Opinião

Opinião – As concessões de rodovias entre 2024 e 2025. Parte II: os desafios daqui para frente

Marco Aurélio Barcelos*

Se todos os projetos de concessões de rodovias anunciados pelos governos (seja no âmbito federal, seja nos estados) se confirmarem, 2025 será um ano memorável para o programa de concessões rodoviárias do Brasil. Isso porque, somados todos os leilões noticiados, chega-se ao extraordinário número de 31 licitações para o período. Se apenas metade dessa projeção ocorrer, será um novo recorde e, sem dúvidas, um bom motivo para se impressionar.

O Ministério dos Transportes, por si só, divulgou a intenção de promover quinze leilões (incluídos os dois lotes remanescentes do Paraná, a Rota da Celulose – que não encontrou interessados no ano passado – e as três otimizações de contratos já aprovadas em 2024 pelo TCU). O estado de São Paulo, por sua vez, apontou três novos leilões (Lote Paranapanema, Rota Mogiana e Circuito das Águas). Minas Gerais conta com cinco projetos anunciados para 2025 (Vetor Norte, Lote Ouro Preto-Mariana, Lote Zona da Mata, Lote Noroeste e Lote Quadrilátero Ferrífero). Mato Grosso, em um mesmo dia, licitará seis blocos de rodovias. E o Rio Grande do Sul pretende levar adiante a licitação de dois outros lotes do seu programa, o Bloco 2 e o Bloco 1.

Os recursos a serem mobilizados por meio dessas iniciativas devem suplantar R$ 180 bilhões ao longo da vigência dos contratos. E, ao final desse novo ciclo, mais de 14 mil km de novas rodovias devem ser transferidos à gestão privada. Tal cenário faz com que o Brasil seja o grande celeiro de concessões rodoviárias do mundo na atualidade, sagrando-se líder nesse mercado. Dada a mobilização de atores em 2024, inclusive de estrangeiros que vinham avaliando o portfólio existente – mas ainda não participaram de leilões –, tudo indica que os projetos seguirão sob o foco de potenciais interessados, com perspectiva de êxito da política concessória em desenvolvimento.

É claro que pontos sensíveis merecem ser considerados pelos governos das distintas esferas da Federação, a fim de garantir a atratividade de todas as iniciativas vislumbradas, assim como a efetividade dos contratos que devem acontecer daqui em diante – sem prejuízo dos que já estão em curso. O volume de licitações e concessões tem crescido exponencialmente, circunstância que, sendo positiva de um lado (trata-se de uma resposta ao déficit histórico de investimentos na infraestrutura de transportes nacional), de outro lado impõe desafios de múltiplas dimensões.

Realizar dezenas de leilões em um único ano requer engajamento intensivo dos investidores e disponibilidade dos atores que compõem o ecossistema das concessões – entre projetistas, consultores e outras empresas. Os próprios times das concessionárias precisam de tempo para levantar e analisar dados, processar simulações e estruturar as propostas. O ideal seria que as licitações observassem espaçamento mínimo para permitir o aprofundamento dos estudos, sendo pressuposta, ainda, alguma coordenação dos entes subnacionais para que seus projetos não competissem com os leilões da carteira federal.

Em 2025, ao construir os cronogramas de leilões, as autoridades deveriam estar atentas à capacidade de participação dos atores nos sucessivos certames. É conveniente, também, seguir com os esforços para acelerar programas de capacitação e atração de profissionais para o setor de infraestrutura, seja pelo próprio governo, pelo Sistema S ou pelas empresas, visando a atender às demandas do mercado em ebulição. A ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias) está sensível ao ponto e pretende dedicar energia nessa direção.

Além disso, não se pode esquecer de que leilões bem-sucedidos se desdobram em contratos que exigem a ativação de múltiplas estruturas do poder público, em especial as agências reguladoras. Licenças ambientais, desapropriações, aprovações de projetos, recebimento de obras, há uma avalanche de procedimentos que derivam das novas concessões, o que torna necessário trabalhar ainda mais para o fortalecimento dos órgãos envolvidos, sobretudo em termos de orçamento, mão-de-obra e tecnologia.

