Marília Sena e Gabriel Vasconcelos, da Agência iNFRA
Em linha com o pleito da Petrobras, o governo federal decidiu cancelar o leilão da área do STS08, terminal destinado à movimentação de combustíveis planejado para o Porto de Santos (SP) há mais de cinco anos. Além de atender a interesses antigos da petroleira em adensar seu atual arrendamento, a determinação responsável por frustrar o certame até então previsto para o final deste ano também tem como pano de fundo as recentes descobertas sobre a infiltração do crime organizado no setor de combustíveis.
Segundo apurou a Agência iNFRA, a avaliação é de que o cancelamento do leilão e a anexação a outro arrendamento da Petrobras mitigam o risco de operadores mal intencionados levarem a área de mais de 150 mil metros quadrados na região do Alemoa.
O anúncio do cancelamento foi feito nesta terça-feira (4) pelo ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho. Segundo ele, a decisão partiu da Casa Civil e do presidente Lula, acompanhada pelo MPor (Ministério de Portos e Aeroportos). O leilão seria conduzido pela APS (Autoridade Portuária de Santos) em novembro.
Sem a licitação para escolher um novo operador da área, o governo optou pelo adensamento da região ao terminal STS08A, localizado ao lado e arrendado à Petrobras desde 2021, em consonância com o plano de investimentos da estatal e com a estratégia de fortalecimento da infraestrutura de combustíveis no Porto de Santos. A estatal trabalhava há anos por essa alternativa, até porque ambas as áreas já eram operadas pela petroleira por meio de um contrato da Transpetro.
O cenário começou a mudar para a companhia em 2019, quando o então Ministério da Infraestrutura decidiu que regularizaria a situação com a partilha da região em dois terminais para licitação. À época, a avaliação feita também era de que a estatal pagava um valor considerado baixo para operar na área e era necessário criar competição no setor de combustíveis. O leilão realizado em 2021, contudo, teve proposta da Petrobras para o STS08A, mas acabou sem ofertas para o STS08.
A declaração de Costa Filho foi feita durante o programa “Bom Dia, Ministro!”. Segundo ele, a companhia deve apresentar, nos próximos dias, o plano de investimentos para a área, e as operações devem começar já em 2026.
“A nossa decisão foi suspender o STS08, o leilão. Essa é uma decisão do governo federal, uma decisão que partiu do presidente Lula e da própria Casa Civil, para que pudéssemos atender à Petrobras e facilitar o fortalecimento das operações de granéis líquidos no Porto de Santos”, afirmou Silvio Costa Filho. “Dessa forma, a gente dá mais segurança nacional, fortalece as operações da Petrobras e o Porto de Santos terá mais investimentos efetivos já a partir do início de 2026″, completou.
Após anos de um vai e vem sobre um possível adensamento e divergências entre a estatal e o Executivo em torno do assunto, a avaliação feita dentro do governo agora é de que a proposta feita pela Petrobras seria mais vantajosa em relação aos estudos que iriam à licitação. O momento do setor também acabou ajudando no pêndulo a favor da petroleira.
Após as revelações da Operação Carbono Oculto, que expôs fraudes de grande escala no mercado de combustíveis e indícios de ligação com o crime organizado, cresceu no Executivo a preocupação sobre o perfil do futuro operador do STS08. Entre os alertas, o fato de uma empresa citada na megaoperação ter integrado consórcio que demonstrou interesse na área durante chamamento público realizado pela APS em 2023.
Idas e vindas
Sob a gestão do governo Bolsonaro, em 2021, o leilão das duas áreas foi ao mercado embalado como o maior certame de arrendamento portuário dos últimos 20 anos. No fim, apenas a Petrobras apresentou proposta pelo STS08A e a outra área sobrou sem candidatos. À época, entre os motivos apontados, estava a insegurança sobre a política de preço de combustíveis da estatal e o temor de que o operador vizinho da Petrobras ficasse muito dependente da infraestrutura de dutos da companhia para viabilizar o STS08.
Após a licitação deserta em 2021, a Petrobras foi novamente consultada sobre o interesse em adensar a área. A estatal respondeu positivamente, mas não aceitou os termos propostos pelo poder público, e tampouco APS e MPor toparam sua contraproposta. Sem acordo, a Petrobras manteve a ocupação provisória do STS08, contíguo ao terminal STS08A, sob seu controle.
Em 2023, um chamamento público aberto pela APS identificou seis interessados na área, o que respaldou a decisão de prosseguir com a licitação em regime de ampla concorrência. Com isso, a autarquia considerou que o adensamento não seria mais cabível – posição também registrada no acórdão do TCU (Tribunal de Contas da União) que analisou o certame.
