Opinião

Opinião – As concessões de rodovias entre 2024 e 2025. Parte I: o que aconteceu no último ano?

Marco Aurélio Barcelos*

Para o mercado de concessões de rodovias no Brasil, 2024 foi um ano alvissareiro, com avanços e transformações que valem o registro. As concessões de rodovias consolidaram-se na agenda dos maiores programas do país – o federal e o de São Paulo – com fortes sinais de que, também em outros estados, progressos devem ser esperados.

No total, foram dez leilões bem-sucedidos (sete no âmbito federal – BR040/MG, BR381/MG, BR040/MG/GO, BR262/MG, BR060/452/GO e Lotes 3 e 6 do Paraná – e três pelo Estado de São Paulo – Litoral Paulista, Rota Sorocabana e Nova Raposo), número recorde para um mesmo ano. Tais leilões levaram, a grosso modo, ao aumento de 14% da malha rodoviária concedida do Brasil (de 28.889 mil km em dezembro de 2023, para 32.907 mil km em dezembro de 2024), significando, ainda, investimentos anunciados da ordem de R$ 102 bilhões ao longo da vigência dos contratos. 

Participaram das licitações 18 atores ao todo, com 12 novos entrantes. Na média, cada leilão contou com 3 licitantes, e, no caso dos projetos do governo federal, para os quais se prevê o critério de julgamento de menor tarifa, o desconto médio ofertado alcançou 12%. Além de confirmarem a intensificação da política concessória no país, tais números sinalizam a maior diversificação do mercado de rodovias (com o ingresso de atores com novo perfil, entre fundos e empresas estrangeiras) e revelam maior conservadorismo dos lances nas licitações, quando se leva em conta, por exemplo, as 2ª e 3ª etapas do programa federal.

Sob a ótica da regulação, um dos destaques em 2024 envolve a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), que instituiu múltiplas inovações na sua atuação. Chama a atenção, logo de início, a atualização da metodologia para o cálculo do WACC regulatório (ou Custo Médio Ponderado de Capital) para as concessões rodoviárias (Resolução ANTT 6.048/2024), a qual revisitou os critérios de risco então utilizados, com a subsequente melhoria do enquadramento dos projetos levados a leilão. A atualização do WACC regulatório contribuiu para a atratividade das licitações conduzidas no ano, tornando possível aplicar cifras de dois dígitos na modelagem de algumas concessões – o WACC em certos casos alcançou, por exemplo, 10,64%.

Adicionalmente, o clausulado de risco nas concessões de rodovias trouxe aprimoramentos concretos, rompendo com o modelo que, em certa medida, vinha sendo replicado há alguns anos. Tendo por base proposta discutida pela ANTT no final de 2023, os contratos passaram a incluir a noção de risco “residual” e “extraordinário”, os quais seriam assumidos pelo poder concedente quando os respectivos impactos ultrapassassem 5% da receita da concessionária (tal patamar foi reduzido, nos projetos mais recentes, como nos Lotes 3 e 6 do Paraná, para 2%).

Também se previu a assunção, pelo poder concedente, do risco pelo atraso na obtenção dos licenciamentos ambientais (desde que a concessionária demonstrasse ter atendido a certos requisitos); bem como o compartilhamento do risco de variação dos custos das condicionantes exigidas em tais licenças. Pode-se dizer que a racionalização da disciplina dos riscos, inclusive quanto aos chamados “acidentes geotécnicos extraordinários” (deslizamentos, colapsos etc., dentro e fora da faixa de domínio), foi mais um fator decisivo para a atratividade dos leilões de 2024, mostrando-se crítico, especialmente, para o sucesso da concessão da BR-381/MG (que já havia amargado o desinteresse de licitantes por três vezes em anos anteriores).

Seguindo-se no esforço da ANTT para o aperfeiçoamento regulatório, ressalta-se a aprovação da 4ª norma do Regulamento de Concessões Rodoviárias – RCR (Resolução ANTT 6.053/2024), que modernizou os parâmetros de fiscalização e penalidades aplicáveis às concessionárias e sedimentou, no universo das rodovias, a chamada “regulação responsiva” – com distintos níveis de atuação da agência, conforme o desempenho das empresas. Além do mais, foi realizada audiência pública para o RCR 5, que cuida da extinção das concessões, e cuja deliberação deverá ocorrer em 2025.

