CDE: Conta de subsídios paga pelos consumidores já cresceu 38 vezes desde a sua criação

Geraldo Campos Jr. e Marisa Wanzeller, da Agência iNFRA

A CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) foi criada a fim de contribuir com a universalização da energia elétrica e para custear a tarifa social. Em 2003, seu primeiro ano de vigência, custou R$ 1 bilhão aos consumidores. De lá para cá, a conta virou uma espécie de “bola de neve”, sendo inflada por penduricalhos e subsídios, e cresceu 38 vezes, chegando à previsão de custar R$ 40,6 bilhões em 2025, conforme dados da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).

Parte disso deveu-se à inserção na CDE de outros custos que já compunham a estrutura tarifária, como a CCC (Conta Consumo de Combustíveis), encargo pago pelas distribuidoras e transmissoras para subsidiar os custos de geração de Sistemas Isolados. Assim como os subsídios para fontes incentivadas, que tiveram o maior aumento de custo nos últimos anos. 

Como começou
Criada pela Lei 10.438/2022, a CDE tinha como objetivo “promover a universalização do serviço de energia elétrica em todo o território nacional”, além de custear os descontos para a população de baixa renda. De 2003 a 2012, a conta tinha um orçamento praticamente fixo, que apenas era atualizado pela inflação e crescimento do mercado. O valor, que começou em R$ 1 bilhão no primeiro ano, chegou a R$ 3 bilhões em 2009 e atingiu R$ 4,4 bilhões em 2012.

Naquele ano, a CDE passou por uma reconfiguração com a publicação da MP (Medida Provisória) 579/2012, editada no fim de 2012, no governo de Dilma Rousseff, e depois convertida na Lei 12.783/2013. Considerada um “divisor de águas do setor elétrico”, a medida aglutinou na conta vários subsídios e encargos setoriais.

A diretora técnica da consultoria PSR, Angela Gomes, avalia que a MP fez “um saco de gatos de encargos setoriais” ao colocar a CCC dentro da CDE. “A CCC já existia na ordem de R$ 4 bi nos anos anteriores. Então a MP inseriu coisas que antes eram rubricas superadas”, disse à Agência iNFRA

Apesar disso não ser necessariamente a causa do aumento exponencial da CDE, “indiretamente as pessoas passaram a olhar menos para esse custo”, avalia a especialista. Quando a CCC era cobrada direto em cada concessionária, o valor recebia um olhar mais atento quando estava alto, a fim de tentar reduzi-lo. “Agora virou uma tragédia dos comuns, sem ninguém estar muito preocupado, virou uma bola de neve”, pondera. 

Como resultado, a CDE saltou para R$ 14,1 bilhões em seu primeiro ano do novo modelo, um crescimento de 230% em um ano.

Comparação
Com a ampliação do escopo de atuação da CDE e na sua metodologia de cálculo, a ANEEL ressalta que não é possível fazer uma comparação direta entre o valor de quando a conta foi criada e o atual. “Entre as mudanças, foi prevista a sistemática de avaliação anual de orçamento para a CDE, sendo que as quotas anuais são definidas ‘por diferença’, com base na comparação das despesas totais previstas deduzidas das demais fontes de receitas ordinárias. Portanto, vistos a diferença de despesas que a CDE cobria e a forma de obtenção da quota, fazemos a ressalva da impossibilidade de comparação entre os valores atuais com os anteriores a 2013″, disse a reguladora.

Assim, comparando os valores já no novo modelo, o orçamento da CDE quase triplicou de tamanho entre 2013 e 2025. 

Renováveis puxam alta
Com o novo formato, a conta não parou de subir “por causa da política pública”, segundo Angela Gomes. A CCC, por exemplo, saiu do patamar de R$ 4 bilhões pré-MP 579 para mais de R$ 10 bilhões anuais desde 2022, sendo historicamente o maior custo da CDE nos últimos anos.

A diretora da PSR explica que a expectativa era que a CCC tivesse seu custo reduzido aos poucos, mas foi escalando de forma ineficiente por causa do “pouco foco na interligação ou na substituição de térmicas muito caras, além de aumento do custo de combustível e falta de fiscalização”. Ela chama atenção ainda para o risco do subsídio crescer ainda mais nos próximos anos, com novos custos com a Amazonas Energia, por exemplo.

Contudo, o que mais pesou no orçamento da CDE na última década foram as fontes incentivadas, informa a especialista. Foram concedidos subsídios muito elevados para as fontes eólica e solar, que se tornaram muito competitivas ao longo do tempo, conforme explicou. “Uma fonte que já é competitiva sem subsídio e ainda tem subsídio, ela explode. Tem que ter um estancamento desse subsídio que não é mais necessário para essas fontes”, disse Angela.

Em 2015, por exemplo, o subsídio para fontes incentivadas foi de R$ 1,1 bilhão. Agora em 2025, o orçamento estimado pela ANEEL para essa rubrica é de R$ 10,6 bilhões, ultrapassando pela primeira vez a CCC (projetada em R$ 10,3 bilhões). Isso significa um crescimento 1.000% em 10 anos, enquanto o subsídio dos sistemas isolados cresceu 44% no mesmo período.

Outro componente que cresceu exponencialmente em 10 anos foi a tarifa social, de R$ 2,1 bilhão para R$ 6,6 bilhões. Angela Gomes cita como motivos o aumento das pessoas em situação de pobreza após a recessão em 2014 e 2015, e o fato de que a própria tarifa de energia em si subiu e o subsídio é calculado de forma proporcional à tarifa.

Já o subsídio para o carvão manteve-se estável. “Estão acabando os contratos existentes, mas não precisamos mais subsidiar”, destacou a diretora da PSR. 

Como resultado, a CDE representa atualmente entre 11% e 12% das tarifas residenciais, segundo cálculos da PSR e da Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres), respectivamente. 

À Agência iNFRA, a Abrace ponderou que “como a CDE é o item mais conhecido e ganhou espaço na mídia e no parlamento, as pessoas muitas vezes não sabem que existem outras ineficiências que fazem parte da conta de luz, mas não entram na CDE”. 

Geração distribuída
A diretora técnica da PSR chama atenção, por exemplo, para o crescimento do subsídio para a MMGD (Micro e Minigeração Distribuída), que embora não esteja dentro da CDE e seja incorporado à tarifa de cada distribuidora, foi o subsídio que mais cresceu e deve manter ritmo acelerado de alta. 

Segundo ela, o montante que já chegava a R$ 11,5 bilhões em 2024 será ainda maior em 2025, uma vez que foi a fonte que mais cresceu no último ano. “Neste ano, esse volume todo de GD [Geração Distribuída] vai entrar. Provavelmente, se abrirmos o subsidiômetro da ANEEL no fim do ano, a GD será a maior. Mas isso é fora da CDE”, afirmou. 

Somando o crescimento da CDE a outros custos que também sinalizam para forte alta nos próximos anos, como a MMGD e os contratos de energia de reserva, Angela diz que a situação atual do setor é insustentável. Para ela, é preciso sentar à mesa e, inclusive, alterar leis setoriais para evitar um colapso. Ela avalia que é “preciso reduzir esses legados, porque a gente já foi muito além do que deveria”. 

“Estamos numa situação muito grave. Considerando os R$ 40 bilhões da CDE, os R$ 12 bilhões da GD, mais o Proinfa [Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica] e energia de reserva, já são mais R$ 60 bilhões em 2024. E isso já vai aumentar por si só, pelo que já existe de legado. É um círculo vicioso”, declarou.

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