Sheyla Santos, da Agência iNFRA
Incertezas regulatórias estão impedindo maior avanço na transição energética das empresas de navegação. A avaliação é do vice-presidente de Políticas Públicas e Regulação do grupo Maersk, Danilo Veras, em audiência realizada na última terça-feira (16) na Câmara dos Deputados.
Segundo ele, a empresa, líder mundial em logística de contêineres, tem planos de investimentos de R$ 5 bilhões no Brasil, entre 2023 e 2025. Os empreendimentos incluem investimentos em transições energéticas setoriais e alternativas para navegação de cabotagem. No entanto, o executivo pontua que há incertezas regulatórias e necessidade de entendimento em relação à integração vertical.
“Precisamos entender se a regulação brasileira nos permitirá fazer isso, dado que existem hoje alguns entendimentos que deixam a água um pouco turbulenta, na nossa visão”, disse durante audiência pública da Comissão Especial Sobre Transição Energética e Produção de Hidrogênio Verde, presidida pelo deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP). “O que a gente precisa é entender o que o Brasil enxerga para si próprio. Efetivamente, entender se existe e qual é a nossa participação nisso.”
Veras lembrou que companhia antecipou para 2040 seu projeto de descarbonização para ser “net zero”. O prazo de toda a indústria para atingir o feito se encerra em 2050. Ele ressaltou que a empresa tem como objetivo investir na descarbonização em todos os elos da cadeia.
“Pouco sentido faria ter um navio verde para atracar num terminal a diesel ou a combustível fóssil que seja, ou que essa carga, ali chegando, saísse em caminhões também queimando combustível fóssil”, disse, pontuando que a logística responde por aproximadamente 11% das emissões globais gerais, sendo 3% apenas na área de navegação.
Despreparo para eletrificação
Também presente à audiência, o secretário nacional de Hidrovias e Navegação, do Ministério de Portos e Aeroportos, Dino Antunes, disse não haver no país portos preparados para eletrificação.
Antunes citou como exemplo o caso de embarcações que fazem hoje pequenas fainas (operações marítimas), com operações de ciclos curtos, e ficam muito tempo nos portos. “Tempo [em] que elas poderiam estar sendo carregadas, caso fossem eletrificadas. É um tipo de operação muito pronta para um processo de eletrificação. Mas, apesar da operação fazer muita lógica, a gente nāo tem hoje os portos preparados para fornecer essa energia.”
Impacto comercial
Antunes disse ainda que, no processo de descarbonização, não cabe à pasta escolher por modelo de transição ou tipo de combustível a ser utilizado. Para ele, o mercado se encarregará de dar sinais corretos relativos a custo, disponibilidade e infraestrutura necessária para o abastecimento.
De acordo com o secretário, o ministério tem trabalhado no sentido de orientar portos e docas e tentado construir “incentivos corretos”, apoiando o mercado a trabalhar em melhores tecnologias e soluções no processo de descarbonização.
Um desses incentivos, aponta, é fazer com que embarcações sustentáveis tenham acesso, a custos reduzidos, a recursos do Fundo da Marinha Mercante. Outra possibilidade aventada é incluir no decreto que regulamentará o BR do Mar incentivos para que empresas tragam embarcações verdes.
Hidrovia do Paraguai
Na mesma mesa, o diretor-geral da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), Eduardo Nery, listou como prioridades da agência a realização de um inventário de emissão de carbono com dados do setor e o desenvolvimento de seis hidrovias estratégicas – Rio Madeira, cujo estágio está mais avançado, além dos rios Paraguai, Barra Norte, Uruguai-Brasil, Tocantins e hidrovia do Tapajós.
“A gente recebeu o projeto do rio Paraguai e, agora, a Infra S.A. já está tocando o projeto do rio Paraguai”, afirmou, acrescentando que espera realizar essa audiência pública ainda neste ano.
Desentendimento no Senado
Na manhã da última terça-feira (16), a Comissão de Infraestrutura do Senado realizou audiência pública sobre combustíveis sustentáveis. Houve desentendimento entre representantes da CNT (Confederação Nacional do Transporte) e da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais).
Enquanto a gerente-executiva ambiental da CNT, Erica Vieira Marcos, disse que o biodiesel brasileiro “não é tão verde assim”, o presidente-executivo da Abiove, André Meloni Nassar, disse que a CNT não teria interesse em debater biocombustíveis “para valer”.
Segundo Nassar, foi dito à CNT que a entidade apontasse problemas e, assim, a Abiove faria um rastreamento da cadeia. “A CNT se negou a fazer. Então, assim, não tem nenhum interesse em discutir o assunto para valer. Tem interesse em ficar fazendo showzinho em audiência pública”, disse.
Após a fala da Abiove, Erica disse na comissão que sua apresentação baseava-se em um problema técnico, sustentado por pesquisas universitárias, e que estaria tendo resposta política. “A confederação se sentiu desrespeitada, foi chamada de mentirosa aqui na frente de todos.”
Ela afirmou que a CNT atendeu ao pedido da Abiove de apontar problemas, mas ponderou que os testes científicos não serão feitos por representantes dos produtores de óleo vegetal, mas por “entidades neutras”, como universidades.