No ano passado, durante consulta pública conduzida pela APS, a Petrobras reforçou oficialmente seu pleito pelo adensamento. Em manifestação formal, reiterou que as condições do edital do leilão do terminal STS08 conflitavam com direitos e obrigações previstos no contrato de arrendamento da área STS08A, sob sua operação.
Segundo a estatal, tais incompatibilidades inviabilizariam a operação do novo terminal nos moldes propostos, podendo gerar riscos de desabastecimento e afetar o equilíbrio econômico-financeiro do certame, diante da complexidade das operações e da relevância estratégica do Porto de Santos.
Em resposta, a APS reforçou que o resultado do chamamento público “revelou que há diversos interessados na exploração da área STS08, de modo que, em atendimento ao dever de licitar, a decisão do Poder Concedente consistiu em prestigiar a competitividade por meio da abertura da presente licitação que se encontra em fase preparatória”.
Petrobras
A expectativa da anexação da área do STS08 ao STS08A, conforme declarou o ministro, deve vir acompanhada de novos investimentos para a unidade no plano de negócios da Petrobras referente ao período 2026–2030, a ser divulgado em 27 de novembro. O projeto poderá ser detalhado dentro do capex total destinado à área de comercialização e logística, que no último plano somava US$ 3,6 bilhões, voltados a novos navios, dutos e terminais.
A opção pelo adensamento beneficia a estatal em detrimento de agentes privados, apesar dos desentendimentos com a APS e a ANTAQ nos últimos anos. As divergências se concentravam em torno do prazo para execução das obras no STS08A, uma das contrapartidas previstas no edital de 2021.
No último plano de negócios da Petrobras, com horizonte até 2029, as obras intramuros do terminal STS08A apareciam como “em execução” a partir de 2026, enquanto as intervenções extramuros nem constavam. O prazo original de entrega, que previa a construção de dois novos berços para derivados (AL05 e AL06), era de cinco anos após a assinatura do contrato – ou seja, dezembro de 2027 –, o que não será cumprido.
Em função de alterações no layout do empreendimento solicitadas pela Petrobras e pela APS, além de entraves relacionados ao licenciamento ambiental, a petroleira passou a pleitear novo prazo, até o fim de 2031. As autarquias resistiam, alegando que a entrega poderia ocorrer em menos tempo, cerca de 32 meses, a exemplo de empreendimentos equivalentes.
Nos bastidores, prevalecia a percepção de que a Petrobras se beneficiava da postergação, já que ocupava provisoriamente o STS08 enquanto a unidade não era licitada. A companhia vinha operando ambos os terminais por meio de contratos temporários, antes da decisão do governo anterior de levá-los a leilão.
Oficialmente, a Petrobras argumentava que o leilão do STS08, com previsão de início de operação em 2028, traria “consequências graves” às suas atividades, já que não poderia abrir mão dos berços ativos antes da conclusão dos novos. A estatal citava riscos de redução nas cargas processadas em refinarias de São Paulo, impacto no fluxo de cabotagem de combustíveis para outras regiões, queda no fornecimento de bunker a navios atracados e de óleo combustível para termelétricas em todo o país – efeitos com repercussão direta sobre a economia.
Após três rodadas de mediação entre as partes, em maio, junho e julho deste ano, ficou pactuado que as obras seriam entregues em janeiro de 2030. Em acórdão, o TCU, que não vetou a participação da Petrobras em eventual leilão, chegou a recomendar o ajuste dos prazos do edital para alinhar o cronograma à nova data e prever mecanismos contratuais que assegurassem a prestação de serviços a múltiplos usuários, de forma não discriminatória. O objetivo era evitar concentração de mercado pela Petrobras, ponto destacado pelo relator, ministro Walton Alencar.
A decisão do governo, no entanto, torna o acórdão inócuo e, por ora, reforça o papel dominante da Petrobras nesses terminais. A empresa foi procurada, mas não retornou até o fechamento da edição.
Oficialização ao TCU
Em nota, a APS afirmou que enviou ao TCU, no último dia 22, o pedido de suspensão dos prazos procedimentais e também o registro expresso dos atos decisórios, relativos à licitação do STS08, para que as responsabilidades ficassem com a SNP (Secretaria Nacional de Portos), cabendo à APS atuar em caráter técnico e colaborativo.
“A decisão do presidente da APS, Anderson Pomini, foi tomada depois de receber ofício da SNP em que o órgão do MPor informou que daria tratamento à avaliação da solicitação de adensamento da área, feita pela Petrobras”, disse a APS.
De acordo com a autoridade portuária, a SNP informou que participou de reunião interministerial, coordenada pela Casa Civil, ocasião em que se deliberou acerca da suspensão do trâmite licitatório para análise do pleito do adensamento.







