Sheyla Santos, da Agência iNFRA
O MPF (Ministério Público Federal) propôs que o início da cobrança de multas em caso de não pagamento de pedágio no modelo free flow (pedágio eletrônico), na Rodovia Presidente Dutra, em São Paulo, seja adiado por cinco anos. O assunto foi debatido em audiência pública, com uma série de críticas à implantação do modelo, realizada pelo MPF na última segunda-feira (14).
O encontro contou com representantes da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), da CCR, concessionária que opera a via, do governo federal, de políticos de Guarulhos e da capital paulista, além de associações. A agência defendeu que o prazo proposto de cinco anos sem cobrança de tarifa poderá comprometer o sistema free flow.
Pela lei, o motorista que não quitar a passagem pelo pedágio eletrônico em 30 dias, recebe uma multa por evasão de pedágio. A prática é para evitar inadimplência, mas vem gerando milhares de multas pelo país. Uma proposta legislativa aprovada na Câmara tenta anular as multas já aplicadas.
O procurador da República responsável pela convocação do ato, Guilherme Gopfert, questionou a aplicação da cobrança de pedágio eletrônico prevista para ser iniciada em junho na pista expressa da Dutra, entre os quilômetros 205 (Arujá) e 230 (São Paulo), em trecho mais próximo à capital paulista e a Guarulhos. A previsão consta no contrato de concessão, assinado em 2022, e passou por consultas ao longo de dois anos em diversos processos de audiência pública.
Segundo ele, esse pedágio não deveria sequer ser cobrado. Em caso de impossibilidade da extinção da cobrança do pedágio, Gopfert defendeu um prazo de cinco anos sem cobrança de multas, de forma que a população tenha mais tempo para se adaptar ao novo modelo. No entendimento do procurador, sem essa ampliação do prazo, haverá uma situação “catastrófica”, com aumento exponencial de multas lavradas e de pessoas perdendo o direito de dirigir.
Além das críticas à cobrança de tarifa no trecho, a falta de informação da população sobre o novo modelo, a dificuldade com meios digitais e a dinâmica proativa do usuário, que deverá efetuar o pagamento da tarifa em até 30 dias após a passagem pelo pórtico, deram o tom da discussão. Apesar de considerar o modelo inovador, a maioria dos participantes entende que a implantação do free flow ainda precisa de ajustes e de adequação na engenharia de tráfego.
Gerenciamento de tráfego e tarifa programada
O deputado Reis (PT-SP) afirmou que o pedágio eletrônico não gera empregos e que visualmente se parece com um radar de velocidade. Ele ainda destacou como pontos negativos a cobrança da multa, a perda de cinco pontos na carteira e a discussão da instalação de 110 novos pórticos de free flow em São Paulo. “A população está em pânico com isso,” disse, acrescentando que haverá mais dificuldade de pagamento para usuários que não possuem TAG no veículo.
Gerente-executivo de Soluções para Rodovias da CCR, Cleber Chinelato explicou que o contrato de concessão prevê a realização de um ‘gerenciamento de tráfego”, feito por meio de monitoramento da densidade da via e de cobrança de pedágio free flow, que vai contar com uma espécie de “tarifa programada”, a depender do fluxo da via. Para o executivo, o objetivo é oferecer fluidez na pista expressa da Dutra. Chinelato destacou que o modelo prevê pagamento somente pelo trecho percorrido e que não haverá cobrança para o usuário que optar pela pista marginal.
O vereador de Guarulhos Guto Tavares (PDT) criticou o pagamento de tarifa somente na pista expressa, o que segundo ele se configuraria como uma espécie de “passagem premium”, comprometendo o direito de ir e vir. Ele defendeu a isenção do pedágio para veículos emplacados no município de Guarulhos, incluindo caminhões e carretas, dado o caráter industrial da região. “Vai causar muito impacto”, avaliou.
Cobrança: seis meses após implantação
O procurador Gopfert chegou a questionar se o pagamento de pedágio free flow na Dutra poderia ser configurado conceitualmente como um pagamento de tarifa ou uma remuneração de um serviço privado de gerenciamento de tráfego feito pela empresa. Ele também questionou a falta de clareza sobre a tarifa programada a poucos meses da implantação. “Nós não temos o valor da cobrança”, reclamou.
Chinelato, da CCR, afirmou que a cobrança de pedágio está prevista para seis meses após o início da implantação do modelo, ou seja, a princípio, em junho, e disse que a empresa vai investir em sinalização viária. Sobre a divulgação dos valores da tarifa, outro ponto questionado, o executivo afirmou que eles estão preconizados no contrato e só não foram divulgados porque ainda dependem de uma definição com a agência reguladora. Pelas regras do contrato, o valor quilométrico (proporcional à extensão percorrida) não pode ser superior ao que é cobrado em outras praças.
Adiamento compromete todo o sistema
Para Fernando Feitosa, que foi gerente de Regulação da ANTT para o setor de rodovias, que vem acompanhando as discussões sobre o free flow nos últimos anos, o pagamento do pedágio se configura, sim, como uma tarifa, e o gerenciamento do tráfego representa um serviço por parte da empresa. Ele ressaltou que o contrato prevê cobrança de pedágios de free flow e que uma parte da tarifa a ser cobrada não irá integralmente para a concessionária, que deverá aplicar parte do montante em obras como ampliação, conservação e capacidade.
Sobre o prazo proposto de cinco anos sem cobrança de tarifa, ele disse que essa medida poderia comprometer todo o sistema free flow, tendo impactos inclusive em metas de descarbonização. Feitosa ainda defendeu uma avaliação no contrato do impacto das medidas sugeridas, com aprofundamento de estudos, de modo que o contrato não seja ameaçado.