da Agência iNFRA
A introdução no país de um mecanismo de contratação que já vem sendo usado desde o fim do século passado em países da Europa, o diálogo competitivo, vem sendo considerado um dos avanços que a Lei 14.133 poderá trazer para a relação dos governos com a iniciativa privada.
Mas, apesar de legalmente criado, a execução do mecanismo ainda é vista com cautela pelos agentes do setor. Por esse formato de contratação, o governo pode chamar empresas para apresentarem anteprojetos para um empreendimento e, ao final, fazer uma seleção.
Murilo Jacoby, diretor-jurídico do Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados, explica que a norma brasileira é inspirada na diretiva da União Europeia sobre o tema e tem como diretriz ampliar o diálogo entre a administração e o particular.
“É preciso combater o raciocínio de que eles têm interesses contrários. Os interesses são a boa contratação e a remuneração justa”, afirmou Jacoby.
Pela norma criada, a administração vai fazer rodadas individuais, podendo separá-las por temas, até chegar à etapa que ele chama de apresentação de propostas de preços. Para o advogado, a lei deixou dúvidas sobre como vai se dar a finalização do processo, já que há uma diretriz que determina que deve ser escolhido o projeto de menor preço.
“A norma fala que tem que calcular todos os preços [o que não inclui somente o valor financeiro]. Vai depender dos gestores públicos para tentar estabelecer uma equação econômica em que conste vários fatores”, explicou Jacoby.
O advogado explicou que os governos, cada um por sua conta, poderão regulamentar de diferentes maneiras o diálogo competitivo, mas os estados e municípios poderão seguir a proposta que for feita pela governo federal.
Arte do possível
Fernando Villela, sócio da área de direito público do escritório VPBG e árbitro do CBMA, coloca o diálogo competitivo como um dos avanços da lei que, para ele, tem saldo geral positivo.
“Apesar de reconhecer e compartilhar de críticas a alguns aspectos da lei, o saldo é positivo e a nova lei de licitações deve ser comemorada. Como há muito dizia Otto von Bismarck, a política é a arte do possível”, explica Villela.
De acordo com ele, o diálogo competitivo e a adoção dos meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, como a arbitragem, a mediação e os dispute boards, também são motivos para comemoração.
“É preciso avançar agora na cultura e afastar a visão equivocada de órgãos de controle sobre a ‘presunção de má-fé’ nas soluções amigáveis e que evitam o custo de litígio, o que torna o papel dos gestores públicos mais complexo e contribui para o apagão das canetas”, afirmou Villela.
Maurício Portugal Ribeiro, sócio da Portugal Ribeiro Advogados, lembrou que o diálogo competitivo chegou a ser discutido para ser incluído na Lei de PPPs, em 2004, com estudos sobre como foi feito em outros países. Mas, segundo ele, a cultura da negociação exigida por essa modalidade era incompatível com a cultura do país, que não confia nas ações do agente público.
“Continuo achando que é incompatível, e o Tribunal de Contas vai criar regras que vão fazer com que [o diálogo competitivo] fique uma licitação formal”, afirmou Ribeiro.
Conflito com a lei de concessões
Uma dúvida da nova lei é se as normas poderão ser usadas para processos de concessões. Segundo Murilo Jacoby, a Lei de Concessões é específica em dizer que as disputas têm que ser feitas por concorrência, mas há interpretações de que a palavra concorrência é genérica, que quer dizer disputa, e não a modalidade concorrência prevista na Lei de Licitações.
“Vai ter que ser necessária uma construção de jurisprudência nos tribunais”, disse.
Venilton Tadini, da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), lamenta que a nova lei não tenha resolvido o problema da interface entre regime geral de contratações e o regime de concessão.
“Apesar de respeitar contratos que têm legislação própria, como concessões e PPPs, a Lei 14.133 diz que as normas se aplicam subsidiariamente às leis de concessões e PPP. Todas as remissões à Lei 8.666 presentes em outras leis passam a fazer referência à nova lei”, informou. “Há tendência que se mantenha aquela confusão tradicional entre o regime de concessões e o regime geral de contratações públicas”.
Solução de conflitos
Sócio de Direito Público Empresarial do Mattos Filho Advogados, André Luiz Freire diz concordar com a crítica generalizada de que a nova lei não vai trazer inovações para o ambiente de contratações públicas, mas que ela tem questões produtivas, citando o comitê para resolução de conflitos e a arbitragem.
“Deixar claro a questão de a arbitragem ser possível para qualquer contrato administrativo foi algo muito importante. Ela já vinha sendo defendida nos últimos anos. Mas agora está consolidada”, lembrou Freire.
Letícia Queiroz de Andrade, sócia do Queiroz Maluf Advogados Associados, disse que agora o mecanismo de resolução de disputas, que é seu tema de estudos, passa a ser expressamente contemplado na lei, com a possiblidade até de aditamento dos contratos vigentes para adoção do mecanismo.
A nova lei prevê inclusive a possiblidade de aditamento dos contratos vigentes para permitir a adoção desse mecanismo, com critérios de escolha iguais aos da arbitragem. Ela alerta, no entanto, que a lei não especificou se o comitê poderá emitir decisões vinculantes para as partes ou apenas recomendações.
“As recomendações nos parece ser a hipótese interpretativa mais provável”, explicou a advogada. “A expedição de recomendações foi adotada na minuta de contrato da concessão da BR-153, que deve ser a primeira concessão federal e a primeira de rodovia a adotar esse mecanismo de solução de controvérsias.” (Colaborou: Tales Silveira)