Amanda Pupo, da Agência iNFRA
A relicitação do Aeroporto Internacional de Viracopos (SP) está a dias de um prazo derradeiro dado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) com os principais atores envolvidos no processo divergindo sobre como seguir com o novo leilão. O momento em que será feita a auditoria independente para atestar os cálculos de indenização da atual concessionária, a ABV (Aeroportos Brasil Viracopos S/A), controlada pelo grupo Triunfo, é o ponto gerador do impasse.
Em fevereiro, o TCU determinou em decisão do colegiado que o edital do certame deveria ser publicado até 2 de junho, prazo que acaba na próxima segunda-feira. Na ocasião, o relator do caso, ministro Bruno Dantas, argumentou que o lançamento das regras do leilão, no entanto, não deveria ocorrer sem o parecer da análise externa independente. Do contrário, seria criado um “incentivo indesejável” na disputa que definirá a nova concessionária, disse Dantas em voto acompanhado pelo plenário.
Responsável pelo edital e pela contratação da auditoria, a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), por sua vez, discordou da avaliação. Em documento ao qual a Agência iNFRA teve acesso, o órgão afirmou ao tribunal que soltar o edital sem a certificação feita pela auditoria não geraria incertezas ao processo. Para a agência, o serviço não teria o propósito de “apaziguar controvérsias”, em especial sobre a metodologia de indenização, que é tratada em arbitragem.
Nessa mesma manifestação ao tribunal, feita em março, a ANAC informou ainda que esperava que o contrato de auditoria externa com a PwC (PriceWaterHouseCoopers) estivesse operacional em cerca de 45 dias, com expectativa de o trabalho ser executado em até seis meses. Procurado pela Agência iNFRA sobre este andamento, o órgão informou na última terça-feira (27) que “segue normalmente com o processo de contratação”.
“Vale destacar que a avaliação da auditoria independente pode trazer elementos que façam com que a administração pública revise os seus cálculos, mas não vincula a administração pública a aceitar eventuais apontamentos, sendo claro que a responsabilidade pelo cálculo é da Anac, e não da auditoria independente”, escreveu a ANAC no documento de março enviado ao TCU.
A relicitação de Viracopos é um dos grandes imbróglios entre o poder público e o setor privado na área aeroportuária, um debate que se arrasta desde 2019, quando a ABV pediu para devolver o ativo. Durante os últimos cinco anos, contudo, a concessionária conseguiu se recuperar financeiramente e passou a atuar para se manter no aeroporto.
No atual governo, a situação desembocou numa tentativa de repactuação no âmbito da SecexConsenso (Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos) do TCU, que terminou sem acordo no ano passado. Uma arbitragem na qual se discutem pedidos de indenização por descumprimentos contratuais de ambos também foi retomada.
Durante as discussões na SecexConsenso, o período de quatro anos previsto em lei para relicitar a concessão chegou a ser suspenso pela Corte. Mas, sem uma resolução, o relógio voltou a contar, o que remonta ao prazo de 2 de junho.
Área técnica
Um parecer de abril da 3ª Diretoria da AudRodoviaAviação (Unidade de Auditoria Especializada em Infraestrutura Rodoviária e de Aviação) do TCU concordou com os argumentos da ANAC e recomendou que a relicitação poderia ocorrer sem impeditivos, desde que o cálculo da indenização certificado pela empresa externa fosse apresentado antes de o contrato com o futuro concessionário ser efetivado.
Para a unidade técnica, a estrutura contratual proposta seria capaz de acomodar eventuais variações no valor da indenização sem que houvesse prejuízo para o interesse público ou para quem vai disputar a administração de Viracopos. Ou seja, o edital poderia ser publicado sem os cálculos auditados previamente, avaliou.
Foi a mesma posição do MPTCU (Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União), em parecer assinado pelo procurador Júlio Marcelo de Oliveira, também no mês passado. “Considera-se que o momento mais apropriado para a finalização da certificação independente do cálculo indenizatório no processo de relicitação do Aeroporto Internacional de Viracopos é a data de produção dos efeitos do futuro contrato (efetividade), em vez da data da publicação do edital”, disse o procurador, que critica o comportamento da ABV no processo.
Neste documento, ele também sugere que o prazo final para a publicação do edital deveria ser ajustado para 17 de agosto. Ambas as áreas argumentaram ainda que não exigir o cálculo auditado no momento da publicação do edital estaria de acordo com o precedente do TCU no caso do Asga (Aeroporto de São Gonçalo do Amarante), que foi leiloado em 2023 e marcou o primeiro certame de relicitação aeroportuária.
Incerteza
Dentro da instância decisória do TCU, por sua vez, há um entendimento de que a situação do Asga não deve ser replicada em Viracopos porque, diferente do que ocorreu no processo em São Gonçalo com a Inframerica, a ABV tem interesse em ficar com a concessão do aeroporto em Campinas (SP). Junto disso, avaliam, há uma discussão complexa sobre a indenização dos bens não amortizados, que opõe a ANAC e a operadora em diversas instâncias.
Na decisão do plenário do TCU em fevereiro, o relator já havia argumentado que o lançamento do edital sem a auditoria faria com que o mercado precificasse incertezas no certame.
“Lançar o edital sem uma análise independente, ainda que não definitiva, significa criar incentivo indesejável para a precificação a menor dos ativos da União e, potencialmente, restrição à competitividade, dado que atores privados de médio porte podem recear entrar em um processo no qual as premissas não estejam seguramente estabelecidas”, afirmou Dantas na ocasião.
O valor de indenização à ABV foi aprovado em outubro do ano passado pela ANAC em R$ 2,5 bilhões. Na análise da agência, por sua vez, o encontro de contas entre o crédito e as pendências da concessão resultaria num saldo negativo estimado em R$ 1,17 bilhão para a operadora. “Em comparação ao caso do ASGA, o saldo negativo da Concessionária faz com que não haja riscos orçamentários para a União”, argumentou a agência na nota técnica de março.
Para o TCU, contudo, a litigiosidade que marca a indenização, que inclusive impediu uma saída acordada na SecexConsenso, reforça a necessidade da auditoria independente.
“Essa segunda checagem, independente, se faz substancial para permitir não somente um maior nível de confiança entre as partes diretamente relacionadas, vital para o ambiente de colaboração dos procedimentos de relicitação, como já abordado neste voto, mas também em privilégio ao mercado, quando o edital vier a ser publicado”, já sinalizava o acórdão de fevereiro.
Se a data-limite para a publicação do edital não for cumprida, a previsão é de que um processo de caducidade da concessão atual seja instaurado. Na nota enviada à Agência iNFRA, a ANAC disse estar confiante de que atenderá os prazos da relicitação “em atendimento à decisão” do TCU.