Cresce o risco de judicialização no gasoduto Subida da Serra, da Comgás

Roberto Rockmann*

Diante de novas divergências entre o governo federal, o governo paulista e agentes, cresceu no mercado de gás a percepção de que seja judicializada a operação do gasoduto Subida da Serra e do TRSP (Terminal de Regaseificação de São Paulo).

Isso ocorre diante do impasse que envolve a discussão regulatória sobre a infraestrutura, em fase final de construção e que deve operar em 2024. De um lado, Comgás e Compass, detentoras da infraestrutura, estão com os ativos em estágio próximo da operação. Já grandes consumidores de gás e transportadores têm receios sobre os custos e sobre a concentração de poder no estado de São Paulo, o maior mercado do insumo no país.

A discussão judicial, que poderia ser aberta por transportadores ou consumidores que queiram evitar o início da operação, poderia dificultar a expansão do mercado livre do estado (por trazer insegurança jurídica), além de questionamentos sobre a competência legal entre estados e a União no setor. Diante do impasse, empresários já se articulam para a partir dessa semana debater o assunto com ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) e a Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo), buscando reduzir as tensões.

A preocupação é reflexo de divergências que ficaram evidentes nos últimos dias em relação à tentativa de acordo proposta pela ANP e que mostraram que chegar a um consenso está distante ainda, o que pode atrasar uma decisão em um momento em que a operação da nova infraestrutura se aproxima.

Na última quarta-feira (20) foi a realizada audiência pública sobre a minuta do acordo de classificação do gasoduto Subida da Serra como sistema de distribuição. Na semana passada, ainda foram publicadas as manifestações dos participantes da consulta pública da ANP sobre a proposta de minuta de acordo com a Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo).

Na minuta do acordo, foram propostas cinco condicionantes que restringem a possibilidade de o gás ser comercializado fora do estado de São Paulo: 1) o gasoduto não se conectará à Unidades de Processamento de Gás Natural, estocagem ou gasodutos de transporte; 2) se destinará exclusivamente a atender os consumidores finais da Comgás; 3) não haverá entrega e venda de gás a outras concessionárias; 4) haverá controle de previsão de vazão; 5) cobrança de tarifa de volume adicional.

Acordo distante, divergências relevantes
A tentativa da ANP de buscar consenso parece difícil, em razão de divergências em relação às condicionantes propostas. As diferenças de opinião não são apenas entre consumidores, transportadores e distribuidoras, mas envolvem as reguladoras da União e de São Paulo. Isso indica que evitar a esfera judicial poderá implicar arbitragem das cúpulas do governo federal e do Palácio dos Bandeirantes.

Há discordâncias entre o governo de São Paulo, o Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio), um dos que estão à frente do programa Gás para Crescer, e o MME (Ministério de Minas e Energia).

O MME, por exemplo, em sua contribuição tornada pública semana passada, destaca não ter sido feito mapeamento dos “efeitos ou impactos” do acordo proposto, “bem como pelo fato do documento não apresentar nenhuma indicação de volumes”.
 
Preservar o comando da ANP do processo e não da agência reguladora estadual é outro ponto importante para o MME. “No caso de viabilidade do acordo, preservada a competência regulatória e fiscalizatória da ANP, importa destacar que seja adotada a melhor solução que prime por sua operacionalidade, bem como alcance os efeitos em termos de bem-estar ao conjunto da sociedade brasileira, bem como mitigue possíveis judicializações do termo”, ressalta o Ministério de Minas e Energia.

Um dos órgãos de governo à frente do programa Gás para Crescer, o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio defende, em Nota Técnica, que o acordo não crie uma exceção regulatória que possa motivar novas disputas regionais. Sugere que sua operação seja “distinta das condições de funcionamento de dutos de transporte, de modo a separar essa atividade do segmento de distribuição. A ausência de compromisso de o Gasoduto Subida da Serra se enquadrar de modo tempestivo à regulamentação supracitada favorece incerteza regulatória e insegurança jurídica.”

O Mdic ainda propõe nova condicionante ao acordo: que o gasoduto atenda apenas à demanda nova de gás natural dos consumidores atendidos pela Comgás. Ainda sugere que sejam incluídas medidas adicionais para mitigar os riscos associados à verticalização do negócio, já que a Comgás e a Compass são controladas pelo grupo Cosan.

