Geraldo Campos Jr., Lais Carregosa e Marisa Wanzeller, da Agência iNFRA
O relatório apresentado pelo deputado Fernando Coelho Filho (União-PE) nesta terça-feira (2) para a MP (Medida Provisória) 1.300 foi além da ampliação da Tarifa Social de Energia Elétrica e trouxe novidades e até surpresas para o setor. Dentre os novos pontos, está a possibilidade de renovação de concessões de hidrelétricas vinculadas ao abastecimento de água em regiões metropolitanas, mediante pagamento de outorga e destinação de 50% do valor à CDE (Conta de Desenvolvimento Energético).
Também prevê outros recursos para modicidade tarifária, neste caso para as distribuidoras das regiões Norte e Nordeste. Ocorreria por meio de repactuação de passivos de UBP (Uso do Bem Público), um pagamento anual que as empresas concessionárias de geração hidrelétrica fazem à União pelo uso da água. Além disso, o parecer destina do ágio do leilão do GSF (sigla para risco hidrológico), ocorrido em 1º de agosto, para abater tarifas. Neste caso apenas para as concessionárias de distribuição de energia do Norte, um pleito do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
O texto ainda permite que as baterias (sistemas de armazenamento) sejam consideradas como prestadoras de serviços ancilares no sistema elétrico – com direito a ressarcimento via ESS (Encargos de Serviços do Sistema). E trata de novos parâmetros na formação do preço da energia, e tarifas diferenciadas para áreas com altos índices de perdas não-técnicas.
Fora do texto
No entanto, ficaram de fora do parecer temas como abertura de mercado e autoprodução, que, por acordo, tramitarão na MP 1.304, de relatoria do senador Eduardo Braga (MDB-AM). Uma proposta para o curtailment (cortes obrigatórios de geração), esperada por agentes renováveis, também não entrou na versão final do parecer.
Renovação de concessões
O texto determina que as usinas com concessões anteriores a 2003, que não tenham sido renovadas e que sejam importantes para o abastecimento público de água em regiões metropolitanas, possam renovar as suas outorgas por mais 30 anos. Para isso, os agentes devem pagar pela outorga e destinar 50% do valor à CDE.
O complexo Lajes, da Light, estaria entre os empreendimentos beneficiados pela medida, disseram fontes à Agência iNFRA. A companhia dependeria dessa renovação para dar início a uma série de investimentos já aprovados pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e pela ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico). No entanto, outras usinas dentro dos parâmetros também poderão ser atendidas pelo mecanismo.
Repactuação de UBP
Sobre o UBP, o relator propôs a repactuação de passivos para atenuar tarifas. Segundo agentes do setor, o valor do saldo é de aproximadamente R$ 6 bilhões.
O mecanismo prevê que as usinas poderão quitar o saldo devedor repactuado do UBP por meio de depósito na CDE. Posteriormente, esses valores serão revertidos para fins da modicidade tarifária entre 2025 e 2026 dos consumidores regulados do Norte e Nordeste.
Leilão do GSF
A região Norte ainda seria beneficiada com recursos do leilão do GSF que ocorreu no último mês nos moldes da MP 1.300. O ágio do certame seria destinado ao abatimento da CDE, segundo a proposta original. Mas o texto de Fernando Coelho determina a transferência dos recursos para as concessionárias de distribuição da região com o objetivo de “contenção de impacto tarifário”.
A aprovação do mecanismo no relatório da MP e, consequentemente, sua transformação em lei, dá mais tempo para a ANEEL apreciar os contratos de extensão de outorga das usinas vencedoras. Caso a MP caducasse ou fosse transformada em lei sem o trecho, as assinaturas deveriam ocorrer antes do dia 17 de setembro.
Sinal econômico
O parecer também fala sobre a incorporação de novos parâmetros de segurança operativa na formação de preços de energia para “melhorar o sinal econômico”. Os parâmetros acrescentados são: 1) restrições de defluência e armazenamento dos reservatórios; 2) restrições de rampas de subida e descida das usinas hidrelétricas e termelétricas; e 3) a reserva de potência operativa.
Estabelece ainda maior flexibilidade para que a ANEEL defina modalidades de tarifas diferenciadas, como por horário, por áreas críticas de perdas não técnicas (onde há alto índice de furtos de energia) e inadimplência, além da possibilidade de fornecimento pré-pago.
Solução para o curtailment
Coelho Filho explicou a jornalistas que queria colocar no relatório uma solução inicial para o problema do curtailment. A ideia, que chegou a entrar numa minuta do texto, era resolver o passivo dos geradores afetados. No entanto, ele disse que faltou consenso sobre um desenho de como fazer uma mudança de regra para resolver o problema daqui para a frente.
“Sobre a questão da financiabilidade, a minha ideia era poder criar um ativo com esse número que foi de frustração de receita até agora. E criar um ativo regulatório e com isso tentar fazer um evento de liquidez assim como foi o leilão do GSF, algo parecido. Assim resolve a questão financeira até agora”, explicou o relator.
Sobre uma solução definitiva, Coelho Filho disse que seria preciso “atacar o curtailment”. “A gente não ia conseguir trazer a tempo uma sugestão para poder acabar com o problema estrutural, para evitar que você tivesse que ficar dando soluções de liquidez sempre. Aí a gente achou que misturar os dois assuntos, curtailment agora e curtailment depois, ia acabar só tumultuando essa discussão e então seria melhor fazer tudo junto pra [Medida Provisória] 1.304”, afirmou.
Calendário
Além da tarifa social e do leilão do GSF, ficam mantidas no texto a divisão de custos da usina de Angra também com consumidores livres, as alterações no funcionamento da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia) e a previsão de adoção de novos modelos tarifários pela ANEEL.
O parecer foi lido nesta terça-feira (2) na comissão mista que analisa a MP, onde foi concedida vista coletiva. O colegiado retomará os trabalhos nesta quarta-feira (3) para votar o texto. A expectativa é apreciar a proposta na semana que vem no plenário da Câmara, para dar tempo de também passar pelo plenário do Senado antes do fim da vigência da MP, no próximo dia 17.








