Roberto Rockmann*
O vigésimo quinto aniversário de existência da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) ocorre em um momento em que o tema regulação tem sido posto em xeque. Em maio, surgiu a discussão de uma minuta de PEC (Proposta de Emenda Constitucional) com sugestões que modificariam drasticamente o desenho atual, por exemplo fazendo com que decisões como reajustes tarifários voltassem a ser definidas pelo Executivo, o que seria um retrocesso no modelo de atração de capital privado, ainda mais em um mundo em que a Eletrobras se tornou empresa de controle difuso. Agora, está em trâmite o PDL (Projeto de Decreto Legislativo) 365, aprovado na Câmara e aguardando apreciação no Senado.
Em análise do pesquisador Romario Batista, da FGV Ceri, dos 97 projetos de decreto legislativo contra atos da ANEEL ou do MME (Ministério de Minas e Energia) apresentados na Câmara dos Deputados entre 1999 e 2022, nenhum deles foi aprovado até hoje, “ainda que possa ter havido algum ajuste em texto impugnado, decorrente de eventual reavaliação e acolhimento por razões de conveniência e/ou oportunidade”, destaca.
Desde a Constituição de 1988 foram promulgados nove decretos legislativos de um total de 521 PDLs destinados a sustar atos normativos do Poder Executivo. Desses, apenas seis foram efetivos, segundo literatura jurídica consultada pelo pesquisador da FGV Ceri e que trabalhou por anos na ANEEL.
Mesmo que o projeto seja aprovado no Senado, ele poderá ser derrubado judicialmente. Os decretos legislativos conferem poder ao Congresso de “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”, mas esse não seria o caso.
“As Resoluções Normativas da ANEEL (1.024/2022 e 1.041/2022) foram editadas com base na atribuição a ela conferida pelo art. 3º (XVIII) da Lei 9.427/1996. De todo o modo, mesmo na hipótese de o Senado vir a aprovar o PDL, caberia ainda, a meu ver, se for o caso, o questionamento judicial do ato legislativo a final publicado, de modo a resguardar a competência e as prerrogativas do Poder Executivo Federal”, aponta Romario.
TUST
O PDL 365 susta duas resoluções da ANEEL que tratam da definição da metodologia de cálculo da TUST (Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão). Mesmo que caia por terra por voto dos senadores, ou venha a ser julgado inconstitucional depois de sancionado, já deu indícios da relevância que o Congresso ganhou no setor elétrico nos últimos anos, o que criará desafios pela frente, ainda mais sob o cenário atual.
Os reservatórios das hidrelétricas nos maiores níveis de armazenamento dos últimos dez anos têm reduzido o acionamento de usinas termelétricas a gás natural e de outras fontes mais caras, o que diminui as pressões sobre reajustes tarifários em 2023, primeiro ano do novo governo. A ANEEL estima que a tarifa de energia elétrica vai subir 5,6%, em média, no próximo ano. Consultorias privadas estimam entre alta real de 0,6% a uma elevação nominal de 6%, bem abaixo dos dois dígitos registrados em 2022, que carregou parte da crise hídrica de 2021.
Pressão sobre a CDE
Mas há vários fatores que ameaçam o cenário, como pressões sobre a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) e criação de novos subsídios. Já o governo federal, para contrabalancear essas variáveis, terá a redução da tarifa de Itaipu, devido ao fim do pagamento da dívida feita para construção da usina.
Desde novembro de 1997, a ANEEL tem recebido críticas de empresas e consumidores em razão dos reajustes. O cenário atual tem particularidades porque a pressão sobre o mercado cativo será crescente com a migração para o mercado livre, para a geração distribuída solar, além do peso dos encargos.
Quando a conta sobe, a pressão sobre as agências reguladoras cresce. Voltarão pressões sobre as agências e os reajustes em 2023? Se o futuro traz incertezas, cabe relembrar o passado: uma das razões de o Tesouro ter injetado mais de US$ 20 bilhões no setor elétrico no início dos anos 90 foi pelo represamento de tarifas e pelo fato de as decisões mais importantes que atingiam as elétricas virem da caneta do ministro da Fazenda. Por isso se criaram agências reguladoras, para que decisões sejam feitas sob regulação eficiente e independente.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
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