A ANTT, em 2024, ainda deu efetividade à Compor (Câmara de Negociação e Solução de Controvérsias), que significou um marco na interação entre a Agência e os seus regulados para o tratamento de conflitos. O primeiro acordo conduzido pela Compor envolveu uma concessionária de rodovia (Eco050), em tema relacionado à descontos de reequilíbrio (“fator D”). Além desse, outros dois processos foram concluídos na nova Câmara com concessões rodoviárias (a CRT e a ViaCosteira). 

Sob a iniciativa da Procuradoria Federal junto à agência, mais duas medidas inovadoras provieram no último ano: i) a criação do Comitê de Interlocução para a Promoção de SEJANTT (Segurança Jurídica na Regulação de Infraestrutura de Transportes Terrestres); e ii) a edição da Instrução Normativa nº 33/24, cuidando de procedimentos de reequilíbrio econômico-financeiro nas concessões de rodovias.

Sobre a SEJANTT, que se inspirou em proposta originalmente implementada pela Advocacia-Geral da União (a Sejan), seu objetivo é o de criar um espaço de reflexão contínua entre os regulados e a ANTT, em que demandas e sugestões relativas à segurança jurídica possam ser canalizadas, debatidas e endereçadas em novos contratos de concessão ou em múltiplas outras medidas regulatórias da agência.

Quanto à Instrução Normativa ANTT 33/24, que trata dos procedimentos para o reequilíbrio dos contratos de rodovias, dois aspectos, ao menos, merecem realce. De um lado: deu-se a incorporação, agora no plano federal, da mecânica do “reequilíbrio cautelar”, prática instituída em 2023 no Estado de São Paulo pela Resolução SPI nº 19/23. No âmbito da ANTT, contudo, fez-se diferenciação entre o que se denominou de “Reequilíbrio Parcial de Natureza Cautelar” (aplicável quando há urgência e risco à continuidade dos serviços); e o “Reequilíbrio Parcial Baseado em Evidência” (aplicável quando o direito ao reequilíbrio é incontroverso, mas a definição dos valores suscita procedimentos prolongados). De outro lado: tem-se a iniciativa seminal da ANTT de estipular prazos para o processamento dos pleitos de reequilíbrio – 60 dias para juízo de admissibilidade e 180 dias para análise técnica e decisão da diretoria.

Outras três importantes realizações da ANTT em 2024 seguem no radar: i) o reconhecimento do mérito do reequilíbrio das concessões rodoviárias, dado o aumento do preço de insumos frente à Covid-19; ii) o início das primeiras revisões quinquenais da história do programa de concessões de rodovias; e iii) a regulamentação dos PPDs (Pontos de Parada e Descanso) para caminhoneiros (Resolução ANTT nº 6.054/2024).

Sobre o primeiro item, a ANTT foi a percursora em reconhecer a aplicabilidade do reequilíbrio contratual pelos efeitos inflacionários desencadeados pela pandemia de Covid-19, sendo acompanhada, na sequência, pela Agergs (Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul). Essas são, até então, as únicas agências do País a terem se pronunciado sobre o problema.

Quanto às revisões quinquenais, há anos se aguardava a materialização desse mecanismo, contemplado nos próprios contratos de concessão. Duas audiências públicas foram abertas para esse fim em 2024 (para as concessionárias Eco050 e Nova Rota), com a expectativa de geração de múltiplos benefícios, sobretudo para os usuários em termos de novos investimentos e intervenções.  

No que toca aos PPDs, por sua vez, a resolução editada listou as condições e exigências para o funcionamento de tais locais, como a disponibilização de sala de descanso, chuveiro, lavanderia e internet. Acredita-se que os PPDs, para além das benfeitorias ofertadas aos motoristas, transformem-se em uma ferramenta para a redução de acidentes e o aumento da segurança nas rodovias. Atualmente, sete pontos de parada e descanso estão em funcionamento sob responsabilidade das concessionárias federais. 

Pauta que também contou com grandes avanços no ano passado diz respeito à sustentabilidade. Não era para menos, ante os eventos climáticos catastróficos que ocasionaram prejuízos para a infraestrutura e a perda de vidas em várias regiões do Brasil nos últimos tempos. O Ministério dos Transportes e a ANTT construíram respostas inteligentes para o tema.

Com a Portaria nº 622/24, o Ministério previu a alocação de recursos para o aumento da resiliência das rodovias concedidas, assim como a mitigação da emissão de gases de efeito estufa e a promoção da transição energética. Foi definido que os novos projetos considerassem o percentual mínimo de 1% da receita bruta para suportar as ações correspondentes. E foi indicado que a ANTT realizasse, por intermédio das concessionárias, estudo para identificar áreas vulneráveis e levantar ações de adaptação da infraestrutura rodoviária frente às mudanças climáticas, com a possibilidade de novos investimentos nos contratos existentes, com eventual suporte em ajuste tarifário. Registre-se que a ABCR vem conduzindo estudo setorial para apoiar a iniciativa e contribuir para as ações de adaptação das concessões.

