Luiz Fernando Leone Vianna*
Estamos na iminência de uma importante reestruturação do setor elétrico brasileiro. O governo federal está sensível às transformações e configurações da matriz energética e entende que precisamos avançar com uma ampla reforma setorial. À frente dessa missão, o MME (Ministério de Minas e Energia) encaminhou à Casa Civil uma nova proposta norteada, pelo olhar da pasta, por Justiça Tarifária, Liberdade para o Consumidor e Equilíbrio para o Setor. A repercussão sobre essa revisão regulatória me levou a refletir sobre a evolução da eletricidade no Brasil desde a sua origem em nosso território, em 1879.
Remonta desta data a chegada da energia elétrica em território nacional, quando Dom Pedro II concedeu ao empresário norte-americano Thomas Edison a permissão para a implementação de equipamentos de iluminação pública. Do primeiro espaço a receber luz elétrica no país – a Estação Central da Estrada de Ferro D. Pedro II, no Rio de Janeiro – até hoje foram diversos avanços e marcos históricos. E, com certeza, ao longo dos anos houve intensos debates, troca de conhecimento, revisões, aprimoramento de processos, desafios transpostos para se chegar a melhor e mais pertinente modulação do sistema elétrico.
Relembro alguns episódios que, inclusive, compartilhei recentemente com alunos do MBA em Gestão no Setor Elétrico, da Fisul (Faculdade de Integração do Ensino Superior do Cone Sul), ao abordar a evolução do mercado livre de energia no Brasil – modalidade de negociação livre de eletricidade que está contemplada na modernização do setor elétrico, proposta pelo MME. O conhecimento histórico dessa jornada é fundamental para ampliarmos a compreensão acerca das discussões que impactam o planejamento e o futuro energético eficiente do país.
Os anos de 1970 e 1980 foram marcados pelas instalações das grandes hidrelétricas, como a Itaipu, e até mesmo a Usina Nuclear Angra I. Em 1990, acompanhamos a extinção do Ministério de Minas e Energia – retomado dois anos depois – e a nomeação da pasta de Infraestrutura, além da implementação do Programa Nacional de Desestatização, dando os primeiros sinais da desverticalização do setor elétrico. Em 1995, esse movimento torna-se evidente, a partir da Lei nº 9.074, com a criação do PIE (Produtor Independente de Energia) e do Consumidor Livre – inclusive prevendo que em 8 anos o mercado poderia ser totalmente aberto – e da legislação nº 8.987 envolvendo as concessões de serviço público.
Dois marcos significativos desse processo em construção gradual no Brasil ocorreram em 1998, com a Lei nº 9.648. Houve a instituição do MAE (Mercado Atacadista de Energia) e do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). O Decreto nº 2.655 estabeleceu, assim, o MAE como uma pessoa jurídica de direito privado que viabilizava a compra e venda de energia elétrica entre sistemas interligados. Este órgão, do qual fui conselheiro, foi um percursor da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica). Ainda em 1998, acompanhamos o marco inicial da privatização do setor elétrico, com a privatização da Cesp (Companhia Energética de São Paulo), com a venda de 90% das suas ações ordinárias na, então, Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo).
No início dos anos 2000, enfrentamos uma forte crise energética. Conhecida como “apagão” em virtude de uma seca prolongada dos reservatórios, a fase levou o país ao racionamento de eletricidade entre meados de 2001 e início de 2002. A medida abrangeu estados do Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste do país, incluindo o Distrito Federal.
Em 2002, a implementação da Lei nº 10.438 criou a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) com a missão de “promover a universalização do serviço de energia elétrica em todo o território nacional” e o custeio da tarifa social, com recursos pagos pelo consumidor brasileiro. Ao longo dos anos, a CDE foi inflada por uma série de subsídios e, pelos dados da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), tem previsão de custar R$ 40,6 bilhões em 2025.
Tivemos outros fatos subsequentes que impactaram o cenário de eletricidade no Brasil. De 2003 a 2012, destacamos a criação do Programa Luz para Todos (Decreto nº 4.873/2003); a instituição do então Novo Modelo do Setor Elétrico (Lei nº 10.848/2004) com a constituição, entre outros marcos, da CCEE e da EPE (Empresa de Pesquisa Energética); e a regulamentação do novo modelo do setor pelo Decreto nº 5.163/2004. Outra ação de repercussão foi a Medida Provisória nº 579, de 2012, que, equivocadamente, alterou leis, prorrogou concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica para alcançar a redução de tarifas, mas que teve um resultado contrário a essa finalidade.
Tal arcabouço histórico precisa ser relembrado e analisado rigorosamente e com profundidade por agentes públicos, políticos e de mercado neste momento de reformulação do setor elétrico. Um trabalho a ser feito por muitas mãos de maneira colaborativa. Isso porque essa peça irá compor um novo capítulo de uma trajetória iniciada há quase 150 anos marcada por desafios, aprendizados e conquistas. Que o novo marco legal represente, de fato, um futuro justo e eficiente da matriz energética para toda a sociedade brasileira.
**Luiz Fernando Leone Vianna é vice-presidente Institucional e Regulatório do Grupo Delta Energia. Integra o conselho de administração da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia) e a presidência do World Energy Council Brasil.
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