queda aguda do tráfego de veículos nas rodovias do estado. Nesse caso, foi operacionalizada a recomposição do prejuízo de forma preliminar – sendo essa uma medida inovadora e inteligente por parte do governo estadual, materializada através da Resolução nº 19/23 da SPI (Secretaria de Parcerias em Investimentos). Tal resolução disciplinou a figura do reequilíbrio cautelar, fixando critérios lógicos para a sua implementação, limitada a 80% do impacto estimado do prejuízo.

Por fim, o governo paulista sinalizou o interesse de ampliar a adoção do free-flow nas rodovias estaduais (os contratos do Rodoanel Norte e da EcoNoroeste já contemplam tal obrigação, a ser efetivada nos próximos anos), havendo, inclusive, a realização de audiência pública para debater o denominado Programa Siga Fácil, voltado a promover a implementação da livre passagem de veículos.

Esses eventos todos traduzem uma pequena amostra dos pontos altos do ano terminado. Tanto sob o ponto de vista quantitativo, quanto qualitativo, os acontecimentos observados sinalizam avanços e aguçam um sentimento de otimismo e entusiasmo sobre os rumos que as concessões de rodovias estão tomando. As concessionárias bateram o recorde histórico de investimentos do setor em 2023, somando R$ 11,3 bilhões só em obras. Além disso, é esperado que a extensão dos trechos concedidos no país, hoje em torno de 28 mil quilômetros, venha a quase dobrar nos próximos cinco anos, tornando o programa de concessões brasileiro um dos maiores do planeta. É claro, entretanto, que desafios para o futuro são antevistos, os quais haverão de ser equacionados de maneira assertiva e célere, a fim de garantir o sucesso da agenda vindoura. O assunto, porém, exigirá um artigo só para si.

*Marco Aurélio Barcelos é diretor-presidente da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias).
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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