Na mesma linha da sustentabilidade, foi criado, pela ANTT, o Programa de Sustentabilidade para Infraestrutura de Rodovias e Ferrovias Federais (Resolução ANTT 6.057/2024), fixando nove parâmetros de desempenho para a avaliação e a mensuração do desenvolvimento sustentável das infraestruturas por ela reguladas. A adesão a tal programa é voluntária, e estão previstas medidas de incentivo para tanto, como o enquadramento das concessões para a emissão de debêntures incentivadas e de infraestrutura. Trata-se de iniciativa inteligente, que fortalece o movimento que muitas concessionárias de rodovias já vinham empreendendo em prol do atingimento de padrões adequados de sustentabilidade em seus negócios. A esse propósito, mencione-se que a ABCR lançou, também em 2024, o Atlas de Sustentabilidade das Concessões de Rodovias do Brasil, estipulando um índice para todas as concessionárias (não só federais) a ela associadas. O índice é mais uma forma de mensurar os avanços do setor frente a essa agenda, estando prevista meta de atendimento, até 2027, de 90% dos indicadores fixados, nas dimensões ambiental, social e de governança.

Falando em debêntures, esse é outro fator de destaque para o ano de 2024. A Lei nº 14.801/2024 criou a modalidade das debêntures de infraestrutura, ampliando os instrumentos disponíveis para o financiamento dos projetos de concessão – focando especialmente investidores institucionais. A lei foi regulamentada pelo Decreto nº 11.964/2024 e o Ministério dos Transportes incumbiu-se de editar os procedimentos de aprovação ministerial por meio da Portaria nº 689/24, que chama a atenção, entre outras, por duas passagens: ela reforça o compromisso da Pasta junto à temática da sustentabilidade, prevendo, por exemplo, que investimentos em transição energética ou resiliência climática constem dos respectivos projetos beneficiados; e prescreve, além do mais, um rito claro, objetivo e célere de enquadramento, que contribuirá sobremaneira para desburocratizar as futuras emissões.  

No plano federal, ainda, não se pode deixar de citar os avanços significativos dos processos em curso na Secex Consenso do TCU no último ano, assim como a edição, pelo Contran, da nova resolução para o free flow nas rodovias concedidas.

Não há dúvidas, a esta altura, de que o recurso ao consensualismo para tratar de casos complexos, como algumas concessões antigas em crise, traduz alternativa eficaz, arrojada e louvável. O ano de 2024 proporcionou a cristalização desse novo paradigma e foi palco da aprovação, pelo TCU, da repactuação de três concessões rodoviárias: a Eco101 (Grupo Ecorodovias), a Autopista Fluminense (Grupo Arteris), e a MSVia (Grupo CCR) –, depois de intensas rodadas de negociação com o Ministério dos Transportes e a ANTT, sob a coordenação da Secex Consenso. Restou consolidado o entendimento de que a conclusão de cada processo estaria condicionada à realização de processo competitivo, por meio do qual se abrisse a quem se interessasse, inclusive à concessionária originária, a oportunidade de disputar o ativo nas novas condições. Também seria necessário realizar consulta pública para apresentar, discutir e coletar eventuais contribuições aos contratos otimizados, de modo que foram abertas, pela ANTT, três consultas no final do ano para cumprir com tais exigências. A Consulta Pública 3/2024, em específico, foi destinada a colher sugestões a uma primeira minuta de edital de processo competitivo, relacionado à proposta de readaptação e otimização do contrato da MSVia, em sede de sandbox regulatório. Tal documento deverá se tornar paradigma para as demais repactuações e merece ser acompanhado de perto.

No que toca ao free flow, a Resolução Contran 1.013/2024 aprimorou o regramento vigente, proporcionando uma nova disciplina para tal tecnologia. Entre outros, a resolução ampliou o prazo para o pagamento das tarifas (de 15 para 30 dias) e reforçou elementos de sinalização, com um novo pictograma para o pedágio eletrônico, a fim de asseverar a comunicação com os usuários. Foi, igualmente, prevista a identificação dos veículos nos pórticos por meio de placa veicular, bem como garantida a interoperabilidade dos dados e passagens, via arquitetura de comunicação cuja regulamentação deverá ocorrer em 2025. A modernização da resolução do Contran caracteriza avanço regulatório para o sucesso do free flow, modelo que deve se expandir de forma expressiva nos próximos anos.