É bem verdade que, nos últimos tempos, muito se investiu no aprimoramento da modelagem de projetos, com resultados bastante positivos. É hora de se aplicar igual carga de investimento no “pós-venda” dos projetos, com a consolidação da capacidade regulatória do poder público. Olhar para exemplos promissores, como a nova ARTESP em São Paulo e a lei que a modificou para assegurar recursos para o seu funcionamento, poderia ser um bom passo. Implementar modernizações normativas sistêmicas, tal como o RCR (Regulamento das Concessões Rodoviárias) e a instituição de manuais de fiscalização e penalidades, e rever procedimentos para o reequilíbrio dos contratos (o que vem se tornando realidade no plano federal), seria igualmente útil.

Feitas essas reflexões, e passando às tendências e acontecimentos esperados para 2025, o novo ano deverá trazer, no plano regulatório, o equacionamento de dois importantes passivos setoriais, no contexto federal e paulista. No primeiro caso, trata-se do reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão pelo aumento do preço de insumos derivado da Covid-19. Será a primeira vez que uma agência reguladora enfrentará a fundo o tema, debruçando-se sobre a metodologia aplicável – e vale acompanhar o caso para compreender sua eventual extensão a outras esferas, em que idêntico problema acometeu as concessões. Em São Paulo, por sua vez, deverá ser finalmente construída a metodologia para o reequilíbrio contratual pelos impactos que a pandemia trouxe sobre a demanda nas rodovias. Há muito se aguardava por esse desdobramento, que ganhou tração recentemente.

Ainda no âmbito regulatório, o Ministério dos Transportes, a ANTT (Agência Nacional de Transportes  Terrestres) e a ABCR seguirão dialogando para buscar ajustes na matriz de riscos para as concessões rodoviárias. Embora se tenham testemunhado avanços sem precedentes no clausulado de riscos do setor – já presentes, inclusive, nas licitações ao longo de 2024 –, as ocorrências climáticas dos últimos tempos reforçaram a percepção de um descasamento entre as exigências contratuais sobre seguros nas concessões e as disponibilidades do mercado segurador. De fato, tem havido aumento progressivo dos preços das apólices, com repercussões negativas sobre o fluxo de caixa dos projetos. E mais: as coberturas contratadas, nas hipóteses de catástrofes, não abrangem a totalidade dos prejuízos incorridos. É relevante reconhecer os desafios e ajustar as disposições dos contratos, quer para tornar o preço dos seguros mais palatável, quer para endereçar as “não-coberturas”, que ficam sob uma situação de limbo. Com os novos aprimoramentos, será possível cristalizar uma disciplina de riscos mais adequada às concessões, que deva ser considerada, inclusive, por reguladores subnacionais.

Outra frente de avanço para o ano envolverá a regulamentação do free-flow após a Resolução Contran nº 1.013/24. Espera-se que as regras da arquitetura de comunicação necessária à viabilização de plataformas de pagamento sejam instituídas, favorecendo a experiência dos usuários. Além do mais, dever-se-á trabalhar para o endereçamento dos riscos e dos procedimentos de cobrança dos inadimplentes, aspecto que tem sido custoso para as concessionárias. No ano passado, a ANTT já havia lançado a Audiência Pública nº 10/2024, sobre minuta de ato normativo que cuidou, em certa medida, do problema. A publicação desse ato, em 2025, poderá servir de “benchmark” para as demais instâncias de aplicação do free-flow em território nacional, inclusive para os casos em que se deseje substituir praças convencionais por pórticos (nos contratos em vigor).

Falando-se em evoluções tecnológicas para as rodovias, vale lembrar a pesagem em movimento (HS-WIM) e seus progressos. No último ano, as balanças em funcionamento no “sandbox” regulatório da Ecovias do Cerrado, junto à ANTT, receberam homologação do Inmetro, atestando a confiabilidade dos equipamentos para coleta e processamento de dados. Esse foi um importante passo dado, que contribuirá para a ampliação do modelo inovador de fiscalização de peso em outras rodovias ainda em 2025. O HS-WIM, o free-flow, e diversas outras pautas tecnológicas serão, a propósito, discutidas na 2ª edição do Rodovias do Futuro, evento promovido pela ABCR, com expectativa de mais de 1500 participantes em São Paulo, em 4 de junho. Vale conferir.