Governo paulista defende seu poder no acordo
Já o governo paulista defende que o contrato seja assinado por ele e não pela agência reguladora estadual. “Sugere-se, assim, a realização de alterações na minuta de acordo para que este venha a ser celebrado tendo o Estado de São Paulo como parte”, destaca a secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística em sua contribuição

No documento, o governo paulista critica a condicionante de que no acordo não haja entrega e venda de gás a outras concessionárias e que o gasoduto não se conecte a Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGN), estocagem ou gasodutos de transporte. “Assim, se for construída uma instalação de tratamento ou processamento de gás natural no território do Estado de São Paulo, para escoamento de gás natural produzido no Pré-Sal da Bacia de Santos, ou para escoamento a partir de qualquer outra fonte de suprimento, não há qualquer impedimento a que se faça a conexão direta desta instalação à malha estadual de distribuição.”

Há também divergência sobre a classificação do duto. O presidente da Arsesp, Marcus Bonini, defendeu que o gasoduto foi construído como reforço da rede de dutos já existentes no Estado e que integra a quarta revisão periódica que a Comgas se submeteu no Estado, ou seja, mudanças em sua classificação poderiam trazer questionamentos jurídicos. “O investimento inclusive já foi incluído na tarifa pela regulação estadual”, disse na audiência pública na quarta-feira.

Agentes se movimentam diante do impasse
Diante do impasse, os agentes já têm conversas agendadas a partir dessa semana com a ANP e governo paulista para buscar tentar um consenso. Um ponto a ser levado nas reuniões por consumidores e transportadores é de que o regulador deveria realizar um estudo com o impacto das condicionantes propostas na minuta de acordo e o torne público. Há também demanda para que seja definido um cronograma com as próximas etapas do processo.

Na quinta e sexta-feira passadas, um dia depois da audiência pública, empresários receberam algumas informações da ANP sobre o rito do processo. A agência analisa nesse momento as contribuições públicas dos participantes da consulta e depois irá remeter o documento para análise jurídica e parecer da Procuradoria. Aí a decisão poderia ser enviada para a diretoria.
Não há prazo ainda para que essas etapas sejam concluídas, o que cria receio de que o assunto possa ir para 2024 ou se arrastar.

Compass e Comgas
Para o presidente da Comgas, Antonio Simões, o acordo é possível desde que “os investimentos realizados sejam preservados e que os consumidores de São Paulo não fiquem em posição de desvantagem”, disse na audiência pública na quarta-feira.

No mesmo evento, o diretor de assuntos regulatórios da concessionária, Marcelo Rebelo, disse que o gasoduto tem sua regulação feita sob a Constituição Federal, que delega aos Estados o monopólio dos serviços locais de gás. “Qualquer disposição de acordo que limite a capacidade de uso dessa infraestrutura deve ser rechaçada, além de gerar interferência federal na competência estadual”, afirmou na audiência pública.

Para a Compass, o terminal de regaseificação permite diversificar seu portfólio, ao ter um terminal de GNL (Gás Natural Liquefeito), que poderá ter importância também em oferecer o produto ao setor elétrico, principalmente para termelétricas na região Sudeste, maior centro de consumo do país. Poderá também permitiria ampliar a interiorização do gás e poderia aumentar a disputa no Estado, reduzindo preços no maior mercado industrial de gás do Brasil.

Transportadores
Para as transportadoras, a reclassificação do gasoduto Subida da Serra como um ativo de distribuição da Comgás implicaria aumento imediato de 6% nas tarifas dos usuários da malha de transporte local. A alta pode chegar a 14%, a depender da dinâmica do mercado paulista, segundo estudo da FGV Ceri, citado na audiência pública. “Haveria uma transferência de custos e isso afeta a concorrência”, afirmou o presidente da Associação dos Transportadores de Gás, Rogerio Manso, na audiência pública.

Histórico da polêmica
O gasoduto Subida da Serra, em São Paulo, interligaria um terminal de regaseificação da Compass (controlada pela Cosan) e uma nova unidade de processamento de gás natural, diretamente à malha de distribuição da Comgás, também da Cosan. Com capacidade de cerca de 15 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural e pouco mais de 30 quilômetros de extensão, sua construção foi autorizada pelo governo paulista por meio da Arsesp e integra a base de ativos da distribuidora paulista.

A classificação do gasoduto, no entanto, foi contestada pela ANP. Em 2021, a agência reguladora decidiu que o gasoduto Subida da Serra deveria ser classificado como de transporte, sujeito à regulação federal e, em tese, retirado da base da distribuidora.

Indústrias e transportadores buscam que ele seja classificado como de transporte. Temem que seja criado um monopólio regional com a Comgás no maior mercado industrial de gás do país e em um momento em que a demanda de gás deve crescer com o aumento da exploração do insumo no pré-sal.  Para a concessionária, o investimento trará mais eficiência, modicidade tarifária e diversificação de fontes de suprimento e segurança do abastecimento

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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