Caminhando para o fim, comentem-se algumas das iniciativas de relevo no âmbito infranacional. A começar pelo Estado de São Paulo: para além dos já citados leilões bem-sucedidos e bastante disputados de 2024, um dos principais acontecimentos do período envolveu a aprovação da lei que reformulou a agência reguladora do transporte estadual: a Artesp. A Lei Complementar nº 1.413/24 modernizou o regime jurídico das agências reguladoras estaduais paulistas, não só aperfeiçoando a governança dessas entidades (privilegiando, v.g., a tomada de decisão colegiada por meio da figura de um conselho diretor, e introduzindo ferramentas regulatórias consagradas, como a análise de impacto regulatório), mas reforçando a sua autonomia administrativa, financeira e orçamentária.

Em face disso, reconheceu-se, para a Artesp, a titularidade das suas fontes de receitas próprias – a exemplo das taxas de fiscalização e valores de multas cobrados das concessionárias –, algo importante. Mais: ficou vedada a alteração, em sua proposta orçamentária, das despesas de custeio e de pessoal suportadas por tais receitas, assim como o seu contingenciamento. Com a nova governança, modernização regulatória e a garantia dos recursos necessários à plena atividade, desponta uma oportunidade ímpar de transformação da Artesp, refletindo a preocupação para com a sedimentação do papel da regulação no estado, sobretudo frente às múltiplas concessões no setor de transportes que vêm acontecendo por lá. O modelo merece ser considerado por outros entes da Federação, inclusive a própria União (quando se observa um decaimento paulatino da capacidade financeira das agências federais ao longo dos tempos, incluída a ANTT).

Medidas análogas de aprimoramento regulatório deram-se, paralelamente, em outros entes. Em Minas Gerais, que sinalizou que avançará com a sua agenda de concessões (abrindo, ainda em 2024, a audiência pública de dois novos lotes rodoviários), foi submetida à Assembleia Legislativa o projeto de lei para a Artemig (PL 2.967/2024), agência reguladora de transportes mineira. Não está prevista a autonomia orçamentária para a Artemig nos moldes da legislação de São Paulo, todavia, faz-se menção a ferramentas importantes do processo regulatório no PL mineiro, como a análise de impacto regulatório e o plano anual de gestão da nova agência. De fato, Minas Gerais tem implementado várias concessões em transportes (aeródromos, mobilidade sobre trilhos e rodovias) e é desejável que pudesse contar com uma agência reguladora dedicada ao tema.

Mais um estado que seguiu o caminho da revisita à sua agência reguladora no ano passado foi o Rio Grande do Sul. Com o Projeto de Lei 365/2024, aprovado em 17 de dezembro de 2024 pela assembleia legislativa gaúcha, restou prevista a obrigatoriedade de agenda regulatória, análise de impacto regulatório e disponibilização na internet das gravações das reuniões deliberativas, entre várias outras figuras regulatórias modernas. Todos esses estados, junto com os que já contam com agências reguladoras em operação, deveriam coordenar-se para a troca de experiências e procedimentos, a fim de garantir a consolidação de boas práticas e o fortalecimento da regulação no Brasil.

 Por tudo quanto se observa, o ano de 2024 foi realmente movimentado e repleto de realizações para o setor de concessões de rodovias no Brasil, que vem se transformando de forma rápida, com múltiplas oportunidades de negócio em curso. É possível seguir com otimismo renovado em relação ao ano que se inicia, que promete quebrar novos recordes. Do ano que terminou, importantes impressões ficam: a de que tem havido um amadurecimento institucional importante do setor, com forte engajamento dos atores públicos e privados para a melhoria do ambiente regulatório e para o equacionamento de passivos; e a de que tem havido, para além do aumento na quantidade de leilões, melhorias notáveis na qualidade dos projetos, com estudos e clausulados bem mais estruturados.  

É claro que 2025 não se furtará dos seus desafios, em especial pela necessidade de se fazer com que os contratos que estão sendo assinados se transformem em obras e melhorias para os milhões de usuários das rodovias brasileiras. Mas sobre esses desafios e sobre o que se esperar do ano iniciado, um próximo artigo cuidará.

*Marco Aurélio Barcelos é diretor-presidente da Melhores Rodovias do Brasil – ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias).

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