Atendo-se, agora, ao tema da resiliência climática – e não se esquecendo de tragédias graves, como a do Rio Grande do Sul no último ano – será concluído, já no início de 2025, estudo setorial conduzido pela ABCR que identifica áreas vulneráveis nos trechos rodoviários concedidos no Brasil. Tal estudo deverá servir de base para investimentos em adaptação das infraestruturas frente a eventos extremos, conforme preconizado na Portaria nº 622/2024 do Ministério dos Transportes. A ideia é identificar intervenções necessárias à ampliação da resiliência dos ativos, com a coordenação da ANTT e observados critérios de priorização. Estima-se que idêntica iniciativa possa ser desenvolvida em âmbito subnacional, por exemplo, no estado de São Paulo.

Acontecimento muitíssimo aguardado para o ano refere-se às otimizações contratuais, sob o contexto da Portaria nº 848/23 do Ministério dos Transportes e da Secex Consenso do TCU (Tribunal de Contas da União). Além da conclusão de novas renegociações, como Via Bahia e, entre outros, ativos da 2ª Etapa do Programa de Concessões Rodoviárias Federais, como Fernão Dias e Regis Bittencourt, 2025 será palco dos primeiros processos competitivos pensados para o desenlace das otimizações. É possível a participação de novos interessados como competidores, o que poderá levar à troca do controle de algumas das concessões. Vale acompanhar os desdobramentos dessas etapas, bem como o início da execução dos futuros contratos, com suas novas condições de contorno.

Em outra vertente para o ano, e tendo em vista a promulgação da Lei Complementar nº 214/2025, será conveniente que poderes concedentes e reguladores iniciem os preparativos para conferir efetividade ao reequilíbrio dos contratos de concessão, tempestivamente aos marcos de implementação da Reforma Tributária. O ano que se inicia poderá ser dedicado a essa tarefa, com o início da discussão, construção de normas procedimentais e o planejamento das agendas regulatórias, a fim de se conseguir atender, no futuro, aos prazos prescritos na nova lei. A ABCR já havia levantado potenciais impactos sobre as concessões de rodovias com a mudança de alíquotas da reforma. E relembre-se de que, para tais impactos, a Lei Complementar 214/2025 estabelece prazo de 90 dias para processar o devido reequilíbrio (art. 376, § 1º), a partir do respectivo pleito. Ao se antecipar o arcabouço normativo necessário para tanto, menos chance haverá de frustração mais à frente, quando tais pleitos vierem a se iniciar.

Por tudo quanto se observa, o novo ano contempla perspectivas concretas de recordes para as concessões de rodovias no país. Mais projetos virão à tona, ante um plantel ativado de potenciais interessados. O montante a ser investido deverá ser o maior da série histórica, bem como o de financiamentos.

Tantas iniciativas, por certo, seguirão demandando cuidados em relação à sua atratividade. É recomendável que os governos fiquem atentos ao cronograma dos leilões e à capacidade de resposta do mercado e do ecossistema envolvido, ao longo do tempo. Ajustar a matriz de riscos dos contratos, para, por exemplo, melhor harmonizá-la ao mercado segurador, é outro ponto de atenção. E reforçar a capacidade das agências será mais um fator crítico.

O ano de 2025, paralelamente, cristalizará a revolução tecnológica em curso nas rodovias concedidas, com as diversas frentes hoje abertas, tal como o free-flow, a pesagem em movimento e a conectividade. Também são esperados novos investimentos em resiliência, para proteger a infraestrutura construída e salvaguardar vidas, em face das intercorrências climáticas. Por fim, as primeiras soluções definitivas para os contratos em crise, via Secex Consenso do TCU, haverão de coroar o ano – que tem tudo para se tornar um dos mais marcantes das concessões rodoviárias do Brasil. Que venham logo os próximos meses.

*Marco Aurélio Barcelos é diretor-presidente da Melhores Rodovias do Brasil – ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias).

Tags:

Compartilhe essa Notícia
Facebook
Twitter
LinkedIn

Inscreva-se para receber o boletim semanal gratuito!

Inscreva-se no Boletim Semanal Gratuito

e receba as informações mais importantes sobre infraestrutura no Brasil

Cancele a qualquer momento!

Solicite sua demonstração do produto Boletins e Alertas

Solicite sua demonstração do produto Fornecimento de Conteúdo

Solicite sua demonstração do produto Publicidade e Branded Content

Solicite sua demonstração do produto Realização e Cobertura de Eventos